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Christian da Silva: “Para os brasileiros a Galiza é um elo perdido que acabamos de descobrir”

O Mundo Fala Galego é o título dum muito ativo grupo internacional de intercomunicação instantânea através dos tele-móveis. Como reconhecimento a essa magnífica iniciativa, decidimos publicar periodicamente no PGL uma série de entrevistas a essas pessoas que participam no grupo.

Esta nova versão d’O Mundo Fala Galego terá, pois, a mesma meta: fortalecer a comunicação entre os diferentes povos unidos por este nosso idioma comum.

Tanto a ideia da publicação da série como a escolha de protagonistas é responsabilidade do brasileiro Christian da Silva Salles e do galego Bernardo Penabade. É por isso que ambos conversam na primeira entrevista.

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christian-da-silvaChristian da Silva Salles (Brasília; 1972) formou-se em Administração de Empresas e Administração Pública pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, a mesma em que complementou formação em História.

No momento trabalha no Departamento de Trânsito do Rio de Janeiro. Com ele falamos de como conheceu a existência da Galiza, das origens do idioma e das razões que o levaram a participar no movimento social de aproximação.

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Diga-nos, Christian: quando e como tomou conhecimento da existência da Galiza?

Tenho breves recordações do nome “Galiza” no ano de 2000 quando fazia um curso. Uma aluna disse na época que o pai era galego (da Galiza) e ela dizia que era metade celta. Mas eu não conhecia bem as diversidades línguisticas do Estado Espanhol. Aqui no Brasil sabiamos que no País Basco e na Catalunha existiam línguas próprias.

O tema sobre a Galiza só voltaria por volta de 2015 quando fiz uma disciplina no curso de História que abordava os reinos ibéricos e as suas transformações posteriores

Foi nessa altura que tomou consciência de que na Galiza está o berço do nosso idioma?

A leitura da história obrigou-me a pesquisar artigos sobre as regiões da Espanha. Encontrei textos que falam justamente da Galiza porém com uma escrita exótica, semelhante ao castelhano. Fiquei curioso, pois achava que se tratava de um novo idioma minoritário esquecido em algum canto da Europa.

Quanto mais pesquisava mais informações surgiam, até que deparei com texto escritos do mesmo modo que escrevo e com dicas sobre “reintegracionismo”. No começo pensava que eram movimentos separatistas voltados a uma anexação ao Estado Português. Depois fui percebendo que se tratava de uma afirmação sócio-cultural e linguística de um mesmo povo separado por fronteiras e acontecimentos históricos. Assim descobri que falavam a mesma língua, cada qual com seus sotaques.

Depois da descoberta da identidade linguística, começou a participar ativamente na sequência da aproximação dos nossos povos. Em que iniciativas se envolveu?

Na época comecei a pensar na possibilidade de defender uma monografia que abordasse esse fenômeno linguístico dentro de um contexto historiográfico até os dias atuais, ou algo relacionado as imigrações galegas no Brasil. Entretanto já existiam publicações sobre isso, então percebi que outros brasileiros já conheciam a Galiza.

Isso levou-me a curiosidade de querer ouvir as falas dessa gente. Comecei a buscar nas redes sociais temas voltados ao público galego-português no âmbito social, histórico, econômico e político. E a cada lugar que participava fiz minhas intromissões e comecei a perguntar o que se passava, quem eram os galegos, como são os seus costumes, etc.

Eu já gostava de escutar rock de Portugal, o que só dá para fazer pelo youtube, pois nada de Portugal toca nas nossas rádios. E em poucos seguntos estava escutando a banda Ruge-Ruge. Foi a primeira vez que escutei o sotaque galego. De lá fui experimentando outros sons e buscando as letras para melhorar a compreensão.

A audição do rock galego motivou ainda mais descobertas. Diga-nos como foram criados os grupos Porto-Galaicofonia e o Mundo Fala Galego?

O Grupo Porto-Galaicofonia era originalmente “Lusofonia Agora”, que já existia. A nossa amiga brasileira Nilce, que vive no Porto, deu-me a liberdade para ajudar na administração do grupo. Pensamos numa nomenclatura que universalizasse dois mundo separados por barreiras históricas e políticas, mas que simbolizem o mesmo idioma sem favoritismos.

Mas sejamos justos, não somos criadores das notícias. Tudo está interligado pela rede, e buscamos as publicações relacionadas ao grupo, dando liberdade para que outros façam suas intervenções. Mas achava que poderíamos ter um grupo mais informal, com conversas em áudio e em tempo real. O WhatsApp é uma ferramenta eletrônica de conversação em redes que proporciona isso. Fiz isso com a ajuda dos amigos que também se interessavam em manter esse contato. Para os brasileiros a Galiza é um elo perdido que acabamos de descobrir dum silenciamento proposital dos livros de história e das notícias.

O nome atual do grupo foi proposto por um jovem brasileiro, que se chama Eros, apreciador do sotaque galego. O grupo é bem dinâmico e muita gente não suporta o volume dos dados. Mas mantenho o contato com eles pois as portas estão sempre abertas.

Quantas pessoas estão envolvidas no grupo O Mundo Fala Galego?

No momento somos 110 pessoas.

Qual é a cobertura geográfica do grupo?

Galiza, Portugal, Brasil, Guiné Bissau e Moçambique. Contamos também com pessoas que vivem em outras regiões da Espanha como Astúrias e Leão. Galegos e Portugueses que vivem no exterior, e alguns latino americanos que têm interesse no nosso idioma.

O bonito é ouvir a mistura dos nossos sotaques.

A existência do grupo facilita estar mais e melhor informado a respeito da “Questão Galega”?

Sim. Os amigos galegos são nossos orientadores. Explicam com muita paciência os significados de algumas palavras, os costumes, as músicas, as tradições, sítios e pontos de interesse culturais, gastronomia, históricos e turismo, os eventos atuais, os problemas do dia-a-dia, as vantagens de uma escrita internacional, os pensadores e críticos da causa galega, contextos político-históricos. São nossos professores. Nenhuma aula na Universidade traria tamanha variedade informativa.

A troca de informações é impressionante. O interesse pessoal que temos em divulgar gratuitamente a Galiza ao mundo “lusófono”, sobretudo por todos os motivos históricos e políticos de que vocês já sabem cresce a cada dia.

Quais são as suas preferências: a literatura, a música, a sociolinguística, a política, a aproximação económica?

Aprecio o mundo do rock. Na ultima década tenho buscado algo fora do mundo “anglo-saxão”. Optei em ouvir o som hispano-americano e brasileiro. Nos últimos 2 anos basicamente rock galego e português. Sonho um dia que as nossas rádios exibissem algo assim.

Aprecio livros de história. Recentemente aos contextos do Golpe de 2016 que passou o Brasil. Recomendo o livro “A Elite do Atraso” de Jessé Souza. No mais, por enquanto, tenho que ler livros técnicos da área jurídica por conta do mercado de trabalho no serviço público.

Embora não seja por livros… agora acompanha mais a criação cultural galega.

As músicas galegas que ouço são diversificadas e de vários ritmos e géneros. Alguns grupos nem existem mais. Estou a falar de Keltoi, Skacha, No Surrender, Os Putos, NAO, Raiva, Os Arrythmia, Xenreira, Ruge-Ruge, Skárnio, Tiro na Testa, Zenzar, A Banda do Poi, Marxe Eskerda, ITH, Esquios, Bardo Dc, Som do Galpão, Skarmento, Dios ke te crew… E também Luar na Lubre, Caxade, Guadi, Brais Morán, Xiao Berlai, Uxia, Fujam os Ventos, A Quenlha…e muita coisa que não lembro o nome agora.

O Xoán Curiel e a Íris Gey, por exemplo?

Sim. Esquecia o Xoán Curiel. É claro que conheço as suas músicas. Ele é um namorado do Brasil.

Impressionante!

Do ensaio conheço Sarmiento, Pe. Feijó, Murguia, Vilar Ponte, Vicente Biqueira, Castelão, Ricardo Carvalho Calero… Da poesia tenho lido Rosalia, Pondal e Álvaro Cunqueiro.

Todos os nomes e ícones eu só conheço por textos e publicações nas rede onde seus trabalhos são citados como referências de estudos, mas também leio ou escuto autores atuais que por certo dão continuidade e suas contribuições no contexto das últimas décadas.

Não há livros desses escritores e estudiosos aqui. O que leio são recortes ou publicações de artigos de rede.

Teremos que salvar esses obstáculos para a comunicação.

O bom seria termos cursos tutoriais “on line” voltados para o público de fora da Galiza. Uma introdução sobre estes autores segundo seus trabalhos, obras, perspectivas, linhas de raciocínio, fatos e acontecimentos da época, a dinâmica político-sócio-económica que existia no período, as motivações, as reações do Estado e da sociedade, opiniões de autores não galegos e um balanço contextualizado nos dias atuais.

Os grupos ajudam um bocadinho.

Sim. Todos os dias aprendo um pouco graças à ajuda dos amigos dos grupos. Sem eles seria difícil avançar sobre os detalhes desses micro-espaços que compõem a formação da sociedade galega que envolvem história, política, economia e linguística. Nenhum brasileiro será capaz de entender a língua galega sem conhecer os acontecimentos pelos quais foram submetidos os galegos nos últimos 800 anos.

Há muitos trabalhos que buscam instruir os próprios galegos (documentos, textos, vídeos, livros) e poucos voltados para o público da “galaicofonia/galeguia” fora da Galiza.

Temos várias iniciativas voltadas de preferência para esse público.

Sim, mas quero fazer uma observação: a Galiza será mais lida e conhecida, através de seus livros e autores quando transcreverem seus textos para o galego internacional. Quando as letras das suas músicas puderem ser lidos e ouvidas do Brasil a Moçambique. Isso inclui o próprio estímulo ao turismo. Ninguém aqui viaja para Santiago dizendo “vou à Galiza”…e mesmo assim, Galiza não se resume a Compostela. Tem danças, festivais, gastronomia, patrimônio histórico, ruínas, circuitos naturais…muita coisa pra se fazer nesse pedacinho da faixa atlântica.

Nessa direção estão todas estas novas iniciativas de livre participação.

Sim

Após este tempo de experiência no primeiro plano da movimentação, está satisfeito com a resposta da audiência? Os grupos estão a favorecer a comunicação entre os nossos países? São já referentes da aproximação?

É bom lembrar que eu não sou filólogo, e nem especialista nos fenómenos linguísticos. Entrei nestes grupos para aprender. Encontrei muita gente capacitada e com vontade em multiplicar seus estudos. Que os Governos integrantes da CPLP não esqueça da Galiza. Que as Universidades Brasileiras e Portuguesas nos seus cursos de letras reconheçam o galego dentro da nossa unidade linguística. É um tema delicado e precisamos desenvolver em outras conversas.

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