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Nas ditaduras não existem os direitos humanos, segundo o filme ‘Kamchatka’

No dia 10 de dezembro celebra-se em todo o mundo o “Dia Internacional dos Direitos Humanos”. Com o meu depoimento anterior e o presente pretendo conscientizar os nossos docentes sobre o importante que é organizar nos estabelecimentos de ensino atividades educativo-didáticas ao redor da Declaração Universal aprovada em 10 de dezembro de 1948 pelas Nações Unidas. É muito claro que, de todos os sistemas políticos que houve, e ainda por desgraça há, no mundo, as ditaduras, resultado muitas vezes de golpes de Estado, são as que nunca respeitam os direitos humanos. Entre eles, o direito à vida, à liberdade, à livre opinião, à liberdade de imprensa, à justiça, e outros muitos direitos, que são conculcados com total impunidade pelos governos. Exemplos de abondo temos na história da humanidade: os governos nazis de Hitler na Alemanha, fascista de Mussolini na Itália, de Estaline na Rússia, o franquista de 40 anos de Franco, o de Oliveira Salazar em Portugal. E, já mais próximos, o de Pinochet no Chile e o dos militares na Argentina do período de 1976 a 1983. Na atualidade, existem, especialmente em África e Ásia, governos ditatoriais, como os da Guiné e Birmânia. Tampouco a China é um sistema plenamente democrático, em que se respeitem muitos dos direitos.

Precisamente, para este meu depoimento, escolhi um formoso filme realizado em 2002 por Marcelo Pinheyro, um descendente de galegos, no qual é retratada como fundo do mesmo, e aos olhos de um rapaz de 10 anos, a terrível ditadura argentina de finais dos setenta, resultado do golpe militar de 24 de março de 1976. Nesta data foi quando a Junta Militar composta pelos comandantes-em-chefe das três Forças Armadas, o general Jorge Rafael Videla, o almirante Emílio Eduardo Massera e o brigadeiro Orlando Ramón Agosti, tomou o poder e dissolveu o Congresso, e se iniciou a considerada ditadura militar mais violenta da história argentina. Tal ditadura envolveu uma fissura na ação do poder militar, não só pela tendência autodefinida e autossustentada da interferência castrense no sistema político, mas particularmente, pela capacidade de reconstituição das condições de dominação social, pela redefinição do papel do Estado e pela reestruturação social e política provocada por essa ação, no quadro da mais cruel experiência de terrorismo de Estado observada no Cone Sul. A intensidade da repressão revela que o terrorismo de Estado foi infinita e proporcionalmente maior do que a ação da oposição. A chamada guerra sucia, com sua máquina repressiva estatal, impôs um verdadeiro genocídio. Entre 1976 e 1979, foram dadas como desaparecidas cerca de nove mil pessoas identificadas pela Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas. Outras fontes apontam até 30 mil desaparecidos. Outras 1.898 pessoas foram assassinadas, sendo os seus cadáveres encontrados e identificados posteriormente. Nesse período ainda, foram criados mais de 350 campos de concentração.

Em suma, a repressão processista assassinou, em menos de uma década, mais de 30 mil pessoas, após intermináveis sessões de tortura. Essas atrocidades começaram a vir a público quando em 1984, a Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas (Conadep), presidida pelo escritor Ernesto Sábato publicou o seu livro Nunca más, suscitando as informações acima. Outros indícios sobre a violência praticada pela ditadura militar na Argentina e noutros países do Cone Sul puderam ser desvendadas quando em dezembro de 1992 foram descobertos os arquivos da polícia secreta do Paraguai, o chamado Arquivo do Terror, que demonstra como as ditaduras militares colaboraram entre si. Mas nenhum acontecimento causou mais espanto, quando em março de 1995, o ex-capitão da Marinha, Adolfo Francisco Scilingo foi entrevistado pelo jornalista Horácio Verbitsky, do diário Página 12, e confirmou o que todos já imaginavam, mas não tinham certeza: a ditadura militar fez quase uma centena de “voos da morte”, atirando em alto mar entre 1500 e 2000 prisioneiros vivos. Os passageiros dos “voos da morte” estavam presos na Escola de Mecânica da Armada (Esma). Esses voos eram executados sempre às quintas-feiras e levavam de cada vez, entre 15 e 20 passageiros. Antes de serem atirados ao mar, os prisioneiros eram entorpecidos com o soro da verdade (pentatol), para que sedados, não pudessem ver o seu triste fim. Com as declarações de Adolfo Francisco Scilingo, foi possível levar a público todas as atrocidades cometidas pela ESMA. Alfredo Astiz, outro oficial da Marinha, também em depoimento, admitiu ter participado de operações de “grupos de tarefa” da ESMA, destinada a sequestrar, fazer “desaparecer” ou matar pessoas consideradas “inimigas” do governo militar. Porém as declarações dos oficiais da Marinha causaram um grande impacto na sociedade, pela primeira vez, além de sequestros, torturas e assassinatos, houve o reconhecimento de sequestros e mortes de bebés durante a ditadura Argentina. Na ESMA, funcionou uma maternidade clandestina, pelo menos 18 partos estão comprovados. A maioria das crianças foi entregue às famílias de militares e colaboradores. Na ESMA passaram cinco mil detidos, dos quais somente cerca de 40 sobreviveram. A repressão não conseguiu conter totalmente os grupos de resistência ao governo. Na Argentina, as Mães da Praça de Maio é originalmente um movimento de protesto das mães que tiveram seus filhos desaparecidos durante o regime militar. Desde então, o movimento tem confrontado as autoridades para responsabilizar os culpados pelos desaparecimentos dos seus filhos. As Mães da Praça de Maio tornaram-se um grupo internacionalmente reconhecido pela coragem de enfrentar o governo repressivo através de manifestações pacíficas. Ainda hoje, lutam para saber quem são os assassinos de seus filhos. E no presente ano de 2014 era um grupo que estava proposto para receber o Prémio Nobel da Paz.

Após um longo período de repressão a ditadura começou a dar sinal de estagnação nos países sul-americanos. No caso da Argentina, após a extensiva política económica liberal de sucatear a indústria nacional, os militares começaram a perder o seu poder. Procurando o apoio popular, em 1982, os militares, liderados pelo general Leopoldo Galtieri, invadiram as Malvinas, território britânico reivindicado pela Argentina. A derrota argentina levou à renúncia de Galtieri. O seu substituto, general Reynaldo Bignone, negociou a volta dos civis ao poder.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

A DITADURA COMO PANO-DE-FUNDO, AOS OLHOS DUM RAPAZ:

Kamchatka Foto12Em Kamchatka, o enredo sobre o golpe adquire originalidade porque é contado através do olhar inocente de um menino de dez anos, que assiste perplexo às mudanças a que se vê submetida sua família. O abandono da casa, a troca de nomes, a mudança de escola: a rutura da normalidade vem seguida por um mundo misterioso, cheio de rituais de clandestinidade e bastante fértil para a mente infantil.Localizada no extremo Leste da Rússia, a península de Kamchatka é uma região gelada, quase sem povoamento. Ali se encontra uma das mais instáveis cadeias magmáticas da Terra, com intensos tremores e mais de cem vulcões, 29 potencialmente ativos e alguns em franca erupção. Curioso, não? Pois Kamtchaka representou também, durante a Guerra Fria, um ponto militar estratégico. Mais próxima geograficamente dos EUA do que de Moscovo, foi mantida como zona militarizada, proibida a turistas, até o esfacelamento da ex-União Soviética, em 1991. Esse último facto fez com que Kamchatka fosse incluída em algumas versões de “War” (Guerra), o clássico jogo de tabuleiro. Eis uma das lições que ensina a produção argentina Kamchatka, do diretor Marcelo Pinheyro: a península em “War” deve ser um lugar de resistência, de esperança, um lugar do qual todos se devem lembrar, sempre que estiverem sozinhos ou em desvantagem. A lição – o espectador descobrirá – é dada por um pai (Ricardo Darín) ao seu filho mais velho (Matías Del Pozo), de dez anos. Nos dias que sucedem o golpe militar de 1976, a família, constituída por oponentes do novo regime, precisa abandonar a sua casa, os seus nomes civis, as suas rotinas. Fogem para um sítio onde, na companhia da mãe (Cecília Roth) e do filho caçula, precisam agora viver em alerta. Seguindo uma tendência atual do cinema “inteligente”, Kamchatka começa com o desfecho, constrói toda a narrativa numa espécie de flashback (volta atrás), e termina por explicar o sentido real daquele final pré-revelado. Mas, aqui, o artifício não estraga prazeres antes da hora, e sim dá uma dica do tom encontrado ao longo do filme. Não se trata, pois, de mais uma obra a respeito de guerrilhas e ditaduras, com heróis, mortes e explosões, mas de um retrato sensível e humano, em que a política serve apenas de pano-de-fundo. O diretor Pinheyro já tinha tratado do assunto, na sua produção de A história oficial (La historia oficial, 1985), Óscar ao Melhor Filme estrangeiro em 1986. Mas, na época, apenas dous anos após o fim do regime militar, o tema se mostrava urgentemente dramático, pulsante. Quando Pinheyro decide assumir a autoria do novo projeto, o tema pede uma abordagem mais delicada.

O próprio diretor reconhece: “Kamchatka fala de vínculos familiares, de legados deixados, ou não (…) Fala de amor e dos afetos em tempos de horror”. Então, como contar uma história cruel de maneira contrária ao choque e ao sensacionalismo? O grande trunfo de Kamchatka é colocar o cativante Matias como narrador. A princípio, o menino não entende a realidade que o cerca, e isso abre espaço para uma série de metáforas espirituosas, e de situações aparentemente inocentes, mas tão sinceras quanto enriquecedoras. O filho, por exemplo, gosta de assistir aos Filmes B norte-americanos, repletos de naves alienígenas-logo, os exércitos são vistos como invasores espaciais. E quando o pai sugere que toda a família troque de nomes, o menino logo adota Harry, em homenagem ao seu ídolo, Houdini (1874-1926), exatamente o mestre das fugas e dos esconderijos. Em certos momentos, principalmente no miolo do filme, a tensão perde compasso, como se o perigo parasse de rondar o sítio. Daí, entra o talento do elenco, que garante sustentação ao drama. O impecável Héctor Altério aparece no papel do avô, e refaz com Darín a trama para manter a atenção do espetador. Este, por sua vez, volta a atuar com o jovem Tomás Fonzi, o caçula Federico de Nove rainhas (Nueve reinas, de Fabián Bielinsky, 2000). Por fim, Cecília Roth, a protagonista de Tudo sobre minha mãe (Todo sobre mi madre, de Pedro Almodóvar, 1999), exibe o talento de costume. No geral, Kamchatka não tem o mesmo apelo comercial dos filmes citados. Passa por um processo muito mais introspetivo, discreto. Mas isso não o desmerece, muito pelo contrário.

Kamchatka Foto10O filme de Pinheyro é um olhar diferente sobre o período ditatorial argentino por se tratar de uma visão através do olhar de uma criança, por estar mais centrada nas perceções do rapaz protagonista e explorando as relações interpessoais da obra e o seu espaço narrativo, que acaba por dizer cousas que a história não diz. Sem mostrar a violência crua da ditadura, representada noutros filmes, o realizador amostra os efeitos colaterais da perseguição e da violência, como a fuga, a perda de identidade e a solidão. O filme termina assim por ser o reflexo de uma Argentina mais madura, vinte anos após o final da ditadura. A memória daquele regime começa a ficar um pouco distante, sendo lembrada vagamente em dous momentos, um deles, uma gravação de TV. A ditadura não é menos violenta neste filme do que nos outros, apenas muda a sua violência: ela não é mais escancarada, mas sim silenciosa, perseguidora nas sombras que força as pessoas a fugirem e faz filhos perderem os seus pais. O ator Darín, no papel de pai do rapaz, diz ao respeito: “Tive a alegria de atuar neste filme que busca um novo olhar sobre o período ditatorial argentino. O realizador amostra a ditadura pelo olhar das crianças. Ao invés de lamentar um tempo de muitas dificuldades, de sinalizar culpas, ele propôs uma bela reflexão sobre este triste período”.

TEMAS PARA REFLETIR E REALIZAR:

Utilizando a técnica do Cinema-fórum, podemos analisar o filme do realizador Pinheyro, do ponto de vista formal (linguagem fílmica, planos, planos-contra plano, movimentos de câmara, jogo com o tempo e o espaço, etc.) e de fundo (mensagem que tenta transmitir e atitudes que manifestam as diferentes personagens do mesmo). Também a maneira como o rapaz protagonista reage e resposta a um contexto tão peculiar, e o seu relacionamento com o irmão, seus pais e avós.

Usando diversas e variadas técnicas de dinâmica de grupos, em assembleia valorativa estudantes e professores poderiam debater os seguintes dados arrepiantes da sanguinária ditadura argentina nascida em 1976: Entre 1976 e 1983 os militares assassinaram ao redor de trinta mil civis, entre eles, crianças e idosos, segundo estimativas de ONGs argentinas e organismos internacionais de defesa dos Direitos Humanos. Os militares afirmam que mataram “somente” oito mil civis (segundo declarações do próprio general e ex-ditador Reynaldo Bignone, à TV francesa na virada do século, outros colegas seus dizem que não mataram pessoa alguma). O Estado argentino, com a volta da Democracia, recebeu pedidos para indenizações da parte de parentes de 10 mil desaparecidos. A Ditadura teria sido responsável pelo sequestro de 500 bebés, filhos das desaparecidas. Desde o final dos anos 70 as avós da Praça de Maio localizaram e recuperaram a identidade de 95 dessas crianças, atualmente adultos. Em 1983, nos últimos meses da Ditadura, um relatório das próprias forças armadas argentinas indicou que a guerrilha e grupos terroristas de esquerda e cristãos nacionalistas teriam assassinado 900 pessoas. Diversos historiadores afirmaram ao longo dos anos que esse número está ligeiramente inflacionado, já que diversos dos mortos da lista militar teriam sido assassinados pelos próprios militares, na miríade de brigas internas (e, convenientemente, teriam colocado a culpa nos terroristas). Entre as formas de assassinar civis, por parte dos militares, estavam o deitar pessoas vivas, desde aviões, sobre o rio da Prata ou o Oceano Atlântico; juntar prisioneiros, amarrados, e dinamitá-los; fuzilamento e morte por terríveis torturas. As modalidades de tortura abrangeram um amplo leque. Algumas foram criadas na Argentina, outras, importadas das forças de segurança da França que haviam atuado na Guerra da Argélia. Entre elas podemos destacar as denominadas: Picana elétrica, o submarino molhado, o submarino secoe o rato no cólon(colocação de um rato, faminto, no cólon de um homem, e nas mulheres, o rato era colocado na vagina). Diversas testemunhas indicam que os torturadores argentinos ouviam marchas militares do Terceiro Reich e discursos de Adolf Hitler enquanto torturavam.

Organizar nos estabelecimentos de ensino uma magna amostra-exposição monográfica sobre as diferentes ditaduras que houve e há no mundo, destacando os mais destacados atentados das mesmas contra a Declaração dos Direitos Humanos. Na mesma teriam que incluir-se mapas, textos, frases, aforismos, fotos, esquemas e um mapa-múndi, destacando nele os países que têm ou tiveram ditaduras. Também textos e poemas da autoria dos estudantes.

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