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José Manuel Barbosa: “A história é um campo de batalha e aliás, uma arma”

Entrevistamos José Manuel Barbosa em volta da sua última obra, publicada na Atraves Editora, Porque caiu a Galiza?, onde as leitoras vão encontrar “os aconteceres, os movimentos políticos, as tramas, as estratégias, as lutas, as conquistas e a queda definitiva da tentativa de construção dum projeto político galaico”.

A capa dum livro, sobretudo nos ensaios, tem a função de informar a pessoa que vai ler do seu conteúdo. Que nos indica a capa de Porque caiu a Galiza?
Em realidade, ainda não temos elaborado um mapa fidedigno do espaço territorial sobre o qual Afonso VII reinava direta ou indiretamente, mas sim sabemos a teoria no que diz respeito. O dia 26 de maio de 1135, o filho de Urraca I, a primeira mulher em reinar na Europa com a auctoritas, a dignitas e a potestas, como anteriormente, qualquer rei varão, foi coroado Imperador na Catedral de Leão. Ali acudiram os seus vassalos e é por isso que sabemos com bastante precisão os reinos, taifas, condados e ducados sobre os que o Imperador tinha competência, para elaborarmos esse mapa. Ali estão todos: o seu cunhado Raimon Berenguer IV, conde de Barcelona e dois anos mais tarde princeps e rei consorte de Aragão; o seu primo Garcia IV Ramirez, rei de Navarra; o seu primo Afonso Jordão conde de Tolosa (correspondente à atual região administrativa francesa da Occitânia); Armengol VI de Urgel; Guilherme VI de Montpellier; Odão II Duque de Gasconha e posteriormente duque de Aquitânia e conde de Poitier; Roger III de Foix “et multi comites, et duces Gasconiae e Franciae in omnibus essent obedientes ei” (e muitos condes e duques da Gasconha e da Franca, todos eles sendo obedientes a ele), como nos narram as fontes. Para além dos monarcas cristãos, também o sarraceno Aḥmad III Abū Jaʿfar ibn ʿAbd al-Malik al-Mustanṣi conhecido como Saif al-Dawla (aquele que porta a espada da dinastia), mais conhecido na historiografia tradicional como Zafadola, inicialmente rei da Taifa de Saragoça posteriormente reduzida a Rueda del Jalon e outros importantes territórios andalusis que serviam de freio contra os almorávidas. Imaginemos esse espaço territorial e poderemos perceber o que significa o mapa que incluímos na capa ratificado pela Chronica Adefonsi Imperatoris que nos diz “et facti sunt termini regni Adefonsi Regis Legionensis a mare magno Oceano, quod est a patrono S. Jacobi, usque ad fluvium Rodani” (e ficam feitos os limites do reino de Afonso, rei dos leoneses, que se estendiam das margens do Oceano Atlântico, onde está o Patrão Santiago, até o rio Ródano).

O ensino da história é um dos grandes campos de batalha no interior dos estados, sobretudo quando são multinacionais. Como são ensinadas as crianças e adolescente da Galiza a respeito do Reino da Galiza?
Com certeza que a historia é um campo de batalha e aliás, uma arma. Quando os Estados são multinacionais, habitualmente com uma das nações afirmada como hegemónica, apresenta-se-nos como o resultado dum processo histórico no que se deu uma luta pelo poder dentro duma determinada região geográfica onde as demais nações que partilham espaço acabam sendo subordinadas. No nosso caso a cena manifestou-se na Península Ibérica, onde a Gallaecia/Yalliqiya/Galizulund/Galiza… manifestou um maior protagonismo desde os inícios. Não podia ser de outra maneira, pois era a zona mais povoada e economicamente mais viçosa e prospera, mas no processo de luta pelo poder e a hegemonia da Hispânia, intervieram poderes exteriores à Península, poderes sistémicos, aliás, que determinaram o resultado final do processo por uma serie de razões que podemos extrair do livro em questão. O centro do poder sistémico medieval sabia a quem apoiava e sabia a quem devia neutralizar… e assim foi. Para assegurar o poder no tempo e no espaço, a lógica política determinou que haveria que lobotomizar a parte divergente, que manifestava uma ameaça para Roma papal e considerou que devia apagar a memoria da Galiza para neutralizá-la. Sem memória não há identidade, nem projeto político e sem identidade, nem projeto não há afirmação dum poder autocentrado. Essa ação foi terrivelmente poderosa e eficiente tanto para o Sistema político-social da altura quanto para os servidores desse Sistema que mereceram os favores do mesmo. Para manter esse Status Quo haveria que preservar no tempo essa desmemória, com o qual já se responde a pergunta que se me faz: Como são ensinadas as crianças e adolescentes da Galiza a respeito do Reino da Galiza? A resposta entra dentro dessa lógica: Simplesmente não são ensinadas. O reino da Galiza, e ainda a Coroa Galaica (conceitos diferentes mas o um consequência lógica da hegemonia do outro) é quase totalmente desconhecido pela maioria da população galega e praticamente ausente dos sistemas educativos da Galiza. O objetivo da lobotomia fez o seu efeito, mas, nesta altura da história temos os conhecimentos necessários como para reafirmar aquela frase de Abraham Lincoln que dizia: Ninguém tem tanta memória como para mentir sempre com sucesso. Poderás enganar a todos durante algum tempo; poderás enganar alguns todo o tempo; mas não vais poder enganar a todos, todo o tempo.

O interesse no Reino da Galiza esta a aumentar. Para alem da produção bibliográfica, recentemente a Deputação da Corunha convocou uns prémios para difundir esta realidade histórica que nas próximas datas veremos plasmada em diferentes formatos. Julgas que o conhecimento do Reino da Galiza aumentará significativamente nos próximos anos?
Existe uma vontade óbvia e saudável de desvendar aquilo em que estas ultimas gerações não temos reparado, já fosse por ocultamento por parte dos poderes públicos ou da administração, como por causa de não lhe termos dado a importância devida no galeguismo.

Existe uma vontade óbvia e saudável de desvendar aquilo em que estas ultimas gerações não temos reparado, já fosse por ocultamento por parte dos poderes públicos ou da administração, como por causa de não lhe termos dado a importância devida no galeguismo.

O redescobrimento da nossa história causa muita curiosidade e é motivo de crescimento, gerando uns importantes juros na nossa consciência que se tem manifestado, como dizes, em várias atividades da administração: os prémios organizados pela Deputação da Crunha; a organização por parte da Deputação de Ourense da exposição sobre os suevos In Tempore Suevorum, de grata memoria para o publico e à qual assistiram pessoas de muitos lugares da Europa, embora de poucos ou quase nulos resultados arqueológicos ou de investigação, como foi prometido no seu dia no Jornal La Region. Teremos, no entanto, que criticar a falta de vontade por parte da organização em tender as pontes com Portugal, quem não mereceu ser tão ignorado nessa atividade, agravado por ter sido Braga a capital daquela Gallaecia sueva, com tanto a achegar e ficando dentro do território português atual mais dos dois terços do espaço geopolítico suevo estável e reconhecido; mas também devemos criticar com força os erros monumentais, nunca melhor dito, da destruição por obras na zona de São Pedro de Rochas, em Esgos, cuja péssima atuação da própria Deputação de Ourense está a provocar graves estragos na área artístico-histórica do local. São graves danos feitos a importantíssimos elementos da nossa história e da nossa arte, tanto para a Galiza quanto para a própria civilização europeia, devido à inépcia de determinados responsáveis. Tenho a certeza de que a péssima gestão deste assunto teria levado aos tribunais a alguns responsáveis, se estivéssemos num pais onde não primasse o que não deve primar na gestão cultural e realmente soubéssemos tratar o nosso património, do mais importante da Europa em casos como este. Por isso devemos conhecer o nosso passado, para valorizá-lo, depois cuidá-lo e posteriormente tirar proveito, não só económico, dele. Por outra parte, também quero lembrar, atendendo à pergunta, o Congresso que vai decorrer, a partir do próximo dia 19 de setembro em Compostela, sobre o Reino Medieval da Galiza, o qual é bom publicitar, ainda que eu não poderei estar por razões familiares e profissionais. Iria gostar muito de ouvir os palestrantes e poder aprender muitas coisas novas duma equipa tão boa, tanto no plano da organização como a respeito dos intervenientes, investigadores e historiadores. Calculo, sim, que o interesse possa crescer com tudo isto, pois só com o conhecimento do nosso passado poderemos crescer como povo, com maior consciência da realidade passada, do que fomos e do que somos…. e do que poderemos ser. A consciência é o que realmente mobiliza as sociedades para bem.

O que vai encontrar a pessoa que se debruçar sobre Porque caiu a Galiza?
Vai encontrar um livro em que o autor vai tentar explicar, seguindo uma linha temporal coerente, os aconteceres, os movimentos políticos, as tramas, as estratégias, as lutas, as conquistas e a queda definitiva da tentativa de construção dum projeto político galaico através de quase dois séculos, dentro dum contexto europeu e hispânico que nos possa fazer perceber com o maior acerto as razões pelas quais a Galiza não conseguiu levar a cabo um projeto imperial pan-hispânico, elaborado originariamente no noroeste da Península Ibérica desde tempos antigos, e como este caiu nas mãos de Castela, quem, com a ajuda da Roma dos Papas, começou o caminho para a construção da Espanha castelhana que hoje conhecemos, na qual nós estamos obrigatoriamente incluídos, embora ficando marginalizados e periferizados, e da qual não nos é permitido sair.

Porque caiu a Galiza. Trecho Loja-1

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