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Galego nas escolas urbanas: era visto, sim, mas agora fazemos o quê?

escola-arquivoPor mais que desejemos ver aspetos positivos, e alguns há, os dados são teimosos: a transmissão do galego na esfera familiar é cada vez mais anedótica nas zonas urbanas. Nas vilas e áreas periurbanas o único input em galego que muitas crianças recebem na família vem essencialmente de avôs e avós. Nesses contextos, escolas estão a tornar-se cada vez mais importantes para a aprendizagem do galego. Em muitos casos, constituem o principal local onde jovens e crianças têm contacto com a língua do país. Assim, se as suas famílias não apresentam um determinado compromisso linguístico, ao saírem das aulas muitos escolares urbanos estão mais expostos ao inglês do que ao galego. Esta falta de input linguístico em galego é um facto que observo todos os anos na minha faculdade, quando passo um inquérito de avaliação diagnóstica às minhas alunas de língua francesa, futuras docentes do ensino pré-escolar e primário. A esmagadora maioria não interage com conteúdos nem consome produtos culturais em galego.
Como era de esperar, a consequência desta carência de input em galego no âmbito extraescolar tem consequências negativas para a aprendizagem desta língua. Isto foi claramente revelado pelo estudo publicado no ano passado pela Academia Real Galega. O objetivo era medir a competência bilingue do alunado no final do ensino obrigatório. Segundo o estudo, o alunado castelhano falante é menos proficiente em galego do que os seus colegas galego falantes em espanhol. Este último grupo, para além do contacto próximo com a sua língua habitual, está continuamente exposto ao espanhol e, sem dúvida, isto permite-lhe adquirir melhores competências em ambas as línguas.
Portanto, o galego não é uma exceção: a quantidade e qualidade do input linguístico recebido fora da sala de aula é crucial para quem o aprende. Esta importância do input extraescolar é um fator do qual o corpo docente de inglês e francês, duas línguas que também são ensinadas na maioria dos liceus do país, está muito consciente. Assim, hoje em dia é difícil considerar o inglês como língua estrangeira devido à forte presença que já ele tem na nossa vida quotidiana, e ainda mais entre a mocidade. Por seu lado, o francês na Galiza apresenta o contexto típico de uma língua estrangeira. Apesar da Internet, está muito pouco presente na vida extraescolar do nosso alunado. Isto obriga-nos a compensar a falta de input com o maior número possível de atividades comunicativas na sala de aula num horário limitado. Aliás, o pessoal docente de francês é quase o único modelo linguístico para o seu alunado e, portanto, as suas competências, tanto pedagógicas como linguísticas, são fundamentais para transformar a sala de aula numa bolha francófona eficaz.

A quantidade e qualidade do input linguístico recebido fora da sala de aula é crucial para quem o aprende. Esta importância do input extraescolar é um fator do qual o corpo docente de inglês e francês, duas línguas que também são ensinadas na maioria dos liceus do país, está muito consciente. Assim, hoje em dia é difícil considerar o inglês como língua estrangeira devido à forte presença que já ele tem na nossa vida quotidiana, e ainda mais entre a mocidade.

É importante lembrar aqui a situação das línguas estrangeiras nos estabelecimentos de ensino porque a situação do galego nas cidades parece assemelhar-se cada vez mais, não à do inglês, mas à do francês: uma língua com a qual a maioria do alunado mal tem qualquer contacto fora da sala de aula. Neste contexto, como no caso do francês, o que é feito em escolas e institutos é crucial para a inclusão e utilização do galego na vida de jovens e crianças. E, de facto, para uma parte significativa do alunado urbano, o professorado galego falante é o principal referente de uso da língua. Infelizmente, e como já foi referido atrás, o sistema de educação dual implementado na Galiza parece não funcionar, ao menos para a maioria deste alunado castelhano falante. A julgar pelos recursos de aprendizagem utilizados, pelas metodologias aplicadas e pela própria formação do professorado, não parece que este problema esteja a ser enfrentado de maneira eficaz. Porém, as estratégias e experiências de sucesso a este respeito são numerosas e diversas. Não era bom considerar testar algumas delas e adaptá-las ao nosso contexto particular?
Uma das soluções que o galeguismo costuma exigir para resolver o problema da falta de input em galego é um aumento do número de horas de instrução nesta língua. Contudo, a investigação noutros contextos já revelou que esta medida, se não for acompanhada por outras, pode não produzir os efeitos esperados. E de facto, o certo é que durante esta etapa autonómica o número de horas lecionadas em galego aumentou significativamente, pelo menos sobre o papel, de 0% a 50%, sem que isto tenha contribuído para melhorar significativamente a competência bilingue da população castelhano falante. Na última reforma do nosso modelo – o controverso Decreto de plurilinguismo – chega-se ao extremo de estabelecer que disciplinas devem ser ensinadas numa ou noutra língua. Ademais, a carga horária em cada língua continua a ser fixada da mesma forma em todo o país. Porém, isto colide com a diversidade de contextos linguísticos existente na Galiza. E assim, o mesmo modelo é aplicado nas escolas de Vigo como nas da Ponte Nova. Qual é a lógica por detrás disto? O mais razoável parece adotar um modelo mais flexível em que os estabelecimentos educativos definissem, dentro de um quadro comum para o país, o seu próprio programa de educação dual, de acordo com o seu contexto sociolinguístico e com as necessidades específicas dos estudantes e das suas famílias. Haverá estabelecimentos educativos que prefiram iniciar uma imersão total em galego na educação pré-escolar e nos primeiros anos do primário para introduzir o castelhano como língua de instrução de forma mais gradual. Outros estabelecimentos poderiam preferir fazê-lo nos últimos anos do ensino primário. E outros poderiam escolher manter, sim, um certo equilíbrio horário ao longo das fases educativas.

O mais razoável parece adotar um modelo mais flexível em que os estabelecimentos educativos definissem, dentro de um quadro comum para o país, o seu próprio programa de educação dual, de acordo com o seu contexto sociolinguístico e com as necessidades específicas dos estudantes e das suas famílias.

Por outro lado, as disciplinas ensinadas nas duas línguas deveriam poder variar também de uma escola para outra de acordo, entre outros fatores, com a disponibilidade de docentes com competências linguísticas adequadas. Como é possível que professorado com baixa proficiência em galego seja forçado a ensinar nesta língua e sem apoio de formação contínua específica? Como é que no ensino infantil e primário não é disponibilizado professorado com nível nativo de galego para dar as aulas desta matéria? Isto é impensável no caso do inglês ou do francês. O professorado de línguas estrangeiras constitui um corpo docente específico que se submete a um processo de seleção em que a avaliação da sua competência linguística oral e escrita é um aspeto essencial. O mesmo se aplica aos professores que ensinam disciplinas como ciências naturais, estudos sociais ou música em inglês ou francês: é-lhe requerida uma acreditação oficial de competência a nível B2. Além disso, para ambos os grupos de docentes são oferecidos programas específicos (melhores ou piores, isso é já outra questão) de atualização linguística e pedagógica . Este não é o caso do professorado que dá aulas de galego, e sobretudo em galego. Não constitui um corpo docente definido, algo especialmente necessário no ensino infantil e primário, e portanto não recebe apoio pedagógico específico. Do ponto de vista do professor de línguas estrangeiras que eu som, é chocante que nas escolas de ensino pré escolar e primário, pelo menos das áreas urbanas, não seja feita qualquer distinção entre o ensino do galego e o ensino em galego na organização dos corpos docentes.

Como é possível que professorado com baixa proficiência em galego seja forçado a ensinar nesta língua e sem apoio de formação contínua específica? Como é que no ensino infantil e primário não é disponibilizado professorado com nível nativo de galego para dar as aulas desta matéria? Isto é impensável no caso do inglês ou do francês.

Outro aspeto que também tem consequências importantes para a aquisição de competências em galego por jovens de língua castelhana é a metodologia de ensino aplicada nas salas de aula. E aqui, a distinção entre a matéria de galego e as matérias em galego é, se calhar, ainda mais necessária. Nas disciplinas “de” e “em” línguas estrangeiras, são aplicadas metodologias claramente diferenciadas das implementadas para o castelhano quando este é objeto ou veículo de aprendizagem. Assim, as aulas de língua inglesa ou francesa concentram-se na prática das competências comunicativas. E, embora noções como adjetivo, metáfora ou texto narrativo sejam aplicadas, não constituem o centro das aprendizagens. Esse trabalho reserva-se para as aulas de língua materna ou nativa. No entanto, os materiais e mesmo o programa na matéria de língua galega são, na sua maioria, os mesmos que na de língua castelhana. Os livros escolares de lingua e lengua são quase idênticos em todo o país. É necessária esta redundância? Quanto tempo deixa de ser investido nas aulas de galego para melhorar a competência comunicativa?
No caso de matérias que devem ser ensinadas em galego encontramos um problema semelhante. Com exceção dos conteúdos específicos relacionados com a Galiza, os livros escolares de ciências naturais, ciências sociais ou música são traduções dos utilizados noutras comunidades autónomas.  De facto, as editoras costumam ser as mesmas. Não existe, portanto, qualquer provisão para uma abordagem metodológica diferenciada quando o galego não é a língua nativa dos alunos.

Com exceção dos conteúdos específicos relacionados com a Galiza, os livros escolares de ciências naturais, ciências sociais ou música são traduções dos utilizados noutras comunidades autónomas.  De facto, as editoras costumam ser as mesmas. Não existe, portanto, qualquer provisão para uma abordagem metodológica diferenciada quando o galego não é a língua nativa dos alunos e alunas.

Isto não acontece com o inglês. Quando esta língua é escolhida como língua de aprendizagem numa matéria, é feito um esforço para seguir a chamada metodologia AICLE (Aprendizagem integrada de conteúdos em línguas estrangeiras). Nestes casos, o professorado deve tentar dar apoio específico aos processos de aprendizagem do alunado já que são realizados numa língua não nativa. Evidentemente, os materiais utilizados também apresentam frequentemente uma série de particularidades neste sentido. Porém, nada disto está previsto quando o galego é a língua de instrução e os alunos não a têm como língua nativa e habitual. A isto devemos acrescentar o facto de que o próprio professorado, na sua maioria castelhano falante, apresenta amiúdo dificuldades para se comunicar corretamente em galego e, por cima, também não recebeu formação metodológica específica para ajudar a aprender neste contexto. O resultado disto tudo, embora raramente reconhecido abertamente, é sabido: em muitos casos, a língua de instrução nas matérias atribuídas ao galego acaba por ser o castelhano, se não todo o tempo, então na sua maior parte. E pode parecer um exagero extravagante que algumas famílias castelhano falantes cheguem ao extremo de adquirir a versão em castelhano dos livros escolares para estas matérias, mas também pode parecer lógico se temos em conta que em escolas e liceus as suas crianças não têm o apoio necessário para aprender em galego.
Finalmente, não gostaria de deixar de fora uma das áreas mais negligenciadas, na minha opinião: a educação pré-escolar. Como já foi denunciado, na fase da educação infantil, a grande maioria das escolas urbanas ensina quase exclusivamente em castelhano. O contacto com a língua galega é tangencial e basicamente limitado a atividades culturais num calendário escolar prefixado (natal, entruido, samaim…). Apesar de o galego ser uma das línguas em que as crianças terão de aprender boa parte do tempo no ensino primário, estas não são preparadas ativamente para isso durante a etapa pré-escolar. Contudo, isto não acontece com o inglês, que tem docentes, diretrizes metodológicas e tempos específicos para trabalhar competências comunicativas (melhor ou pior, isto é também outro debate). É urgente que esta situação mude, especialmente se quisermos que o ensino dual nas escolas primárias funcione, tal e como é aplicado agora, para as crianças que vêm de famílias castelhano falantes. Não é aceitável nem razoável que crianças castelhano falantes dos 3 aos 6 anos de idade aprendam o vocabulário de fruta, vestuário ou meios de transporte em inglês e que isto não seja feito em galego, pelo menos sob as mesmas condições.

Não é aceitável nem razoável que crianças castelhano falantes dos 3 aos 6 anos de idade aprendam o vocabulário de fruta, vestuário ou meios de transporte em inglês e que isto não seja feito em galego, pelo menos sob as mesmas condições.

Repensar a organização do professorado de acordo com as suas capacidades linguísticas, oferecer-lhe soluções metodológicas eficazes para ensinar galego e em galego mesmo na  faculdade, garantir uma formação contínua de qualidade nestes aspetos, permitir às escolas organizar o modelo plurilingue do jeito que melhor se adapte ao entorno imediato, comprometer-se com um ensino à distância acessível e eficaz… não são apenas ideias bizarras, mas medidas que são aplicadas com sucesso noutros países. A Catalunha e o Quebeque, com as suas luzes e sombras, são talvez os modelos mais conhecidos, mas existem outros. E possivelmente nem todas as medidas aqui referidas são adequadas ao contexto galego, muitas talvez precisem de ser adaptadas à nossa realidade, mas a verdade é que, apesar o mau aspeto que têm as estatísticas, quase não são apresentadas propostas para enfrentar o grave problema educativo que agora se coloca: o galego é já uma língua não nativa e cada vez menos presente para a maioria dos estudantes na Galiza.

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