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Diego Sande: “Nos dias de hoje a Galiza apresenta maior dependência do mercado nortenho que a Região do Norte da Galiza”

Entendendo a importância estratégica das ligações comerciais e económicas da Galiza com o Norte de Portugal, e as implicações e facilidades que a língua comum pode achegar neste âmbito, a AGAL lança um novo desafio: consultar vozes autorizadas que possam deitar luz sobre a importância do estudo de português como ferramenta para interações transfronteiriças.

Para isso, e com o apoio da Deputación da Corunha, hoje falamos com Diego Sande, professor de Economia Aplicada na Faculdade de Ciências Económicas e membro do IGADI.

As relações económicas com Portugal sempre foram um dos teus focos. Por que?

As relações galegas com Portugal têm uma raiz histórica profunda. A singularidade de termos partilhado parte do território, da cultura e da fala durante muito tempo faz com que exista uma relação muito particular entre os territórios e as gentes, especialmente com a Região do Norte. Porém, nos dias de hoje parece que o potencial das relações entre ambos os territórios não atingiu a sua plenitude, por diversos motivos políticos e estratégicos, entre outros.

Para além disto, uma relação forte com Portugal poderia facilitar a entrada e consolidação no resto de mercados lusófonos, o que suporia achegar-se a cerca de 300 milhões de consumidores. Entre estes países, principalmente o Brasil -com mais de 218 milhões de habitantes-, mas também Angola e Moçambique -com cerca de 30 milhões de habitantes e perspetivas demográficas de grande crescimento da população nas duas próximas décadas -, seriam mercados de grande interesse pela proximidade linguística.

Em que ponto/momento se encontram as relações económicas entre a Galiza e o Norte de Portugal?

As relações económicas entre a Galiza e Portugal têm um importante nível de consolidação. Na atualidade, a Galiza exporta mais de 3.200 milhões de euros anuais a Portugal, o que supõe aproximadamente uma sexta parte do conjunto das exportações do Estado espanhol ao país vizinho. As exportações centram-se sobretudo no setor do metal, animais vivos, têxtil, minerais, materiais de transporte, produtos de madeira e maquinaria. Embora os valores das exportações tenham duplicado em termos absolutos nos últimos vinte anos, o certo é que o peso das vendas a Portugal foi variando neste período, superando 18% em momentos prévios à Grande Recessão, enquanto agora estas exportações estariam mais diversificadas e o valor relativo situar-se-ia cerca de 13,5%.

Aliás, também compramos ao mercado luso diversos produtos, por valor aproximado de 2000 milhões de euros anuais. O tipo de produtos que compramos guarda bastante semelhança com as nossas vendas, adquirimos produtos do metal, materiais de transporte, animais vivos, materiais do têxtil, mas também materiais plásticos e outras mercancias, assim como produtos da madeira de alimentícios.

O dinamismo da economia galega ou da economia portuguesa entendem-se sem a outra parte?

Do meu ponto de vista, apesar da competência económica geral existente entre todos os territórios, existem umas fortes relações de complementaridade entre a Galiza e, especialmente, a Região do Norte. Uma prova disso é a similitude entre produtos exportados e importados, o que daria uma ideia de certa semelhança existente entre as especializações produtivas a um e a outro lado da raia. Esta similitude facilitaria a criação de sinergias e a colaboração para múltiplas tarefas, do desenvolvimento de projetos comuns até à cooperação na planificação e organização de recursos e infraestruturas ou incluso na comercialização.

O dinamismo da área económica galego-portuguesa é já anterior à União Europeia?

Embora seja certo que a União Europeia supus um fito no pulo às relações económicas inter-regionais, a Galiza e Portugal tiveram desde há muito tempo relações comerciais de certa entidade. Da invasão romana até ao Reino da Galiza e a Idade Média e séculos posteriores, estas relações foram por vezes pontuais, e por vezes com diferente intensidade, dependendo do momento histórico. Por exemplo, existem estudos que confirmam as relações comerciais marítimas e portuárias entre ambos os territórios já desde o século XVI, mas a intensidade destas dependia de aspetos como as relações monárquicas na altura, dos governos, das guerras, de maior presença da inquisição que expulsava a população… Mais conhecido é o caso recente do “contrabando”, que supunha uma relação informal de comercio em ambos os países que permitia a supervivência das classes sociais mais baixas em ambos os lados da raia durante a época das ditaduras. Apesar disto, a entrada na EU foi um feito chave que explica a intensidade de relações existentes na atualidade.

A Galiza e Portugal conformam um espaço geográfico estratégico no mundo atual (fachada atlântica)?

No mundo atual, as conhecidas como economias de aglomeração explicam a forma como se configura, e as vantagens que apresente, a acumulação de meios em territórios específicos. Por uma estratégica historicamente radial quanto à configuração política dos Estados, estas acumulações de meios e recursos costumam produzir-se em centros geográficos e capitais de estados. Esta aglomeração central da atividade económica acaba por produzir uma absorção de parte da atividade da periferia desde o centro. Esse efeito de absorção de atividade e de recursos produz-se no Estado espanhol desde Madrid, mas não é um fenómeno ibérico, senão global e acontece em lugares como París, Londres, Atenas, Buenos Aires, Pequim, etc. Neste sentido, parece conveniente que as regiões periféricas se associem e cooperem para atingirem objetivos de desenvolvimento comuns que possam de alguma maneira mitigar estas dinâmicas que se produzem no nível macroeconómico.

Esse efeito de absorção de atividade e de recursos produz-se no Estado espanhol desde Madrid, mas não é um fenómeno ibérico, senão global e acontece em lugares como París, Londres, Atenas, Buenos Aires, Pequim, etc. Neste sentido, parece conveniente que as regiões periféricas se associem e cooperem para atingirem objetivos de desenvolvimento comuns que possam de alguma maneira mitigar estas dinâmicas que se produzem no nível macroeconómico.

As relações económicas vão à frente das sociais, culturais ou institucionais?

Do ponto de vista formal as relações culturais e sociais remontam-se a tempos muito pretéritos, anteriores à recente intensificação das relações económicas entre a Galiza e Portugal. Porém, estas ligações históricas e culturais não conseguiram articular um corpo institucional que desse o suporte necessário para desenvolver a potencialidade económica –e a outros níveis- dos territórios em vista.

Não obstante, hoje, e do ponto de vista da economia, a importância da geração e distribuição da riqueza é tal que a atividade económica tem a capacidade de dar pulo e/ou modificar as relações sociais, culturais e institucionais. Neste sentido, a atividade económica poderia arrastrar desde o desenvolvimento económico, como, de facto, está a fazer, ao resto de relações.

Quanto a estas relações económicas entre vizinhos, há uma aspeto que cumpre pontualizar para compreendermos corretamente algumas dinâmicas atuais. Trata-se do feito de a Galiza apresentar, nos dias de hoje, maior dependência do mercado nortenho que a Região do Norte da Galiza. Esta questão condiciona também a forma como se vê a importância mutua nessa relação de vizinhança.

Qual o papel das eurocidades a tentar integrar todas as vias de integração?

As Eurocidades nascem como acordos entre municípios próximos, vinculados historicamente, mas pertencentes a distintos Estados da UE. Estas estão baseadas no princípio de partilhar recursos e sinergias para a promoção conjunta. O seu objetivo no longo prazo consistiria, pois, em se converterem numa única cidade com um só governo.

Atualmente existem no Estado espanhol seis eurocidades: Bayona-San Sebastián na fronteira com França; e Badajoz-Elvas, Guadiana, Chaves-Verim, Salvaterra-Monção e Tui-Valença na raia lusa. Embora a existência de todas elas seja uma amostra evidente dos esforços realizados no âmbito da cooperação transfronteiriça, destaca-se sem dúvida o caso galego-português com três eurocidades. Esta última realidade permite visibilizar, de alguma forma, a importância e intensidade das relações entre ambos os territórios.

Atualmente existem no Estado espanhol seis eurocidades: Bayona-San Sebastián na fronteira com França; e Badajoz-Elvas, Guadiana, Chaves-Verim, Salvaterra-Monção e Tui-Valença na raia lusa.

A Eurocidade Chaves-Verim exerce a sua influência em mais de 100.000 habitantes, se tivermos em conta os territórios do Alto Tâmega e de Monterrei-Verim. Ambas as cidades acordaram colaborar nos campos da cultura, o desporte, a educação e o entretimento. A Eurocidade Tui-Valença foi a segunda em ser constituída, e a sua união considerou-se como uma oportunidade económica, comercial, empresarial, tecnológica, turística e académica. O terceiro e último caso que surge na Galiza é o da Eurocidade Salvaterra-Monção. Nesta união destaca-se a proximidade dos mais de 20000 metros quadrados do Pólo Industrial da Lagoa, que estimula o trânsito de mercadorias, a prestação de serviços e o fluxo de trabalhadores galegos para território luso, que junto com a viticultura, supõe parte dinamizadora fundamental da Eurocidade.

Os vínculos culturais e históricos são importantes para fortalecer os laços económicos? E vice-versa?

A distância cultural não é um tema destacado nos debates económicos. Frente à frequente ideia de comércio global, a realidade das relações económicas é que estas costumam produzir-se fundamentalmente através de blocos regionais – ou agrupações de países que têm caraterísticas comuns a nível geográfico, histórico, cultural, social, etc. – e especialmente a nível inter-regional. Desta ideia surgem construções históricas como a União Europeia, mas também outros blocos regionais como NAFTA, ASEAN, MERCOSUR, ALBA, etc. Neste sentido, os vínculos culturais e históricos som um fator chave, já que – de forma geral – a menor distância cultural entre países, menor quantidade de barreiras comerciais que será preciso derrubar.

A reintegração linguística tem um papel entre as outras integrações todas que parecem querer avançar?

Tal como comentava antes, o mercado lusófono achega-se a um total aproximado de trezentos milhões de consumidores. Nos dias de Hoje a Galiza dispõe de umas relações consolidadas com o vizinho português, mas estas relações ainda estão por desenvolver no resto de países. Neste sentido, a vantagem linguística e cultural é evidente a respeito doutros territórios. Por tanto, num contexto de voraz competição cumpre tirar proveito das vantagens.

Aliás, desde a última assembleia feita em Luanda (Angola) em outubro de 2021, o estado espanhol faz parte da Comunidade de Países de Língua Portuguesa como observador associado. Nesta relação, sem dúvida, a Galiza há de ter um peso preponderante, e talvez, com posições políticas próprias.

Aliás, desde a última assembleia feita em Luanda (Angola) em outubro de 2021, o estado espanhol faz parte da Comunidade de Países de Língua Portuguesa como observador associado. Nesta relação, sem dúvida, a Galiza há de ter um peso preponderante, e talvez, com posições políticas próprias.

Uma maior presença do português no ensino poderia ser um incentivo ao um maior fluxo económico entre a Galiza e Portugal?

Sim, não há dúvida nenhuma. Nos dias de hoje ainda persistem alguns mitos sobre a aprendizagem do português, como que o português e o espanhol são quase iguais, que brasileiros e portugueses não se entendem, ou que o português se fala diferente de como se escreve, entre outros. A maior presença do português no ensino permitiria rachar com estes mitos, o que reduziria as barreiras de mobilidade e, como consequência, erodiria também as possíveis barreiras existentes que dificultam a promoção da atividade económica entre territórios.

Instituições como o Eixo Atlântico ou a Comunidade de Trabalho Galiza-Norte de Portugal deviam ser revalorizadas? Deviam possuir mais funções e competências?

Evidentemente, no processo de construção de relações entre a Galiza e Portugal, intervêm múltiplos agentes, do nomeado Eixo Atlântico e a Comunidade de Trabalho Galiza-Norte de Portugal, a outros como a Agrupação Europeia de Cooperação Territorial Galiza-Norte de Portugal (AECT-GNP), cuja constituição em 2008 supus o ponto de arranque da Eurorregião. Além disso, tem-se o apoio institucional da Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional da Região do Norte e da própria Junta da Galiza, entre outras. Para tecer uma Eurorregião mais forte é desejável que o alcance de todas estas instituições possa ser maior, o que poderia implicar a ampliação de algumas funções. Contudo, incluso antes disso, seria desejável que se pudessem desenvolver em maior medida as funções e competências existentes, o que implicaria maiores dotações orçamentarias.

Portugal apostou na Alta Velocidade para a faixa atlântica e na Galiza essa música soa bem a todos os atores políticos e económicos. Caminhamos para uma megacidade Lisboa-Ferrol?

Bem, é difícil predizer o que pode acontecer no futuro, mas há três aspetos chave no apoio à construção da Alta Velocidade no Eixo Atlântico. Por um lado, o governo em Lisboa é consciente que a vertebração no Atlântico é um aspeto estratégico para a sua economia, ainda por cima da união Madrid-Lisboa. Consciente da centralidade ibérica de Madrid e da capacidade de absorção da atividade económica por parte da capital madrilena, Lisboa decidiu apostar pelo desenvolvimento da faixa Atlântica. Por outro lado, esta aposta atlântica não é uma novidade na península, senão uma dívida histórica, uma vez que há várias décadas que o estado espanhol apostou pelo desenvolvimento de infraestruturas do corredor mediterrâneo. Por último, é importante o facto da capacidade de vertebrar e reforçar a conexão de portos marítimos com outras vias de comunicação, tais como as conhecidas como autoestradas do mar e o corredor atlântico.

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