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As crianças, o melhor do mundo, no filme ‘Ninguém sabe’

Para comemorar as datas dedicadas às crianças, diferentes em cada país, e que no Brasil desde há muito a data marcada é 12 de outubro (em Portugal 1 de junho), vou utilizar na minha série de As Aulas no Cinema, durante estas duas semanas, dous interessantes filmes, nos quais as crianças, que é o mais importante que existe no mundo, são as protagonistas. O primeiro é um filme japonês realizado em 2004, que em Portugal foi intitulado como “Ninguém sabe”, e no Brasil como “Ninguém pode saber”. O segundo, para a seguinte semana, é um filme formosíssimo realizado pelo grande diretor galo Jean Renoir em 1951, que no mundo lusófono foi intitulado como “O Rio Sagrado”, e cuja ação decorre na Índia. Neste país é um verdadeiro prazer estar com crianças, ou acompanhá-las nas suas aulas ao ar livre. Porque são alegres, educadas, carinhosas e têm desejos de aprender.

Não há nada mais importante no planeta que as crianças. Por isso, é de enorme importância a sua educação, a sua saúde mental e física e a sua proteção, a sua alimentação, que não sejam exploradas nem marginadas, que tenham uma escola a que assistir com uma ajeitada pedagogia dos seus docentes, e uma família que saiba como devem ser tratadas e educadas as crianças, com alegria, com amor e sem violência, dentro de um ambiente adequado, cuidando das boas relações familiares e ambientais. Mas ainda hoje existem muitos problemas para as crianças em numerosos países da Terra. Ali onde há guerras desde há tempo, onde são exploradas com o seu trabalho, onde passam fame por não ter com que comprar alimentos, onde não têm escolas para ser educadas, onde as meninas são mais marginadas que os meninos, onde as famílias têm um baixo nível formativo, onde há violência quase quotidiana, onde as crianças, por não as poder manter são abandonadas para entrar em centros de acolhimento, etc. Em todos os casos, e naturalmente mais naqueles países que se encontram em situações limite ou extremas, as crianças são os seres humanos que mais sofrem de todos, por serem muito vulneráveis.

O mundo tem quase 7 bilhões de habitantes. Desse total, mais de 2 bilhões são crianças. A maior parte dos países concorda que é importante proteger os direitos dessas crianças. Mas muitas ainda sofrem com a fome, as doenças e a violência. A maioria dos problemas acontece com crianças muito pobres. Pobreza não significa não poder comprar o último modelo de celular ou o tênis da moda.

Pobreza significa não ter casa decente nem roupas limpas. Pobreza significa não ter água limpa para beber nem comida boa para comer. Pobreza significa não ter escola, hospital, nem médico. Se você fizer a conta dos direitos que deixam de ser cumpridos nessas situações, vai entender por que a pobreza é por si só tão grave. E o mundo tem muita gente pobre: duas em cada dez pessoas têm menos de 50 cêntimos por dia para viver. A maior parte das crianças pobres está em países da África. Mas a pobreza acontece também nos países em desenvolvimento, que não são muito ricos, mas também não são tão pobres. O Brasil é um país de renda média, que tem muita criança pobre, sendo um país muito rico, no que se a riqueza fosse repartida de forma mais igualitária, todas as pessoas poderiam viver a um nível alto. Há também crianças que não têm os direitos respeitados porque vivem em países que estão em guerra. No Oriente Médio, por exemplo, várias cidades são bombardeadas quase todo dia. É o que acontece no Iraque, há mais de dez anos. E na região de Israel e dos territórios palestinos, que estão em guerra há muitos anos. Além de ferir e matar, a guerra deixa as crianças órfãs, fecha as escolas e torna difícil conseguir alimentos saudáveis para que elas cresçam bem.

Ademais dos problemas gerais de âmbito planetário que afetam as crianças, está também o problema do difícil que é para as famílias educar os seus filhos. Por problemas materiais e por falta de conhecimentos educativos, que podiam ser adquiridos em escolas para mães e pais, se as houvesse. Cada vez é mais difícil, por influências externas ambientais e culturais, termos famílias educativas, nas quais as crianças possam receber estímulos positivos para o seu desenvolvimento psicossocial. E ainda há, especialmente no interior da Galiza e no Trás-os-Montes português, o terrível problema da quase nula natalidade. Sem que os governos tomem consciência do mesmo, pondo a andar políticas positivas, que promovam a natalidade para que o nosso rural não fique como um deserto sem vida humana.

Precisamente, o filme que escolhi desta vez, faz-nos refletir sobre o importante que é a família na educação das crianças, e quando esta falta e os filhos são abandonados, muitos e graves problemas são criados.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

  • Título original: Dare mo shiranai (Ninguém sabe / Ninguém pode saber / Nobody Knows).
  • Diretor: Hirokazu Koreeda (Japão, 2004, 141 min., a cores).
  • Roteiro: Hirokazu Koreeda, baseado em factos reais (drama social).
  • Música: Gontiti. Fotografia: Yamazaki Yutaka.
  • Produtoras: Bandai Visual Co. Ltd, Cine Qua Non  Films e Engine Film Inc.
  • Atores: Yûya Yagira(Akira Fukushima), Ayu Kitaura(Kyoko), Hiei Kimura(Shigeru), Momoko Shimizu (Yuki), Hanae Kan(Saki), You (Keiko) e Ryo Kase (Empregado do Mercado).
  • Prémios: Em 2004: Cannes: Melhor ator (Yûya Yagira). Nomeado à Palma de Ouro (melhor filme). Festival de Valhadolid – Seminci: Nomeado à Espiga de Ouro (melhor filme). Blue Ribbon Awards: Melhor filme e melhor diretor. Em 2005: Guldbagge Awards: Nomeado ao melhor filme estrangeiro.
  • Argumento: Quatro irmãos mudam-se com a sua mãe para um pequeno apartamento em Tóquio, sendo que todos têm pais diferentes e a mãe escondeu a existência de três deles do proprietário do andar. As crianças nunca foram à escola e apenas o filho mais velho entra caminhando normalmente no novo apartamento, com os outros chegando escondidos em malas. Ninguém pode ficar sabendo que mais de três pessoas vivem ali, sob o risco de serem expulsos. Um dia a mãe desaparece, deixando apenas algum dinheiro e um bilhete em que pede ao mais velho para tomar conta dos irmãos. E assim começa a odisseia das quatro crianças, uma jornada de que ninguém sabe. O filme inspira-se num facto real que ficou conhecido como “o caso das quatro crianças abandonadas de Nishi-Sugamo”, em 1988. As crianças nunca tinham ido à escola nem tinham existência legal, pois a mãe nunca registara os nascimentos, sendo mãe solteira. Yagira Yuya, que interpreta o mais velho dos quatro irmãos, ganhou o Prémio de Melhor Ator em Cannes em 2004.

Ninguem sabe Capa DVD

 

O DIREITO DAS CRIANÇAS A TEREM UMA FAMÍLIA:

Keiko Fukushima muda-se para um novo apartamento alugado e apresenta o seu filho Akira, de 12 anos, ao dono do mesmo, “esquecendo-se” de mencionar qualquer um dos seus outros três filhos: Kyoko  de 10 anos, Shigeru de 7 e Yuki de 4. Para que se continue a não saber da sua existência, sob pena de serem expulsos do apartamento, Keiko impõe as regras, como se de um jogo se tratasse: não fazer barulho e não sair, exceção feita a Akira, que está encarregue de fazer as compras. Nenhuma das suas crianças vai à escola e não têm amigos. Sem tempo nem liberdade para serem crianças, mal conseguem alimentar os seus sonhos de tocar piano no caso de Kyoko, ou Akira de jogar basebol. Para a mãe, eles são úteis, simples bagagem, e não só metafórica, não só no sentido prático de fazerem todas as tarefas em casa, das limpezas ao pagamento das contas, mas, e talvez sobretudo, de alimentarem a sua sede de amor e de atenções. É esse mesmo romantismo que leva Keiko a abandoná-los, quando crê ter encontrado um homem que cuidará dela.Keiko oferece presentes aos filhos, sem pedir desculpa ou explicar-se. Quando é confrontada por Akira com o seu comportamento negligente, apenas diz: “Eu tenho direito de ser feliz”. Mesmo antes de se ir embora, Keiko é já uma mãe ausente, e quando a única cousa que deixa aos filhos é dinheiro para se manterem por uns tempos, a vida deles não se altera de um modo significativo. Até porque acreditam que, mais cedo ou mais tarde, a mãe acabará por regressar. Quando isso não acontece, a sua ansiedade e apreensão aumentam.

Fotograma do filme
Fotograma do filme

Os adultos de “Ninguém Sabe” comportam-se como crianças mimadas, irresponsáveis e egoístas, enquanto paradoxalmente as crianças agem como adultos. É quando este ciclo se rompe, quando Akira tenta finalmente ser a criança que é, arranjar amigos e divertir-se, que o mundo, apesar de tudo, seguro que estas quatro crianças conhecem, começa a desmoronar-se. A arrumação, a limpeza, a própria aparência física dos jovens, vai-se tragicamente arruinando, e assistimos a quatro vidas em declínio, antes mesmo de terem começado. Na ausência da mãe, as visitas ao mundo lá fora tornam-se os momentos de maior felicidade, e os universos de Akira, Kyoko, Shigeru e Yuki começam a expandir-se. Mas tal como sucedeu no Big Bang, muita cousa foi criada, mas muita outra foi destruída.

O realizador capta toda a intimidade da rotina dos irmãos dentro daquele pequeno apartamento, mas sem qualquer claustrofobia. O mesmo não se pode dizer dos sentimentos, quase totalmente contidos, sem explosões ou confrontos, mas onde se lê o profundo amor que os une. O diretor nipónico opta pela evidência através do contraste, como acontece no início do filme, em que uma situação horrível se mistura com o divertimento caraterístico das crianças, ou como um jogo de basebol reflete a total ausência e necessidade de uma figura protetora. É este um filme de emoções intensas, onde paira a iminente sensação de calamidade. Apesar da coragem, da resistência, e da capacidade de, apesar de tudo, ou por causa de tudo, estas quatro crianças conseguirem vencer o desespero com algum humor, a indiferença das grandes sociedades impessoais continua a ser desarmante e incontornável.

Baseando-se livremente num incidente que ocorreu em 1988 em Nishi-Sugamo, quando quatro crianças foram abandonadas pela mãe e deixadas sozinhas durante 6 meses, Kore-eda, o diretor, rejeita qualquer abordagem sociológica ao tema, tratando as emoções dos quatro jovens com uma subtil sensibilidade. Quase todos os acontecimentos são mostrados do ponto de vista de Akira, e esta subjetividade torna tudo ainda mais duro. A mãe nunca é mostrada como um monstro, porque não é assim que os filhos a veem. Para garantir espontaneidade nas representações, o realizador não deu o guião aos seus jovens atores, limitando-se a dar-lhes as falas e explicar-lhes o que pretendia. O ambiente criado é dolorosamente real, e quase se pode sentir o cheiro dos restos de comida e sujidade acumulados no apartamento. As interpretações das crianças são, sem exceção, isentas de falsidade, mas o poder do olhar de Yûya Yagira vem justificar o prémio de melhor interpretação masculina na edição de 2004 do Festival de Cannes.

“Ninguém Sabe” foi filmado durante um ano, o que facilitou a sincronia com a cronologia do filme, e permitiu não só filmar as mudanças das estações, mas também o crescimento das crianças, facto apontado num dos momentos mais dramáticos do filme. A atenção ao detalhe é também evidente, em especial o vermelho do verniz, recurso utilizado com grande inteligência como marca da passagem do tempo, da bola, do desenho da mãe, das flores, como símbolo do amor que é necessário para um crescimento ou florescimento saudável. Um amor que jamais poderá ser enviado por correio com uma nota apensa. A melancolia destas crianças é dolorosa e quase insuportável. A sua dureza perante os mais violentos acontecimentos chega a ser incompreensível. E há uma parte muito forte que nos envolve nesta história, e que se chama culpa coletiva. Fomos nós que os abandonámos à sua sorte, nós o sistema de apoio social, nós os vizinhos que ignoram os abusos, nós os pais e mães que não merecem esse nome.

Este é um dos filmes mais tristes, mas de uma beleza que só é possível através de um olhar inocente. E o que acontece depois de se perder uma infância à qual nunca se teve direito? Ninguém sabe.

Compartilho as ideias do brasileiro Eduardo Cléber, quando analisa e comenta este filme tão formoso.Um letreiro antes da primeira imagem tem de ser levado em conta para se entender melhor todo o restante. Ele informa o espectador que, apesar de ser baseado em caso real ocorrido em Tóquio, o filme é sobretudo uma ficção. Não se trata de mera informação, mas de uma proposta estética. Embora se busque sim a impressão de real, com a valorização de instantes de vida cuja significação está neles mesmos e não necessariamente na concatenação com outros planos, a encenação é assumida desde o início. Será por meio da linguagem, constituída pela luz, esverdeada às vezes, neutra a maior parte do tempo, pelo enquadramento de partes dos corpos, e das mãos principalmente, da disposição dos corpos em espaços internos e externos, e também pela escolha dos olhares como principal matéria-prima expressiva e pelo tempo cultivado em cada cena, para muito além do caráter descritivo da ação, que a veracidade será construída. Não estamos em mais um exemplo da febre documental gerada pela ficção. Cada plano aqui insere-se no real a partir de artifícios empregados para serem notados às vezes e anulados outras. Veremos no filme como reagem quatro irmãos, entre a infância e a pré-adolescência, depois de serem abandonados pela mãe. Sabemos da inconstância afetiva dela num diálogo, da provável multiplicidade dos pais dos irmãos noutro momento. Ela passa o dia todo fora, as crianças não vão à escola, o primogénito, com 12 anos, tem de tomar conta de tudo (compras, contas, comida). Num certo momento, ela viaja, ausenta-se por um mês. Noutro momento, viaja de novo, não volta mais. Caberá ao irmão mais velho, protagonista da narrativa, administrar o caos. Começa a faltar dinheiro, a casa vira um lixo, cortam a luz e a água, ele tem de dar um jeito. Vemos uma permanente resistência à adversidade sem prejuízo para a perda de fé na vida mesmo nas situações limites. Essa fé é renovada ao contacto com um videojogo, com outras crianças, num jogo de beisebol, no olhar para uma árvore, na visão de uma bela adolescente, no cultivo de uma planta.

Não vemos na condução dessas situações nenhum artifício incumbido de torná-las mais graves ou de nos aproximar das crianças por compaixão. A música é sóbria, a câmara observa sem sacudir o olhar, a luz não explode, nem as personagens. Não há impotência ou resignação e vemos em comum o aprendizado familiar, de crianças em especial, no teste de fogo de superação da perda sem revolta, mas não sem tristeza. Vemos ainda um recolhimento das palavras para se empregar a imagem tanto como registo de momentos como de instalação de mistério e magia na superfície dos corpos em silêncio. A intensa dramaticidade de ambos está no minimalismo dos eventos ou na sensação desse minimalismo.

O estado das roupas das crianças, por exemplo, que vão ficando sujas e rasgadas, com o passar do tempo, dispensam comentários sobre a degradação, de condições, sobretudo, com que têm de lidar. A voz do protagonista também, que fica grave a partir de determinado ponto (algo notado pela irmã: “você está gripado?”), é evidência sonora de uma mudança. Estamos numa lógica do microcosmo e, se houver a disposição de ver no específico o reflexo de algo geral (a ameaça à família e ao espiritual na contemporaneidade hipermaterialista japonesa), é preciso rebolar um bocado para não cair em armadilhas. Não se pode ignorar, para ficarmos numa cena emblemática, a recusa do protagonista, quando incitado por amigos em melhores condições financeiras, em roubar um brinquedo. No entanto, a necessidade fala mais alto e, quando se trata de comida e remédio, quando se trata da sobrevivência, lei nenhuma é anteparo, pois a moral torna-se outra. Se a sociedade japonesa for uma questão, portanto, e mesmo assim questão tangencial apenas, o filme é menos reflexo e crítica, mantendo-se exclusivamente como reação. Reside nessa autogestão do pequeno cosmos a riqueza de Ninguém Pode Saber. A beleza elaborada pelo diretor até parece brotar dos planos, mas ela é fruto de uma operação rigorosa. E se é para escolher seu ápice, que na verdade são muitos, fiquemos com uma cena já no final, quando o protagonista, olhando para o alto, para um avião que passa, é cutucado pelo irmão, que o chama de volta ao chão. Um filme lindo de verdade!

TEMAS PARA REFLETIR E REALIZAR:

Depois de ver este filme, utilizando a técnica de dinâmica de grupos do “cinema-fórum”, debater sobre os aspetos fílmicos do mesmo, o roteiro e a linguagem cinematográfica utilizada pelo diretor, os planos, os movimentos de câmara, os “travellings”, os “flashbacks”, o uso especial e muito criativo que o diretor faz do tempo e do espaço, a montagem e a trilha sonora e outros recursos fílmicos que aparecem na fita. Também sobre a psicologia e as atitudes das diferentes personagens que aparecem no mesmo, especialmente as do filho mais velho e da mãe solteira das crianças.

Organizar um festival poético-musical nos estabelecimentos de ensino primário, tomando como lema “O mundo das crianças”. No mesmo, os estudantes teriam que recitar e cantar poemas e canções em que as crianças são os elementos protagonistas. Paralelamente podia organizar-se um certame de contos, lendas e redações, tendo como motivo principal as crianças, a sua vida, a sua alegria, a sua importância e também os seus problemas.

Levar a cabo nas escolas exposições e amostras de fotografias de crianças do mundo (tomadas da internet e de revistas e jornais). As amostras teriam que completar-se com murais elaborados pelos alunos, com frases alusivas às crianças, com textos, legendas, aforismos, poemas e desenhos.

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