Denuncia do equilibrio

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Xela Arias no IES de Chapela em 2001.
Xela Arias no IES de Chapela em 2001.

Xela Arias, poeta feminista, caleidoscópica e lisgaira, será a autora homenageada no vindouro Dia das Letras. Excelente escolha, sem dúvida, pola sua intensa obra, transgressora e libertária, e pola sua capacidade infinita para motivar e inspirar a mocidade.

Muitas mulheres coma ela fam falha neste país para fazerem umha limpeza pirolítica na nossa Intelligentsia cultural. E já que estamos a falar de Xela, façamos próprios os seus clarividentes versos e tenhamos afouteza para realizarmos umha Denúncia do equilíbrio.

Porque, um momento, nom esquecemos algumha cousa? As ‘autoridades’ nom têm dó deste ano Carvalho no meio da pandemia, e da falta de debate sereno sobre alguns assuntos? A Real Academia Galega (RAG) conhecida sintomática e popularmente polo nosso estudantado como /ráx/ com esse som final que se assemelha tanto ao jota castelhano (e nom com a pronúncia mais espontânea para umha pessoa galegofalante, raga ou rague) nom achava que era este o ano para reformularmos a estratégia? Como é possível que, de viver Carvalho nestes últimos dias de 2020, nom desse encontrado nos dicionários académicos a palavra que define o movimento de que foi pioneiro e ideólogo e ao que se dedicou em corpo e alma nos seus últimos anos de vida???

Procurem ‘reintegracionismo’ nesse dicionário da RAG (canónico no ensino) e vam comprovar que nom existe essa entrada (sim no Estraviz, no Porto Editora ou no Priberam); tentem ademais encontrar ‘lusofonia’ (acaso nom é importante para nós, galegas e galegos?) ou ‘lusófona/o’, sinónimos de abertura, de internacionalismo, de uniom da nossa cultura com os quatro quantos do mundo: NADA. Nom som consideradas relevantes avondo para serem incluídas.

Procurem ‘reintegracionismo’ no dicionário da RAG (canónico no ensino) e vam comprovar que nom existe essa entrada (sim no Estraviz, no Porto Editora ou no Priberam); tentem ademais encontrar ‘lusofonia’ (acaso nom é importante para nós, galegas e galegos?) ou ‘lusófona/o’, sinónimos de abertura, de internacionalismo, de uniom da nossa cultura com os quatro quantos do mundo: NADA.

O reintegracionismo é um dos movimentos culturais mais comprometidos e que representa o activismo mais vangardista e plural para procurarmos o futuro sonhado da nossa língua. Sabem as gentes da RAG que na cidade onde moro, e onde Xela passou a maior parte da sua vida, existe umha banda chamada Os putos, com letras em reintegrado? Que a editora de electrónica Língua Nativa está na vanguarda da língua e da música? que a transgresión d’A Rabela também se expressa nesta opçom linguística?

Captura do video de Boyanka Kostova, Muinheira de interior, em que fusionam trap e muinheira.
Captura do video de Boyanka Kostova, Muinheira de interior, em que fusionam trap e muinheira.

Têm conhecimento de que há grupos galegos que se chamam Sexta feira ou Bifannah? Repararom talvez em que bandas como Boyanka Kostova ou Terbutalina intitulan alguns dos seus temas ‘muinheira de interior’ ou ‘muinheira da costa’, ambas com o libertador dígrafo NH, em vez de com a supremacista letra Ñ, utilizada mesmo por rancias associaçons em campanhas galegófobas? Chegou aos seus ouvidos que umha das bandas de moda, Verto, que arrasa a cantar em galego, diz num dos seus ‘temaços’ mais conhecidos, Amolecer, que quer ‘ir embora’?

Conhecem a blogueiras como Olaxonmario ou Prado Rua (youtubeira do ano 2020) que se declaram aberta e orgulhosamente simpatizantes da opçom reintegrata? Souberom de Sabê-la Ramil, finalista de um dos concursos mais vistos da TVE estatal, que arrasa nas redes sociais adolescentes? Sabem que cantou na final em galego reintegrado para pasmo de próprios e alheios? De verdade podemos ocultar e renunciar a toda esta força e alegria, a todo este porvir tam encorajante?

Podemos continuar a ignorar que existem variedades linguísticas tam próximas ao nosso galego, o conservado polos nossos predecessores, os nossas mais, pais, avós, avôs? Ignorar que através dele podemos ler na nossa língua as legendas das séries mais procuradas nas principais plataformas, bourar no último videojogo, ter acesso a software livre e a um imenso catálogo de obras literárias, com todos os clássicos da literatura universal, os ensaios mais contemporâneos sobre arte, dança, agricultura, informática, medicina?

Nesta altura de obrigado decrescimento e de inesperado vagar para refletir, algumhas perguntas sobre o modo que temos de nos espellarmos como sociedade num modelo de língua partilhado continuam a pairar sem resposta: Por que esprinte e disfarce e nom clube e blogue? (Somos do clube da galega!); por que xamán e nom xerife? por que boroa (broa) e nom polegar ou sanduíche? Causa verdadeiro estupor a incoerência na norma e que esta vá tantas vezes contra a mais elementar fonética tradicional, enxebre e genuína. Nem falemos do léxico: declaro-me insubmiso para corrigir crianças paleo-falantes, nas suas intervençons orais e escritas, ao utilizarem palavras nom normativas/estándar: ciúme(s), voltar, preto (como sinónimo de negro), perto (próximo), saraiva, ruivo, bolacha, bochecha, joelho… formas vivas (ainda!) e coincidentes com as utilizadas por mais de 300 milhons de pessoas polo mundo adiante.

Causa verdadeiro estupor a incoerência na norma e que esta vá tantas vezes contra a mais elementar fonética tradicional, enxebre e genuína. Nem falemos do léxico: declaro-me insubmiso para corrigir crianças paleo-falantes, nas suas intervençons orais e escritas, ao utilizarem palavras nom normativas/estándar: ciúme(s), voltar, preto (como sinónimo de negro), perto (próximo), saraiva, ruivo, bolacha, bochecha, joelho… formas vivas (ainda!) e coincidentes com as utilizadas por mais de 300 milhons de pessoas polo mundo adiante.

Na escrita e fala actuais das pessoas galego-falantes mais comprometidas e conscientes, mesmo com diversas e contrapostas visões sobre o modelo de língua, vemos e ouvimos palavras como: roteiro, crianza/criança (palavra bem linda e inclusiva), colante, cartaz, crachá, lilás… mesmo o demonizado ‘obrigado’, que aparece (também com a variante autóctone ‘obLigado’) em múltiplos e variados dicionários galegos com o significado de ‘agradecida/o, reconhecida/o etc’: desde o precursor Vocabulario gallego-castellano, de Juan Manuel Pintos Villar (1865), passando pelo de Marcial Valladares Núñez (1884), Eladio Rodríguez González (1958-1961), X. L. Franco Grande (1972), ou mesmo o publicado por Xerais, curiosamente (!) até a sua ediçom de 2003. Porém, infeliz e incompreensivelmente, nenhuma destas retóricas é ‘normativa’.

O que em qualquer outra língua do mundo som vocábulos coloridos, bem-vindos como diversos e multiculturais, que abraçam outras variedades e formas de entender(mos) a sociedade (novos sotaques a descobrir e reivindicar para acrecentarmos o nosso acervo pessoal e colectivo) no galego ‘oficial’ som banidos, interditos, proibidos.

A gente nova com a que tratamos diariamente o professorado de galego nom tem toda essa carga de preconceitos da nossa geraçom, nem as fílias/fobias que empeçonham o necessário debate normativo pois, para além das potencialidades que vejam num possível modelo de língua, possuem uma visom ampla, abrangente, internacionalista e contemporânea da sua/nossa cultura. As línguas aprendem-se por imersom, isso sabemo-lo bem todas as pessoas que dedicamos, em maior ou menor medida, as nossas vidas à docência. A rapaziada quer um galego vivo e criativo, nom umha peça de museu; quer deitar fora de vez o auto-ódio, os complexos, o que dirám, o talvez, o depende. Nom têm de pedir permissom a ninguém para afirmar que a sua é umha língua extensa e útil, que é internacional. Têm orgulho avondo! No entanto, a norma oficial parece-se mais a um tribunal da santa inquisición que a umha ferramenta útil, atual e (pró)activa. Estám-nos a levar a umha ruela sem saída (pois nom, também nom aparece a galeguísima ‘ruela’ em certos dicionários!)

Nom podemos ensinar galego a pessoas que o vêem como um idioma folclórico, subalterno, de segunda… quando nom directamente inexistente, morto de morte morrida e guardado sob sete chaves na gabeta áurea das e dos censores da política (sic) linguística. Deixem-nos sonhar com a república galega das letras e nom com a monarquia da ‘real’ academia.

Nom podemos ensinar galego a pessoas que o vêem como um idioma folclórico, subalterno, de segunda… quando nom directamente inexistente, morto de morte morrida e guardado sob sete chaves na gabeta áurea das e dos censores da política (sic) linguística. Deixem-nos sonhar com a república galega das letras e nom com a monarquia da ‘real’ academia.

Temos optimismo e muito a favor, ainda, para corrigir o rumo e incitar as novas geraçons com um projecto ilusionante. Milhares de raparigas e rapazes que, como ficou dito anteriormente, estám a plantar hoje nas nossas aldeias, vilas e cidades a semente de um futuro verdadeiramente mais aberto e empolgante. O melhor é que o podemos fazer entre todas, conectando aliás a defesa do galego com todas essas causas também urgentes e importantes, necessárias e imprescindíveis: o feminismo, o movimento LGBTI, o ecologismo, o respeito polas minorias, o internacionalismo, a solidariedade com as oprimidas…

A sério que terminará o ano Carvalho e nem umha só proposta de futuro? A sério que continuaremos a procurar reintegracionismo nos dicionários normativos e sairá a mensagem “palabra non atopada”?

Respeitemos-nos, reconheçamos-nos, construamos juntas o futuro, pois como escreveu Xela: “A unidade componse./ Da desorde./ Desordénome, amor,/ e dou co punto/ único/ do centro dos abrazos”. Desordenemo-nos para encontrarmos esse centro dos abraços e essa esperança para o galego de que a rapaziada está apenas à espera de um sinal. Nom tenhamos medo!

A unidade componse. Da desorde.
Desordénome, amor, e dou co punto
único
do centro dos abrazos.
Abrazo a desorde das ideas e sei
que a unidade se compón. A unidade componse.
Da desorde.
Xela Arias, Intempériome.