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Largura e comprimento

Ângelo Cristóvão, secretário da AGLP
Ângelo Cristóvão, secretário da AGLP

Na altura histórica em que a crise económica chega a toda a parte, alguma experiência pessoal, mesmo alguma notícia, pode abrir-nos novas expectativas, fazendo abrir os olhos a realidades existentes ao nosso lado. Não necessariamente ao nosso lado físico, porque há formas de proximidade e distanciamento que não podem ser medidas com o sistema métrico decimal.

Durante as férias de verão, uma empregada de uma conhecida empresa galega foi chamada para regressar urgentemente ao posto de trabalho. Tinha de fazer um orçamento de materiais para Angola no prazo mais breve possível. O contrato, em português, por um volume de negócio muito elevado, daria trabalho para um número importante de pessoas, de famílias, e o pagamento estava garantido. Durante a elaboração do orçamento, as colegas do escritório perguntaram-lhe se sabia bem o que eram “largura” e “comprimento”, porque errar nas medidas daria num rejeitamento do produto, perda económica para a empresa, desprestígio e anulação de futuros contratos num dos países com maior crescimento económico de África e do mundo. Os substantivos que a funcionária conhecia eram “largo e ancho”, que aprendera nas aulas de castelhano, ou talvez na de galego… já nem se sabe. A questão é que “largo e ancho”, como aprendera a denominar as medidas de um objeto de duas dimensões, não lhe serviam para conseguir o contrato com Angola. Tinha de ser feito em português, sem erros de cálculo e à primeira.

O passado 9 de outubro assisti, com outros colegas, à conferência “Perspetivas da Língua Portuguesa”, realizada na Universidade do Minho e organizada pola Comissão de Promoção de Difusão da Língua Portuguesa da CPLP. O encontro contou com a participação oficial do Governo galego, representado por Valentín García Gómez, Secretário-Geral de Política Linguística, ao que os organizadores deram o lugar mais destacado possível, em concordância com a AGLP. Uma participação num encontro internacional de alto nível diplomático que constitui um reconhecimento implícito para a Galiza, e um oportunidade para um governo de uma comunidade autónoma alheia à CPLP. Um privilégio que ainda não receberam estados como o Geórgia, Namíbia, Turquia ou Japão, admitidos em julho de 2014 como observadores associados da CPLP.

Intervenção de Valentín García Gómez na conferência 'Perspetivas da Língua Portuguesa'
Intervenção de Valentín García Gómez na conferência ‘Perspetivas da Língua Portuguesa’

Nesse mesmo encontro o representante da Missão da Guiné Equatorial na CPLP, que se apresentou e falou pola primeira vez, depois de o seu país ser admitido como membro de pleno direito, fez o esforço de falar em português e do português, o que é de agradecer. Naturalmente na Guiné Equatorial há outras línguas, como também em Cabo Verde, Timor, Angola ou Moçambique. Ora, a entrada neste clube significa entender e assumir o uso e promoção da língua comum, objeto de uma política internacional de consenso.

Todos os presentes durante a sessão da manhã dessa Conferência, agora disponível integralmente em vídeo, assistimos à apresentação sobre o “Potencial Energético da Lusofonia” realizada por José Eduardo Sequeira Nunes, da empresa GALP. Não é que eu goste muito nem pouco do mundo dos hidrocarbonetos, mas vivendo da economia real não posso deixar de ver as oportunidades que se apresentam para a Galiza. Ficamos a saber, durante a palestra do Sr. José Nunes, que a grande maioria das descobertas de petróleo e gás natural, a nível mundial, nos últimos dous anos, se encontram em territórios de língua portuguesa, nomeadamente Brasil, Angola e Moçambique. Soubemos também que estes dous últimos países precisarão um determinado número de barcos de grande capacidade para transportar esses combustíveis. E não só, porque todos os países da CPLP, salvo Portugal, têm grandes expectativas neste sentido.

Deixando a um lado a análise da provável mudança na geoestratégia a nível global que estas descobertas de recursos naturais vão provocar nas próximas décadas, a pergunta mais doméstica e imediata que eu me fazia é quem vai conseguir esses contratos de construção naval. Uma das notícias que nos tem preocupado aos galegos durante os últimos anos e décadas é a problemática do setor naval na zona de Ferrol, e as dificuldades para assegurar a sua viabilidade. A este respeito cabe dizer que os barcos também têm largura e comprimento.

À vista destes dados, que são só um exemplo ocasional, é fácil perceber que estamos à frente de importantes oportunidades, mesmo se alguns só conseguem ver riscos. Tornar o Galego útil para a Galiza também é uma forma de fazer país. Poderíamos dizer que, sobre este tema, há pontos de vista mais ou menos discutíveis, e há também pontos de cegueira, círculos viciosos que não nos permitem uma perceção da realidade diferente da estabelecida. Recuperar o sentido instrumental da língua é vital, não só para a comunidade linguística, mas também para a projeção política e económica, para o futuro do país.

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