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Mário Nozeda, ‘O Português’: «Falava com os pais para apresentar o português como algo desejável»

Mário Afonso Nozeda Ruitinha
Mário Afonso Nozeda Ruitinha

Mário não foi um professor de primário convencional. A sua alcunha O Português, posta na Ilha, onde exerceu a maioria da sua vida laboral, delata-o. Defendeu e lutou pela nossa língua desde as “trincheiras” das aulas durante toda a sua carreira profissional e fê-lo na normativa portuguesa. Dous fatores que lhe causaram a expulsão da docência 9 anos, com o “pretexto” de instigar o confronto social nas aulas. Longe de se render e com o apoio dos pais e dos seus alunos, quando volta continua a ministrar aulas e, com certeza, a criar consciência e orgulho de língua e de país.

Na Ilha já sempre serás “Mário, o português” pela tua defesa da unidade da língua galego-portuguesa. Quem te pôs a alcunha?

Ignoro donde partiu, imagino que foi criação coletiva. Como em todo o país, sobretudo nas sociedades rurais e nomeadamente na beiramar, as alcunhas bem se sabe, são uma maneira essencial de reconhecimento. Em geral toda a gente aceita a sua. Eu aliás fico muito contente pela minha.

Antes de te reformares escreves um livro em português com o teu alunado, Falares da Arouça, onde recolhes “ditos” próprios da Ilha. Donde partiu a ideia?

Olhando o gravíssimo processo de perda cultural da Galiza dos últimos 30 anos, o caso da Ilha foi espetacular. Olha, quando nós chegamos à Arouça no ano 1982–1983, ainda de barco, ouvir espanhol era insólito. Hoje o difícil é ver crianças a viver naturalmente em galego. O povo da Arouça orgulhou-se sempre das suas cousas, mas em certo ponto acho que já aceita resignado esta fatalidade de se negarem a si próprios em bem do ‘progresso’. Sei lá, se calhar com pouco resultado, mas tentei lutar contra o alzheimer programado. Quis avivecer o que nos dá sentido como humanos e como seres sociais, o que nos faz sentir dignos. Foi muito por isto pelo que em 4 anos letivos dedicamos três semanas de atividade as raparigas e rapazes do ciclo superior a fazer um trabalho de pesquisa no ambiente social da Ilha, na recolha de palavras, ditados, expressões, cantigas… É um trabalho incompleto de reconstrução do património, aberto a quem o quiser prosseguir. A publicação do livro foi também uma espécie de testemunho vital da minha passagem pela Ilha e uma maneira de exprimir gratidão a quem me acolheu.

Como consegues ensinar ao longo da tua vida docente em português? Imagino que não isento de entraves…

É uma história longa. O meu primeiro destino foi em lira numa escola unitária do Condado do Minho pouco após a morte de Franco. Eu estava decidido mas cheio de medo. Para além disso não havia materiais. Os amigos presentearam-me O Catón Galego de Ben-Cho-Shey, um método silábico, antes de passar a outros globais dos coletivos de vanguarda que surgiam. Tive confrontos com algum pai porque eram insólitas as aulas em galego, e diziam-me que os meninos iam ficar de burros, porém quando comprovaram que os seus filhos eram dos primeiros em ler e escrever, ganhei prestígio. Ali, no Condado foi quando comecei a ver as enormes similitudes do galego com o português. Pode-se dizer que cheguei ao português por uma evolução natural. Primeiro com a norma AGAL, com o manual do Martinho, mas por um processo de convicção e por simples praticidade vinguei no padrão. O AGAl pode prestar para figurar dentro dos cenáculos intelectuais mas para a prática não serve. A gente o identifica com o português mas não o é: Afasta-nos da nossa gente mas também da lusofonia… é uma opção antieconómica. Portanto ia a Portugal por material pedagógico, contudo também elaborei os meus próprios apontamentos, fiz uma história da nossa língua, fundamental para compreender o porquê da nossa escolha.

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Entrevista publicada no n.º 139 do NGZ

E com a Administração, pais ou os teus colegas, houve polémica também, não é?

Quando estávamos ainda no Condado, em Leirado, também explicava aos alunos história, falava-lhes do binómio Espanha–Galiza… e numa substituição de férias ficaram chocados, o substituto disse que o professor era um terrorista. Chamaram a Inspeção e começaram a recolher assinaturas pelas freguesias para me botar. Na minha ninguém assinou, foi comovente. Na Ilha fui perseguido e acossado persistentemente até acabar em expulsão por 9 anos.

Que aconteceu para a administração tomar essa medida?

O clima foi aquecendo por causa das minhas aulas em português, na escola chegaram a dizer que eu manipulava pais e alunos. Fizeram todo o possível para me botar. Os alunos faziam manifestações em meu favor e mães de outros alunos batiam neles ou não os deixavam ingressar na minha turma. No ano letivo 88–89 chegou-se a construir uma sala de aulas nova e contratar um professor propositadamente nomeado para os pais de alunos da minha turma poderem escolher entre português e espanhol. Uma hipótese nunca vista e ilegal: criei emprego mesmo! Produziu-se uma adesão ao português impensável, houve pais até com filhos em outros professores que escolheram português. Porém aqui a ordem era clara: isso não podia ser. Imagina: pode-se renunciar à Galiza, mesmo é conveniente, mas à Espanha, nunca. Chateados, pais de alunos pró-português decidiram candidatar-se a representantes de pais no Conselho Escolar, e nas eleições mais concorridas ganharam maioria, 3 de 5 representantes. Um bocadinho mais tarde houve um conflito entre um aluno dos mais velhos e um professor, onde chegaram a vias de facto. Culparam-me de criar confronto na escola e Educação expulsou-me.

E que fizeste?

Partir para Ourense, a nossa cidade, com as filhas e a mulher, professora no mesmo centro. Proibiram-me dar aulas e destinaram-me a um Centro de Recursos Didáticos. Aproveitei para fazer licenciatura de História e Geografia na Universidade, por sinal, também em português. Aos 9 anos voltamos para a Ilha, sendo bem advertidos. O inspetor disse entre ameaças que não ia consentir qualquer imposição linguística. Respondi-lhe que a única imposição de sempre era a do espanhol, que ele cumprisse com o seu dever, que eu ia cumprir com o meu.

Davas aulas de espanhol?

Sim, em primário. Não consentia que misturassem: “Nas aulas de espanhol, tudo em espanhol, nada de mixórdias.”

E que há das aulas em galego?

Eu queria que se familiarizassem com o português, mas não que fosse um problema para eles. Vinham de outro professor e depois de eu iam passar a outro que muito provavelmente utilizava a norma ILG. Quando se defronta a realidade e se olham estas distonias, percebe-se que se deve ir com cuidado. Queria que os pais vissem que era uma coisa séria, por isso falava com eles para apresentar o português como desejável, como um valor, não como um problema.

Que achas da situação do galego?

É um decalque do país, a língua está em situação terminal… igual que o país, morre pela assimilação à Espanha. Julgo que este estado de cousas possa ter solução, e esta passa pelo reintegracionismo.

 

Entrevista publicada originalmente no n.º 139 do Novas da Galiza

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