Nom é evoluçom, é sequestro

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galegoA narrativa mais difundida sobre a história da nossa língua di que o galego “foi” por caminho diferente que o português, que “evoluiu” para se converter numha língua diferente.

Este relato prevalece na oficialidade e no ensino, condicionando portanto o pensamento da maior parte da sociedade galega.

Acontece que os termos “ir” e “evoluir” levam implícita a voluntariedade e a naturalidade. Quem vai, fai-no livremente. Quem evolui, supom-se que o fai em ambiente e condições naturais. Este discurso o que fai é naturalizar a imposiçom dumha língua alheia, neutraliza a perversidade dessa imposiçom. Nom há deturpaçom, nom há substituiçom, há “evoluçom”

Mas se umha pessoa é levada à força a um lugar onde a sua liberdade é anulada e, ali, sofre mutilaçom (cortam-lhe umha orelha, por exemplo), ninguém dirá que “foi” ao seu cativeiro e ali a sua cabeça “evoluiu” para perder umha orelha.

Mas se umha pessoa é levada à força a um lugar onde a sua liberdade é anulada e, ali, sofre mutilaçom (cortam-lhe umha orelha, por exemplo), ninguém dirá que “foi” ao seu cativeiro e ali a sua cabeça “evoluiu” para perder umha orelha.

Do mesmo modo as deturpações e substituições sofridas pola nossa língua nom podem mais ser denominadas de evoluções. Melhor será usarmos outra metáfora mais próxima da realidade: foi um sequestro da soberania linguística. Nom para pedir um resgate, mas para assimilar a língua/cultura sequestrada, quer dizer, convertê-la numha parte subordinada e dissolvida. Numha palavra, anulá-la.

Por outro lado, que coerência tem denominar “evoluções naturais” as deturpações/substituições sofridas pola nossa língua se som anteriores à norma dita oficial, mas ao mesmo tempo dizer que já nom o serám as posteriores à promulgaçom dessa norma?

Por exemplo, as substituições das terminações genuínas çom/som polas castelhanas ción/sión ou Galiza por Galicia fôrom “evoluções” porque acontecêrom antes do s. XX, antes da norma. Ou a substituiçom gráfica das tradicionais girar/gente/jamais por xirar/xente/xamais foi “evoluçom” porque já antes do s. XX se assumiu que gi,ge,ja representam um som de raspagem da garganta [khi, khe, kha], como na língua imposta (e só nela, dentre as românicas!)

Porém nom se consideram evoluções e sim erros as atuais substituições populares em curso, continuadoras do processo (barreira>barrera, verdade>verdá, teito/chão>techo/suelo, dezembro/janeiro>diciembre/enero… e um longo etc.) porque som posteriores à promulgaçom da norma dita oficial, a qual parece usar-se como marco divisório entre período de evoluçom e período de erro.

Evidentemente todas elas, as dantes e as de agora, som deturpações forçadas. Som substituições de formas galegas genuínas por formas da língua castelhana. Denominar parte delas como “evoluçom natural” é, de acordo com a nossa metáfora, cair numha Síndrome de Estocolmo: simpatizar com o sequestrador, justificá-lo, fazer nosso o seu discurso, “pronto, agora somos como ele”.

Evidentemente todas elas, as dantes e as de agora, som deturpações forçadas. Som substituições de formas galegas genuínas por formas da língua castelhana. Denominar parte delas como “evoluçom natural” é, de acordo com a nossa metáfora, cair numha Síndrome de Estocolmo: simpatizar com o sequestrador, justificá-lo, fazer nosso o seu discurso, “pronto, agora somos como ele”.

Continuando a explorar a metáfora do sequestro, interpretemos a alegria com que muitas pessoas que se di serem galeguistas reivindicam as substituições castelhanizantes acontecidas cedo a norte do Minho. Fam-no para provar o nascimento espontâneo dumha “língua diferente” da de Portugal. Mas com a nossa focagem vê-se claro que estám a festejar o início do afastamento forçado da própria família (linguística) por efeitos da acçom sequestradora.

Nós consideramos que a libertaçom real, superando a Síndrome de Estocolmo, seria a proposta reintegracionista: relembrarmos a realidade anterior ao sequestro, embora tenham passado muitos anos, e voltarmos às nossas “familiares e vizinhas”, aquelas variedades da nossa língua que se safárom do rapto.

Elas neste tempo evoluírom sim, claro, mas continuárom a viver em liberdade e nom sofrêrom o mesmo processo maciço de substituiçom. Nelas poderemos ter referência e apoio para reconstruirmos a vida em liberdade da nossa língua.

Umha metáfora nom transforma diretamente a realidade, claro, é apenas umha imagem. Mas é com imagens que entendemos o mundo, modelam as nossas atitudes que, essas sim, mudam a realidade.

Umha metáfora nom transforma diretamente a realidade, claro, é apenas umha imagem. Mas é com imagens que entendemos o mundo, modelam as nossas atitudes que, essas sim, mudam a realidade.

Se conseguirmos descobrir, aos olhos da sociedade galega, as armadilhas da narrativa da evoluçom natural da nossa língua e mostrar que foi muito mais como um sequestro, entenderá-se melhor o seu presente e poderá-se mudar o futuro a que parece destinada.

[Este artigo foi publicado originariamente no Nós Diario]