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Maria José Diaz Pinheiro: “O primeiro que teria que mudar é a norma que dizem oficial que acarreta a escandalosa subordinação ao castelhano”

Em 2021 figerom-se 40 anos desde que o galego passou a ser considerada língua oficial na Galiza, passando a ter um status legal que lhe permitiria sair dos espaços informais e íntimos aos que fora relegada pola ditadura franquista. Para analisarmos este período, estivemos a realizar ao longo de todo 2021 umha série de entrevistas a diferentes agentes. Agora, entrado 2022 queremos continuar reflexionando sobre isto, mas focando num ámbito em particular, de importáncia estratégica: o ensino.
Hoje entrevistamos a professora de português no ensino secundário, Maria José Dias Pinheiro.

 

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Que avaliaçom fás dos resultados do ensino do galego após 40 anos como matéria troncal?
À procura de uma pontinha de otimismo ao rever este período, gostava de que existisse um estudo específico de que, muito dificilmente, tivesse concluído serem engano as percepções que me chegaram nos 36 anos em que vivi por dentro esta realidade ou, agora, já de fora.  À falta dele, vamos, então, com impressões.

O primeiro que me vem ao pensamento é serem 40 anos esbanjados. Quando se parte de um quase nada, sempre se observam avanços: ninguém questiona que o facto de possuir a língua estatuto de oficialidade, dentro e fora do ensino, contribuiu para repelir atitudes vexantes nem que o ensino da língua permitiu contactarem com ela pessoas urbanas a que, de outra maneira, raramente chegava. Também não podemos pôr de parte um básico conhecimento da literatura e, em geral, da cultura; ainda, através das aulas da matéria, foi possível  uma mínima aproximação da história da Galiza, mesmo da geografia, nomeadamente nos decénios iniciais, em que nada disso existia no currículo do ensino primário e secundário, por não falar da aquisição da competência na língua, que julgo desigual e muito inferior ao desejável, sem entrar em análise maior.

 

O primeiro que me vem ao pensamento é serem 40 anos esbanjados. Quando se parte de um quase nada, sempre se observam avanços: ninguém questiona que o facto de possuir a língua estatuto de oficialidade, dentro e fora do ensino, contribuiu para repelir atitudes vexantes.

Porém, acho que o ensino, também o da língua, acabou por ser um meio fundamental para  o poder glotopolítico fazer sentir na sociedade uma ilusória necessidade de normalização que escondeu, por contra, a subordinação ao castelhano que não deixa de crescer .

Não foi um período uniforme e, aliás, nasceu perturbado: logo no início destes 4 decénios, foi imposta uma norma escasamente assente em princípios de ordem científica – a que se outorgou um estatuto de oficialidade – norma encaminhada a conseguir o afastamento do nosso diassistema linguístico. Com esse propósito, os poderes públicos adotaram uma atitude fundamentalista, muito especialmente no ensino, mas colidiram com uma resistência ativa, legitimada linguística e eticamente, com que alinhou parte significativa do professorado.

Com este facto fulcral a marcar o início da oficialização da língua, no que diz respeito à forma em que o professorado enfrentou o ensino da matéria, acho que 2 fatores marcaram uma fratura na focagem do modelo de língua e, portanto, nos resultados obtidos: a separação dos graus académicos de galego e português na USC e a aprovação da norma de 2003 que, longe da “concórdia” com que foi qualificada na altura, acarretou acomodamento para numerosas pessoas que achavam estar já feito aquilo a que se podia aspirar em questão de norma. E usei fratura propositadamente porque sinto que, nos anos primeiros existia, para além da resistência a que aludi antes, certa unidade pedagógica de parte do professorado (o magistério de Carvalho Calero ainda era grande), que mesmo se materializou em associações (significativa foi a Asociación de Profesorado de Lingua e Literatura – APLL) e jornadas pedagógicas. Ainda sendo essencial e crescente o associacionismo  já desde a década de 90, minguou ou desapareceu no seio do ensino, facto que acarretou decrescimento da ação coletiva e progressivo individualismo na docência.

A aprovação da norma de 2003 que, longe da “concórdia” com que foi qualificada na altura, acarretou acomodamento para numerosas pessoas que achavam estar já feito aquilo a que se podia aspirar em questão de norma.

Longe ficam os tempos em que a literatura portuguesa tinha cabida nos manuais escolares da Galiza; longe também, aquelas aulas em que, apesar de denúncias e perseguições, era possível ensinar na norma da Agal. A transversalidade da ideia de ser necessária a luta para banir uma norma espúria, deu passo à confortabilidade por entender que o trabalho estava concluído com aquela “concórdia”. Aliás, as gerações de docentes formadas já apenas em Filologia Galega seguiram um plano de estudos que favoreceu a adequação ou o acomodamento à norma estabelecida.

Já no século XXI, outros fatores vieram somar-se ao já precário contexto do ensino da língua:  a crescente desideologização difundida institucionalmente, com repercussões na sociedade em geral, mas também no professorado e no alunado; a burocratização da vida docente que fez e faz com que o tempo nunca seja suficiente para o labor pedagógico, o progressivo afastamento social da língua e, como elemento nutrício de degradação, o denominado Decreto de Plurilinguismo.

Para não dilatar mais a resposta e só de passagem, gostava de me referir à necessária reorganização dos desenhos curriculares da matéria de língua, hoje reiterativos, escassamente comunicativos e desvinculados da comunidade linguística internacional  a que pertencemos.

Gostava de me referir à necessária reorganização dos desenhos curriculares da matéria de língua, hoje reiterativos, escassamente comunicativos e desvinculados da comunidade linguística internacional  a que pertencemos.

Nesta olhada aos 40 anos de ensino da língua enquanto matéria troncal, atendi ao que conheço um pouco: o ensino secundário. A  minha avaliação global é negativa, mas, com certeza, é positiva para quem empeceu, do princípio ao fim, que o esforço e a vontade de tantas pessoas tivesse tido uns resultados bem afastados dos que conhecemos..

E da presença do galego como língua veicular no ensino público?
Apesar das leis que regulam as línguas veiculares no ensino regrado ou, talvez, por causa delas, a realidade revela que a língua galega é escassa enquanto veículo de docência. Da primeira regulamentação do ano 1988, à última, o Decreto de Plurilinguismo, descuidou-se qualquer observância de cumprimento. Salvo casos pontuais, ora a veicularidade se torna efetiva na escrita, mas não na oralidade, ora se mistura o uso de galego e castelhano, ora simplesmente se recusa a lei. Por não falar no modelo de língua seguido ou na qualidade. Disto, claro, ficam excluídas muitas pessoas que, independentemente de regulamentos, usaram e usam a língua galega nas aulas.

Já se observarmos o uso da língua nas comunicações internas dos estabelecimentos de ensino, é comum as escolas procederem de modo a executar o mínimo que a legislação prescreve, particularmente na escrita. As atividades encaminhadas à normalização da língua respondem, em numerosos centros, a cumprir com a existência da equipa de “dinamización” – e a receberem, com isso, alguns ganhos –  mais do que a qualquer vontade de converter em habitual a língua.

Provado ser o ensino um dos fatores chave de desgaleguização, a desatenção dada à língua neste âmbito acho estar na base da castelhanização escolar.

Achas que esta presença guarda relaçom com a sua presença como língua ambiental nos centros educativos?

Entendo que, na pergunta, “língua ambiental” está a referir-se à da povoação do centro educativo; assim sendo, acho que não existe relação, nem sequer nos casos em que é ditado por lei. Por via de regra, no ensino secundário, as escolas acabam por ter hábitos particulares, desvinculados da língua ambiental na entidade de povoação em que se inserem, tanto no caso daquelas em que a língua galega é veicular nas matérias em que é prescrita ou nas comunicações habituais do centro, quanto no caso contrário. O uso veicular da língua prende mais à atitude do professorado, das equipas diretivas, das comissões de coordenação pedagógica do que à língua ambiental de que, com frequência, se isolam; de facto, e em áreas urbanas, centros muito próximos atuam de forma bem diferente quanto à língua veicular, ainda recebendo alunado de zonas similares.

É claro que há escolas que vão além do referido e realizam um trabalho imenso que costuma dever-se à vontade e implicação de professorado que cria projetos e dinâmicas que acabam atraindo a colaboração de colegas, da comunidade educativa e, nomeadamente, fazem com que o alunado e famílias se envolvam. Mas não é o geral e, aliás, é frequente que, quando as pessoas motrizes abandonam a escola, os modos de agir mudam e os projetos esmorecem.

Pensas que deveria mudar alguma cousa no ensino da matéria de Língua Galega e Literatura?
Tanta coisa! O statu quo, mas é ilusão. Continuarmos conforme estamos é apenas dilatar a agonia e acrescentar o tormento.  Seria complexa a resposta e estaria sujeita aos objetivos que se pretenderem, que pressupomos contrários a aqueles que conduziram e conduzem à realidade que conhecemos.

O primeiro que teria que mudar é a norma que dizem oficial  que, nutrida com o modelo léxico que a acompanha, acarreta a escandalosa subordinação ao castelhano em que se instala o grosso da sociedade utente da língua galega. De aí para a frente, no mínimo, haveria que mudar currículos e estabelecer redes de trabalho que permitam fugir do isolamento e gerar algum entusiasmo.

O primeiro que teria que mudar é a norma que dizem oficial  que, nutrida com o modelo léxico que a acompanha, acarreta a escandalosa subordinação ao castelhano em que se instala o grosso da sociedade utente da língua galega.

Qual deve ser o papel do português no ensino? Ampliar a sua presença como segunda Língua Estrangeira? Ser lecionada dentro das aulas da matéria troncal de galego? Ambas?
A resposta é diferente em função de considerarmos a legislação vigente ou uma outra que der ocasião ao que achamos conveniente. É claro que o português deve ser ordinário no ensino: se alguma hipótese fica ainda para travar a diluição da língua no castelhano, é por meio do português. Hoje, dentro das aulas de língua, é inviável. Mas, existe a possibilidade de ser lecionado enquanto primeira ou segunda língua estrangeira, mesmo sob uma outra denominação como matéria de livre configuração, complementar àquelas, para além das seções bilíngues para cuja existência, teria que aumentar o professorado competente na língua; acontece é que essa possibilidade teórica limita-se de maneiras diversas de parte das autoridades educativas que não só descuram o desenvolvimento da lei Paz Andrade mas empecem, ano após ano, as iniciativas das escolas e do professorado.

Pensas que implementar linhas educativas diferenciadas (uma com imersom linguística em galego) poderia ser útil para o galego voltar aos pátios?
Negativo é claro que não ía ser, embora não seja provável reverter a precariedade a que se chegou sem que a imersão se acompanhar com outras medidas que envolvam âmbitos diversos; o ensino foi / é um caminho direto à castelhanização, mas não tem tanto poder para, no trajeto de volta, vencer tanta maleza embaraçadora de vontades. Ora, no contexto atual, a efetivação dos recursos de que dispomos no ensino, suporia, para já, um avanço: as seções bilíngues em português e o desenvolvimento pleno da lei Paz Andrade são dois exemplos. Faz falta (in)formação e vontade do professorado, num caso;  responsabilidade administrativa, no outro. E, sempre, dedicação e implicação do sindicalismo.

No contexto atual, a efetivação dos recursos de que dispomos no ensino, suporia, para já, um avanço: as seções bilíngues em português e o desenvolvimento pleno da lei Paz Andrade são dois exemplos. Faz falta (in)formação e vontade do professorado, num caso;  responsabilidade administrativa, no outro. E, sempre, dedicação e implicação do sindicalismo.

Que papel atribuis ao modelo educativo inaugurado polas escolas Semente?
As escolas Semente são hoje os germes que melhor prendem e crescem, a principal esperança viva. O modelo é o caminho certo, mas a autogestão traz consigo, com frequência, um esforço enorme para as famílias e pessoas implicadas que, aliás, costumam ter outras obrigações ineludíveis com que lidarem. É por isso que urge alargar a base social das Sementes de modo a garantir financiamento, gestão e, nomeadamente, continuidade.

Com a tua experiência como professora de português, achas que tem alguma repercussom na maneira de os alunos e alunas viverem o seu galego?
Sem ser uniforme nem geral, é muito grande essa repercussão. Os melhores sinais de ainda haver esperança para a língua chegaram-me das aulas de português. Tenho a impressão de que um número apreciável de pessoas, nomeadamente no bacharelato, se deparam, nas aulas de português, com a (própria) língua desentupida, limpa, sem os entraves que sentem nas de língua e literatura. Outra questão é que essa percepção tenha continuidade ou acabe travada por circunstâncias diversas, como o caso de finalizarem o contacto com o português. Talvez esteja enganada e percebi apenas o que desejava, mas o feedback recebido também me leva a pensar assim.

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