Em 2021 figerom-se 40 anos desde que o galego passou a ser considerada língua oficial na Galiza, passando a ter um status legal que lhe permitiria sair dos espaços informais e íntimos aos que fora relegada pola ditadura franquista. Para analisarmos este período, estivemos a realizar ao longo de todo 2021 umha série de entrevistas a diferentes agentes. Agora, entrado 2022, queremos continuar reflexionando sobre isto, mas focando num âmbito em particular, de importância estratégica: o ensino.
Para isto, o PGL oferecerá o debate online “Novo ensino para o galego” com três especialistas no início do mês, o próximo dia 3 de maio, do que daremos mais detalhe em breves. Um dos participantes será o nosso atual entrevistado: o professor da universidade de Vigo experto em didáctica das línguas estrangeiras e sociolinguística, Carlos Valcárcel.

Que avaliaçom fás dos resultados do ensino do galego após 40 anos como matéria troncal?
Penso que os resultados obtidos são muito modestos, especialmente se tivermos em conta a quantidade de recursos financeiros e humanos mobilizados ao longo de todos estes anos. Falta ainda fazer uma quantificação disto tudo: o número de professores recrutados, os materiais criados, os cursos de formação organizados, as atividades contratadas, etc. Mas eu polo menos tenho a impressão de que fôrom investidos muito dinheiro e esforço para finalmente vermos, primeiro, uma redução drástica no uso do galego nas comunidades escolares (nem só entre o alunado, infelizmente) e, segundo, como a competência em galego desta crescente população castelhano-falante é cada vez mais limitada. E também não podemos esquecer que o modelo da língua ensinado foi concebido, entre outras razões, para facilitar a aquisição de competências em galego por parte das pessoas alfabetizadas em castelhano.
E da presença do galego como língua veicular no ensino público?
Em geral, as equipas de direção das escolas públicas fazem esforços significativos para cumprir a lei e usar o galego como língua veicular nas escolas, para além das disciplinas e horas reservadas ao uso do castelhano e, agora num número crescente de estabelecimentos, do inglês. Para uma proporção significativa de crianças e adolescentes castelhano-falantes nas zonas urbanas, a escola é praticamente o único lugar físico onde o galego é ouvido, lido e escrito com um certo grau de normalidade. O compromisso das escolas “concertadas” e privadas parece ser menos forte. E em geral há o problema da qualidade do galego usado nas escolas polo professorado e pola própria administração educativa. Não devemos esquecer que nas escolas e na administração o galego é usado diariamente por inúmeros falantes não nativos que pouco o falam ou ouvem fora do contexto laboral. Em particular, penso que os professores castelhanofalantes ou neofalantes que querem ou têm de ensinar em galego não contam com um apoio linguístico eficaz.
Achas que esta presença guarda relaçom com a sua presença como língua ambiental nos centros educativos?
Acredito que é essencial o papel das equipas de direção na aplicação da lei sobre o uso do galego, tanto como língua da administração escolar como como língua de instrução nas disciplinas que lhe são atribuídas. Mas não se trata apenas de fazer cumprir a lei, mas também, acima de tudo, de ajudar as pessoas com a formação e materiais adaptados às suas necessidades. Por vezes as pessoas querem cumprir as normas, mas a falta de competência linguística ou de recursos pode dificultar ou mesmo tornar impossível fazê-lo. Antes de criticarmos o pessoal administrativo ou o professorado que não usa o galego ou que não o usa corretamente, devemos primeiro ver o que os leva a fazê-lo. E outra cousa que me parece importante é trabalhar as percepções e atitudes em relação ao galego com professorado e famílias, e não apenas com estudantes. É difícil pedir ao professorado para trabalhar em melhorar as atitudes em relação ao galego na sala de aula ou entre famílias quando ainda tem preconceitos sobre o galego ou as pessoas que o falamos.
É difícil pedir ao professorado para trabalhar em melhorar as atitudes em relação ao galego na sala de aula ou entre famílias quando ainda tem preconceitos sobre o galego ou as pessoas que o falamos.
Pensas que deveria mudar algumha cousa no ensino da matéria de Língua Galega e Literatura?
O professorado deveria, a meu ver, adoptar diferentes orientações metodológicas, dependendo do grau de exposição do alunado ao galego fora da sala de aula. Entre o alunado com pouco input em galego, penso que deveria ser adoptada uma metodologia eminentemente comunicativa, centrada na aquisição de fluência oral e escrita. Entre o alunado galego-falante nativo seria necessário fazer um contraste contínuo entre a sua variedade oral e o galego padrão em que ambas as variedades sejam valorizadas, assim como a utilidade de saber alternar o seu uso dependendo do contexto. Infelizmente, ainda é muito comum ver jovens galego-falantes nativos incapazes de evitar castelhanismos ou vulgarismos em contextos de comunicação formal. O contraste com as outras variedades da Lusofonia também é essencial em qualquer caso. E finalmente, não deveríamos esquecer que além da disciplina de galego, existem todas as disciplinas ensinadas em galego. A metodologia aqui também deve mudar e talvez poderia inspirar-se na AICLE. Mas sem a formação de professorado, o recrutamento de pessoal de apoio pedagógico ou a criação de materiais, vejo difícil conseguir mudanças para além das iniciativas individuais ou de uma determinada equipa diretiva.
Não deveríamos esquecer que além da disciplina de galego, existem todas as disciplinas ensinadas em galego. A metodologia aqui também deve mudar e talvez poderia inspirar-se na AICLE. Mas sem a formação de professorado, o recrutamento de pessoal de apoio pedagógico ou a criação de materiais, vejo difícil conseguir mudanças.
Qual deve ser o papel do português no ensino? Ampliar a sua presença como segunda Língua Estrangeira? Ser lecionada dentro das aulas da matéria troncal de galego?
Reconheço que é uma boa oportunidade de trabalho para pessoas com a licenciatura em filologia portuguesa, mas também penso que propor o português nas escolas como língua estrangeira, em competição com o francês, tem os seus riscos. Se não houver contraste linguístico positivo e consciência intercultural na sala de aula, esta situação bem pode reforçar a imagem de que o português e as culturas lusófonas são realidades alheias ao galego e à cultura galega. Ensinar português na Galiza não pode ser assumido da mesma forma que ensinar português em Aragão, por exemplo. Não é uma língua estrangeira, da mesma forma que o inglês já não é uma língua estrangeira, senão ambiental. Ainda que uma opção não exclua a outra, acredito que a forma mais eficaz e económica para a administração talvez seria estudar português dentro da disciplina de galego através de atividades contrastivas ao longo da educação obrigatória. Também acho que seria interessante explorar mais a introdução do português padrão, em vez do inglês, para ensinar outras disciplinas em estabelecimentos plurilingues, especialmente em escolas urbanas. Os programas AICLE bem podem focar o inglês nuns anos e o português noutros anos, por exemplo. Professorado de língua portuguesa poderia formar este professorado AICLE.
Se não houver contraste linguístico positivo e consciência intercultural na sala de aula, esta situação bem pode reforçar a imagem de que o português e as culturas lusófonas são realidades alheias ao galego e à cultura galega. Ensinar português na Galiza não pode ser assumido da mesma forma que ensinar português em Aragão, por exemplo.
Pensas que implementar linhas educativas diferenciadas (umha com imersom linguística em galego) poderia ser útil para o galego voltar aos pátios?
A chamada imersão linguística tem muitos modelos, não só a imersão total antecipada. Acredito que cada escola deve ser capaz de decidir o modelo de imersão que melhor corresponda às necessidades do alunado, à disponibilidade e competência do professorado ou mesmo ao contexto social em que professorado e alunado se encontram. Hoje sabemos ademais que o sucesso destes programas duais depende muito da formação e da motivação do professorado envolvido. Quem é e o quê faz nas aulas de/em galego é tão importante como o número total de horas em galego. Não deveríamos esquecer que o número de horas em galego aumentou desde que a aprovação da LNL de 1983 enquanto o número de falantes de galego diminuiu.
Que papel atribuis ao modelo educativo inaugurado polas escolas Semente?
As Escolas Semente não só representam a experimentação de um modelo linguístico alternativo ao proposto na educação pública, também proponhem uma importante renovação pedagógica na escola galega. Surgem da forte motivação e compromisso das famílias e professorado envolvidos, e este é um importante factor de sucesso. Creio que a Conselharia Educação deveria estabelecer convénios económicos com estas escolas para garantir polo menos uma oferta de imersão total antecipada em galego nas zonas urbanas.