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Inspirações fantasmagóricas

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Da Revista Popular, periódico do Rio de Janeiro, em edição do ano de 1859, consta interessante artigo do jornalista e romancista Luiz Castro sobre crenças e superstições populares. Fala-nos o autor não apenas sobre entidades sobrenaturais, a exemplo das mouras encantadas (tão presentes nas tradições luso-galegas), fadas, bruxas, ogros e vampiros, como, também, em práticas divinatórias, alquimias, sortilégios e visões. As visões – apressa-se a explicar o jornalista lusitano –, que não se confundem com simples sonhos, eram mais frequentemente diabólicas que celestiais.  Os mais graves escritos da Idade Média – diz-nos Castro –, tanto eclesiásticos quanto profanos, estão cheios de visões. E nos convida a ouvir a seguinte narrativa, que atribui ao terrível Torquemada (1420-1498):

Um cavaleiro espanhol, namorado duma freira, empraza-a para um encontro na igreja do convento, tendo-se previamente munido duma chave falsa.

Soa meia noite na torre ao transpor ele os umbrais do santuário. A igreja está iluminada e armada de preto. Diante duma essa cercada de tochas acesas, reza-se o ofício dos finados.

De repente, vê-se enfileirar uma procissão de monges a cantar o Dies Irae. Gelado de terror, acerca-se o cavaleiro a um padre e pergunta-lhe quem era o defunto cujos funerais se celebram. Em resposta, ouve o seu próprio nome. Dirige igual pergunta a segundo frade e depois a terceiro: a resposta é sempre a mesma.

Tomado de vertigem, foge ele da igreja espavorido e monta a cavalo. Dois enormes mastins negros o acompanham, correndo cada um do seu lado.

Ao chegar ao castelo, entram juntamente com o cavaleiro os dois mastins, e os cães o estrangulam à vista dos servos, que o não podem socorrer, senão com o sinal da cruz.

Teria o grande escritor Alexandre Dumas (1802-1870), cerca de 350 anos após a morte do inquisidor, se inspirado em sua “visão” para escrever uma de suas mais assustadoras histórias de fantasmas, Histoire Merveilleuse de Don Bernardo de Zúñiga?

Foi o que me perguntei, ao descobrir, recentemente, o artigo de Luiz Castro. Há cerca de 4 anos, recuperei, da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, uma tradução anônima, em português, do séc. XIX, da novela gótica escrita pelo prolífero escritor francês.  E vi, claramente, que o cavaleiro espanhol da visão de Torquemada é o mesmo Dom Bernardo de Zúñiga de Dumas.

Na novela de Dumas, Dom Bernardo de Zúñiga, cavaleiro da Ordem de Alcântara, retorna vitorioso, mas debilitado, ao castelo de sua família, após dez anos de ferrenho combate aos muçulmanos pela conquista de Granada. Em Béjar, seu torrão natal, reencontra a prima Anna de Niebla, por quem se apaixona. Mas ele, monge-cavaleiro de Cristo, surpreende-se ao saber que a prima, por ordem de seu pai, Dom Pedro de Zúñiga, conde de Banhares e marquês de Ayamonte, agora é freira reclusa no convento da Imaculada Conceição. O cavaleiro lança às favas o voto de castidade e propõe uma fuga à sua amada…

Desde então, eventos fantasmagóricos começam a suceder, tocados pela fluência e agilidade típicas de Dumas, evoluindo para um desfecho terrível, repleto de nefandas criaturas espectrais, inclusive a mesmíssima dupla de mastins pretos – os ferozes cães do Inferno de Torquemada –, que arrasta consigo o espírito do cavaleiro desleal às profundezas do Inferno.

fantasmas-de-bejar

É bem possível que Dumas não tenha conhecido a “visão” Torquemada e muito menos se inspirado nela para escrever a sua fantasmagórica narrativa. Muito provavelmente, o autor francês tomou conhecimento da história de D. Bernardo numa de suas viagens à Espanha, dadas as suas possíveis relações com o duque de Béjar y Osuna, Dom Mariano Téllez-Girón (1814-1882).  A seu turno, é bem provável que a “visão” de Torquemada não seja produto de aparição sobrenatural alguma, resultante de um êxtase místico, senão a apropriação de uma lenda, já centenária, travestida de contornos sobrenaturais, para frisar o destino infernal dos homens inescrupulosos que ousam atentar contra a castidade das freiras reclusas. Cremos, pois, que os relatos de Torquemada e Dumas são independentes, malgrado inspirados numa mesma antiga fonte espectral.

A narrativa de Alexandre Dumas está aberta à consulta do leitor em nosso sítio Contos de Terror, sob o título Os Fantasmas de Béjar. Veja aqui.

Talvez a mais antiga fonte inspiradora de relatos fantasmagóricos – que, veremos, atravessando milênios, exerce influência até os dias de hoje (sobretudo no cinema e nas séries televisivas) – seja A Casa Mal-assombrada, do escritor romano Caio, o Jovem (61 ou 62 – 114 d. C.). Porque breve, podemos aqui reproduzir a narrativa (tradução indireta nossa):

Havia em Atenas uma casa ampla e confortável, mas de má reputação e perniciosa à saúde. No silêncio da noite, ouviam-se ruídos de ferro e, se se prestava bem atenção, escutava-se o estrépito de correntes, que a princípio parecia vir de longe, mas que, depois, se aproximava paulatinamente. Em seguida, surgia o fantasma de um velho consumido pela fraqueza e pela miséria, de barba longa e cabelos eriçados. Tinha grilhões nos pés e correntes nos pulsos, que ele agitava e sacudia terrivelmente.

Em razão da aparição, os moradores da casa passavam, amedrontados, em vigília, tristes e terríveis noites. A prolongada insônia trazia a enfermidade, e esta, intensificada pelo medo, causava a morte, pois, malgrado o espectro não aparecesse durante o dia, a sua memória ficava impressa nos olhos e, assim, o terror se prolongava além das próprias causas. Portanto, a casa ficou deserta, condenada à solidão, completamente abandonada, à mercê do espectro terrível. Apesar disso, a casa foi exposta à venda ou locação, esperando-se que alguém, que não soubesse da terrível maldição, se dispusesse a adquiri-la ou alugá-la.

A Atenas chegou o filósofo Atenodoro, que leu o anúncio. Uma vez ciente do preço, e como sua modicidade despertava suspeitas, cuidou de indagar o motivo. Inteirado do que ocorria na casa, longe de desistir do negócio, o filósofo ainda mais interessado ficou em alugá-la. No limiar da noite, já na casa instalado, ordenou que lhe preparassem o leito no cômodo da frente. Pediu suas tábuas de escrita, um estilete e luz, determinando que os demais se retirassem aos fundos da vivenda.

Concentrou, pois, o seu ânimo, olhos e mãos no exercício da escrita, para que sua mente não desse azo a ruídos imaginários ou a medos absurdos.

A princípio, como em qualquer outro lugar, ouviu-se apenas o silêncio da noite. Mas, em sequência, chegaram a ele o ruído de ferro agitado e o estrépito dos movimentos das correntes. O filósofo não ergueu os olhos nem abandonou o seu estilete, pondo, resolutamente, a vontade à frente dos ouvidos.

O espectro estava ali, de pé. Com um dedo, fazia um sinal, chamando-o. O filósofo, de sua vez, acenava para que o fantasma esperasse um pouco, retomando o trabalho com suas tábuas e estilete. Mas o espectro insistia, fazendo soar as correntes para lhe atrair a atenção. O filósofo voltou a cabeça para a aparição, que continuava a chamá-lo com um dedo. Então, tomando a lamparina, prontamente a seguiu.

O espectro seguia a passos lentos, como se o peso das correntes o oprimisse. Então, desceu ao pátio da casa e, de repente, após desvanecer-se, abandonou o seu acompanhante. O filósofo recolheu folhas e ervas e, com elas, marcou o lugar onde o fantasma desaparecera.

No dia seguinte, procurou os magistrados, deles obtendo a licença para escavar o lugar. Encontraram-se ossos, ainda enredados em correntes. A carne, apodrecida pelo efeito do tempo e da terra, havia sido consumida, expondo os ossos jungidos aos seus grilhões. Reunidos cuidadosamente os ossos, foram eles enterrados em apropriada cerimónia pública. Depois disto, a casa ficou finalmente livre do fantasma, uma vez que os seus restos mortais foram sepultados convenientemente.

Muitos estudiosos consideram esta narrativa uma das primeiras histórias de fantasmas, um conto pioneiro em que releva o componente sobrenatural. Pode o leitor verificar que, ao longo dos séculos, e mesmo na atualidade, tem-se explorado, nas histórias de fantasmas, os elementos centrais da narrativa do vetusto autor romano: uma casa mal-assombrada; uma alma penada arrastando correntes e grilhões; moradores que, aterrorizados, buscam liberar-se da entidade alienando a casa mal-assombrada a preço vil; um novo morador que, empregando fórmulas ou métodos rituais, provoca a liberação do ente fantasmagórico; a paz que retorna à vivenda após apaziguado e liberto o espírito sofredor.

Sem dúvida, o leitor moderno encontra nisto tudo algo de muito familiar. Semelhanças entre narrativas fantásticas são devidas não apenas às influências e inspirações – quando não ao grosseiro plágio. Muitas vezes, decorrem de simples coincidências.

Gostaria, se possível fosse, de me alongar um pouco mais para falar da notável semelhança entre duas obras fantásticas de autores entre si contemporâneos: o estadunidense Scott Fitzgerald (1896-1949) e o galego Rafael Dieste (1899-1981). Mas isto ficará para outra oportunidade.

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