Por José Manuel Outeiro
Parece ter calhado nos sectores sociais mais comprometidos coa normalizaçom lingüística, umha vez derrotado nas urnas o governo bipartido e instaurado um novo executivo que já prometia, quando os seus representantes estavam na oposiçom, as medidas claramente galegofóbicas que agora está a desenvolver, a consciência de que nos encontramos num novo contexto que demanda portanto novas estratégias e maior uniom de esforços. Mostra disto som a massiva mobilizaçom do Dia das Letras deste ano, os numerosos e variados apoios conseguidos polos diversos manifestos publicados nas últimas semanas e os esforços realizados desde diversos ámbitos, e ainda em marcha, para reforçar o movimento de normalizaçom.
Com certeza, a contestaçom social dos ataques do governo Feijóo à normalizaçom determinará o maior ou menor ritmo do seu programa de marginalizaçom lingüística no futuro a curto e meio prazo, e esta circunstáncia deverá ser atendida nas iniciativas dos próximos meses, mas também é conveniente analisar tanto os erros do passado como a formulaçom das estratégias susceptíveis de maior êxito para o futuro.
Para poder reconhecer possíveis erros cometidos, embora fosse somente na forma das possibilidades inexploradas (quer dizer, nom tanto por erros de acçom como por erros de omissom), precisamos dumha disposiçom favorável ao debate, e umha atitude aberta à possível reformulaçom das estratégias desenvolvidas nas últimas décadas polas organizações de normalizaçom lingüística, na procura de soluções mais efectivas.
Agora que por primeira vez desde o governo galego é amparado e encorajado o discurso supremacista castelhano que no passado se dirigia inclusive contra a imobilista política lingüística do governo Fraga, será útil reflexionar sobre como terá sido possível que em quase 30 anos de políticas lingüísticas, nos que Galiza contou com um sistema autonómico que desenvolveu medidas claramente favoráveis à normalizaçom -por mui insuficientes que nos pareçam-, com representantes políticos próprios obrigados ao cumprimento dessas medidas, com um suposto consenso político favorável à promoçom do galego, por muito que o matizemos coa falta de vontade de levá-la a cabo, e existindo inegavelmente um certo grau de debate social em torno à língua (também em termos consensualmente favoráveis à sua promoçom) durante as últimas décadas, estejamos agora na péssima situaçom em que nos encontramos, enfrentando o revivalismo no debate público dos preconceitos lingüísticos como provavelmente nom acontecia desde que o galego alcançou o status de língua oficial.
Qualquer colectivo ou comunidade discriminada consideraria, nos piores momentos, um ambiente favorável às suas reivindicações o contexto em que nos movíamos até hai pouco e do que nom soubemos tirar proveito. E de facto, outros movimentos cívicos soubérom nom só consolidar qualquer iniciativa favorável, como também avançar ao seguinte passo, evitando a estagnaçom ou retrocessos.
Resultaria impensável que a legislaçom que proibiu a segregaçom racial nos EUA na década de 60 tivesse conduzido em décadas posteriores ao debate sobre a sua recuperaçom, ou que, após as primeiras iniciativas que homologavam no estado espanhol os direitos das parelhas homossexuais e heterossexuais, coa implementaçom na década de 90 de registros municipais de parelhas de feito, o resultado actual fosse, em vez do que é, um debate público que perseguisse eliminar ou deixar sem efeitos aqueles direitos conquistados. Nom faltam, com certeza, indivíduos e grupos dispostos a defender tais retrocessos, mas as pessoas que assi pensam nom contam co apoio maioritário da sociedade e nom lhes é fácil espalhar ou exprimir abertamente o seu reaccionário pensamento, pois acompanhárom a evoluçom social que levou a maioria das pessoas a mudar a visom que tenhem daquilo daquilo de que antes participavam (a discriminaçom e subordinaçom social, seja racial, por orientaçom sexual ou de género) e que agora, em termos gerais, rejeitam.

Por que razom entom nom só nom é impensável, senom que está a acontecer agora mesmo um debate centrado nas demandas de involuçom no que di respeito à posiçom social da língua própria de Galiza e ao seu reconhecimento como tal?
Se isto é possível, e vemos o governo presidido por Alberto Núñez Feijóo traçando o roteiro para eliminar ou deixar praticamente sem efeitos a subalterna cooficialidade que agora reconhece a nossa língua, é porque trinta anos depois das primeiras medidas favoráveis ao galego, o preconceito lingüístico que impede a normalizaçom continua vigente para a maior parte da sociedade galega. Se a Conselharia de Educaçom pode pôr em marcha o inquérito sobre o uso do galego no ensino, sem que isto lhe suponha um custe político considerável, é pola força social do preconceito que considera umha relaçom hierárquica entre o galego e o castelhano, em que a língua própria ocupa “naturalmente” um lugar subordinado à de Castela, aceite como superior.
Nas últimas décadas, todo o debate em torno à língua própria, à promoçom do galego, à sua introduçom no ensino, na administraçom ou nos meios públicos de comunicaçom, e todas as medidas favoráveis ao galego, inegáveis por insuficientes ou deficientes que as julguemos, nom conseguírom combater o preconceito lingüístico galegofóbico, senom que fôrom compatíveis coa sua manutençom. Subsistiu um fortíssimo preconceito social que considera a língua própria prescindível e que admite sem conflito a sua persistente subordinaçom e com freqüência mesmo a sua total exclusom social, em vez de consolidar-se a consciência lingüística e aumentar a demanda social em torno à normalizaçom, quer dizer, a demanda de políticas correctoras dessa subordinaçom ou exclusom. Somente reconhecendo a força e dimensom desse preconceito lingüístico pode explicar-se que medidas favoráveis à língua antes citadas coincidam no tempo coa transmissom do castelhano às novas gerações por gerações adultas que mal dominavam essa língua e com umha intensidade como nunca se dera na nossa história.
Mas também cumpre reconhecer que nom conseguírom erradicar tal preconceito todos os diversos activismos e todos os compromissos normalizadores dos últimos anos. Se esses activismos carecêrom de apoio político, ou mesmo tivérom que enfrentar a oposiçom do poder, nom é menos certo que isso aconteceu também com muitas outras luitas contra outros preconceitos sociais melhor sucedidas que a nossa.
Resulta surpreendente que em todo este tempo nom se produzissem, no contexto da normalizaçom lingüística, e tanto no ámbito estatal como no nacional, campanhas de conscienciaçom similares, tanto na forma como na sua influência social, às que som desenvolvidas para combater outros preconceitos, ou para amparar os direitos de outros colectivos discriminados.

Desde esta perspectiva, é significativo que nem sequer esteja amplamente introduzido na sociedade um termo que designe a pessoa que espalha socialmente o preconceito contra o galego, ou que se comporta conforme a el, com equivalente carga moral e de forma análoga a como se fôrom introduzindo termos como machista, racista, xenófobo/a ou homófobo/a.
Cumpre reparar que outros preconceitos bem detectados, e apropriada e eficazmente denunciados e combatidos socialmente, som denominados com termos assumíveis por qualquer pessoa, independentemente da sua condiçom social, económica, cultural ou ideológica, sendo só inaceitáveis para quem assumir o preconceito. Nom cabe dúvida que isto facilitou o espalhamento dos discursos assi construídos polos movimentos cívicos contrários a essas discriminações sociais. Nem rejeitar o racismo (supremacismo branco) é rejeitar as pessoas brancas, nem combater o machismo (supremacismo masculino) e a misogínia é combater os varões. Desenvolver um discurso similar contrário à subordinaçom e discriminaçom da língua própria do povo galego e à supremacia do castelhano estabelecida pola legislaçom vigente é claramente possível, mas continua em grande parte pendente entre nós, apesar de terem passado já mais de quinze anos desde a elaboraçom, com participaçom internacional, dumha proposta de formulaçom universal dos direitos lingüísticos.
Vale a pena lembrar também que embora existissem algumhas versões dogmáticas da luita contra alguns dos preconceitos e discriminações citados, que pretendiam protelar o avanço dessas luitas à consecuçom de outros fins considerados como prioritários, como pudo ser a derrocada do capitalismo para o feminismo dos anos 70, estas desenrolárom dinámicas autónomas, avançando à margem desses dogmas ideológicos, e ganhando apoios crescentes, que levavam à pressom social por mudanças políticas, de maneira que acabárom por influir os partidos políticos e os seus programas, as legislações vigentes, e talvez mesmo a própria evoluçom do sistema mundial moderno, alguns de cujos estudiosos consideram a democratizaçom crescente derivada destes movimentos cívicos um dos factores determinantes da sua crise actual.
Conclui-se do exposto a necessidade de construir tanto o movimento como o discurso de normalizaçom lingüística com total independência partidária, de forma que poda ser assumido por qualquer pessoa contrária à discriminaçom ou subordinaçom do galego, independentemente da sua ideologia, o qual nom impede a contestaçom firme de qualquer partido ou representante político que ponha obstáculos ao processo de normalizaçom lingüística. Encarariam-se assi os reptos, potencial transformador e benefícios sociais da conformaçom dum movimento normalizador realmente plural, que mesmo que apartidário, quanto maior apoio social obtiver, mais influiria no debate da política lingüística e nas posições dos diversos partidos.
Agora mesmo está em jogo a perda ou recuperaçom do discurso social favorável à promoçom do galego, o qual nom é determinante, mas em todo o caso é inegável que seria positivo contar novamente com esse factor para podermos avançar de forma mais efectiva do que até agora. O mais provável é que os mesmos que estám a retroceder no pouco que se tinha avançado na presença pública do galego como língua das galegas e galegos, tentem depois recuperar cinicamente esse consenso em torno à promoçom da nossa língua numha versom devaluada, umha vez que qualquer medida real de promoçom poderá ser facilmente bloqueada aludindo a umha absurda “imposiçom do galego” (expressom, a propósito, que nem o movimento normalizador parece considerar absurda, nem contestar como tal). Portanto, se o presidente Feijóo, depois que dê por suficientemente avançado o seu programa galegofóbico, chegar a fazer um apelo a todo o arco parlamentar e à sociedade para retomar o consenso em prol da língua (ou o “consenso lingüístico”, ladaínha reiterada quando estavam na oposiçom e esquecida agora que governam), teremos umha ocasiom, que nom deverá ser desaproveitada, para contestar e denunciar os actuais ataques à identidade lingüística e cultural galega e o seu preconceituoso discurso actual.
Mas, independentemente de que se recupere ou nom um discurso público a favor da promoçom da língua (a qual efectivamente pouco se deu), e independentemente de como isto venha a acontecer, devemos tirar as oportunas lições do erro que supujo, nos últimos 30 anos, a falta dum combate efectivo ao preconceito contra a normalizaçom lingüística e contra o reconhecimento do galego como língua própria da Galiza, de forma que tal preconceito fosse extirpado da maioria social do país.
Caberiam ainda mais reflexões oportunas a respeito da adopçom, polo movimento de normalizaçom lingüística, das estratégias de outros movimentos cívicos melhor sucedidos, convenientemente adaptadas à natureza essencialmente colectiva da realidade lingüística e portanto da formulaçom dos correspondentes direitos. Mas, em qualquer caso, para que as dinámicas dos próximos meses dem resposta a alguns destes desafios, seria positivo que termos como galegofóbico/a, galegofobia e expressões como supremacismo castelhano ou outros similares, que podam descrever e denunciar eficazmente, perante toda a sociedade, o preconceito lingüístico, e que podam ser assumidos por defensores do galego de qualquer posiçom social ou ideologia política, ganhem presença social e substituam, no movimento de normalizaçom lingüística, outros termos com orientaçom político-partidária determinada.
E, seja como for, a nossa experiência passada e a de outros movimentos cívicos ensina-nos que nom será possível avançar num processo de normalizaçom lingüística real se nom conseguimos centrar o debate em torno à língua na teimosa e incansável denúncia do preconceito social contra o galego, das suas múltiplas manifestações, e das contínuas discriminações que ampara e que ainda nom som vistas como tais.
