Paulo Fernandes Mirás assume a partir do próximo número a direção da publicação, na qual esteve à frente desde os inícios António Gil Hernández.
Estudos de especialistas da Galiza, do Brasil e do País Valenciano
Na continuação, a parte principal da publicação, oferece seis estudos, que se prolongam entre as páginas 11 e 150. Estão assinados os quatro primeiros por José-Martinho Montero Santalha, José-Manuel Barbosa, Joel R. Gômez e Alexandre Banhos Campo, especialistas da Galiza; e os outros por Evandro Vieira Ouriques, do Brasil; e por Josep J. Conill, do País Valenciano.
No primeiro deles, “A contagem silábica dos versos na Galiza” (pp. 11-36), José-Martinho Montero Santalha ocupa-se dos dois sistemas que os estudos literários nas línguas românicas empregam para a contagem das sílabas dos versos, o oxitónico e o paroxitónico. Defende «a conveniência de que também na Galiza, como território de língua portuguesa que é, se adote o sistema habitual na área lusófona, isto é, o oxitónico, que conta só até a última sílaba tónica do verso». Defende a sua argumentação utilizando produções líricas de Firmino Bouça Brei, Manuel-Luís Acunha, Salvador Golpe, Rosalia de Castro, Álvaro Cunqueiro, Curros Henríquez, as Cantigas de Santa Maria de Afonso X, a poesia popular, o padre Sarmiento, e de Amado Carvalho, Martim Padrozelos, Eduardo Pondal, Martinho Torrado, Leiras Pulpeiro, Ramom Cabanilhas, Aquilino Iglésia Alvarinho, Francisco Anhom, Nicomedes-Pastor Díaz, Noriega Varela, e Labarta Posse.
José-Manuel Barbosa, em “Alguns apontamentos sobre Prisciliano” (pp. 37-60) traslada-nos aos tempos em que a Galiza era a Galécia extensa e priscilianista. Apresenta algumas questões duvidosas e esforça-se por propor soluções a respeito da origem de Prisciliano, bem como faz um pequeno roteiro espaço-temporal ao redor da elaboração do mito da presença e enterramento de Santiago o Maior na Galiza. São assuntos recorrentes no tratamento de diversos especialistas e de continua atualidade na Galiza, os quais tenta iluminar com este estudo.
Joel R. Gômez, em “Funções e percursos das sete décadas de produções poéticas de Ernesto Da Cal” (pp. 61-83) alicerça-se nos aproximadamente 150 produtos de poesia publicados por Ernesto Guerra da Cal, que referencia, nos seus quase 83 anos de vida, incluídas produções póstumas e inéditas. Da Cal utilizou 3 línguas e 9 assinaturas diferentes e difundiu essas produções em 12 países, na procura de diferentes funções e percursos. Essa dispersão dificulta o seu conhecimento e estudo, que este trabalho pretende esclarecer, para facilitar a sua edição crítica.
Alexandre Banhos Campo, em “Porque Portugal não se chama Galiza?” (pp. 85-94) lembra como Portugal não foi reconhecido como reino pelo papado até 1179. Com antecedência foram acontecimentos de relevância como a batalha de São Mamede, que teve lugar em 1128, coincidindo com a altura na qual o rei da Galiza Afonso VII estava no processo de gerir a incorporação na sua pessoa das coroas de Leão e Castela; ou o tratado de Samora de 1143, pelo qual o rei Afonso VII da Galiza, que queria ser chamado e tratado de imperador, assinou o tratado com o seu primo Afonso Henriques, onde lhe concedia de facto a independência do reino da Galiza, a Portugal, sempre que como rei aceitasse a sua preeminência como imperador.
Evandro Vieira Ouriques, em “A Doutrina do Mel, a condição comunicacional e a verdade. Sobre a requalificação clínica da capacidade de julgar” (pp. 95-115) traz à nossa consideração a «íntima relação de alguns dos princípios fundamentais da filosofia indiana», que, como investigador, vem «desenvolvendo ao longo dos anos sob a denominação de Terceira Estrutura da Verdade». O artigo sustenta a emancipação psicopolítica de psiquismos e de redes de psiquismos, as instituições e justifica a denominação da «doutrina do mel».
E Josep J. Conill, em “Lasciate ogni speranza: da ‘normalización’ à língua nua” (pp. 117-146) reflete sobre «a situação terminal a que o catalão dos valencianos tem chegado após o fracasso da ilusão normalizadora imperante desde a Transición». É reflexão que, em valorização de António Gil Hernández, «cumpre ler também em chave galega, galaico-española e galego-portuguesa». Conill relata «um panorama cheio de incertezas [da língua autóctone do País Valenciano], que pode desembocar na sua liquidação definitiva nos fins deste século». Fronte a esta eventualidade, aponta para «a necessária articulação de uma consciência sociolinguística da condição terminal, capaz de se responsabilizar com lucidez da gravidade da situação e emanada da vivência liminar da língua nua, enquanto experiência da exclusão quotidiana dos falantes do catalão no País Valenciano».
Discursos das tomadas de posse de três académicas e um académico
Na parte de “Instituição” (pp. 149-218) a maioria do espaço deste número 15 º do BAGLP é para os discursos das tomadas de posse de três académicas, Adela Clorinda Figueroa Panisse, Maria Castelo Lestom e Joana Magalhães; além do académico Pedro Casteleiro. A eles deu o recebimento em nome da AGLP José-Martinho Montero Santalha.
O discurso de Adela Figueroa, subordinado ao título “Uma língua, uma cultura, uma civilização: Galiza na lusofonia” (pp. 163-178) salientou o interesse de se ter aprovado por unanimidade no Parlamento da Galiza a denominada Lei Paz Andrade, para aproveitar os vínculos da Galiza com a Lusofonia. Afirma que «Eu sei que, na atualidade a maioria dos vultos que se exprimem em língua galega, quer escritoras quer políticas, consideram que a opção reintegracionista, a opção internacional para a nossa língua, é a acertada. Na sua maioria estas pessoas não escrevem na norma do galego comum para os países de fala lusófona ou de galego moderno, por diversas razões, mas não por beligerância contra esta norma. Nalguns casos é por ignorância, outros por comodidade outras vezes por insegurança. Mas sempre por temor». Adela Figueroa, quem representou à Galiza em 1986 (juntamente com Isaac Alonso Estraviz e José Luís Fontenla) no encontro internacional celebrado no Rio de Janeiro para procurar um Acordo Ortográfico para os países de língua portuguesa, alicerça-se em contributos de personalidades tão diversas como Bernabé João, Fausto, Zeca Afonso, Sandra Manuel, André Pena Granha, Angel Carracedo, Bryan Sykes, Rodrigues Lapa, Arnaldo Trindade, Beto Souza Pinto, Marica Campo, Benito Eládio Rodríguez Fernández, Vendana Shiva; bem como contributos dela própria, um de poesia erótica e outro respeitante a Rosalia de Castro, para defender no final que «Na Galiza temos um rico corpus cultural. Rosalia de Castro é emblemática. Ela é a primeira feminista, a primeira nacionalista galega a primeira ecologista».
Maria Castelo Lestom referiu-se a “Tecedoras de redes: A mulher e a língua no mundo pós-petróleo” (pp. 179-183). Neste contributo salientou que «Como militante, ativista e divulgadora tanto do teto do petróleo quanto da importância da nossa língua se imbricar no sistema linguístico que lhe corresponde pretendo é manifestar a importância do conceito de rede social, não entendida esta no sentido atual de rede com base informática, mas como conexão de comunidades e sociedades, de pessoas».
Joana Magalhães, na sua “Palestra” (pp. 185-190) ressaltou como «Se não estou em erro, esta tomada de posse coincide com a primeira vez que se realiza de forma coletiva, mostrando uma diversidade de vozes, pensares e saberes, representando outros valores fundamentais para a convivência de múltiplas identidades, e que tão bem carateriza a língua portuguesa». Também chamou a atenção «para o potencial da ciência cidadã para a resolução de desafios transfronteiriços, como podem ser aqueles que afetam zonas florestais, sistemas hídricos, espécies protegidas, ou mesmo, e porque não, de integração linguística». Joana Magalhães salientou assim mesmo na intervenção como a sua «experiência-vivência colectiva na Galiza, o meu pensamento, investigação, prática e ação têm sido permeáveis a valores de inclusão e diversidade, interdisciplinaridade, e também a processos de descolonização e desconstrução do que é ser cientista, do processo de geração de conhecimento, da objetividade da ciência. E posso afirmar com segurança, fazem de mim, uma cientista mais aberta, mais consciente do que a rodeia e espero, espero poder retribuir com o meu trabalho e a minha voz».
Pedro Casteleiro intitulou o seu depoimento “Justiça, verdade e beleza” (pp. 191-194). Afirmou que «Fazendo balanço dos anos, das décadas vividas, não posso recordar um momento em que, independentemente das circunstâncias, o que realmente me fizesse feliz deixasse de girar em torno disso que podemos chamar Justiça, Verdade e Beleza. Quando digo ‘me fizesse feliz’ digo me nutrisse, a um nível muito essencial, tão essencial como o pão quotidiano». […]«A minha vida gira em torno a uma paixão, a uma necessidade de nutrição, que se plasma na procura de Justiça, Verdade, Beleza e que, por isso, é que eu devo de estar fadado a, com mais ou menos títulos, ser o que sou: jurista, um filósofo –pragmático– e um filólogo de coração –um amante apaixonado do fenómeno linguístico e, especialmente, daquilo que concerne à nossa língua». Casteleiro reprovou «a vacuidade que ocupa um lugar predominante nas redes sociais contemporâneas» e finalizou com estas palavras: «Continuarei, prometo, exercendo a tríplice função, de jurista por título, de filólogo por amor e por necessidade a de filósofo prático. E, prometo, como o bom ladrão, deixarei neste trabalho um rasto de silêncio, prenhado de esmeraldas».
No discurso de resposta e recebimento dos novos membros e tomadas de posse, José-Martinho Montero Santalha, que foi o primeiro presidente da AGLP, indicou que «Ainda outras duas novas académicas numerárias eleitas recentemente deveriam ser recebidas também hoje: Antia Cortiças Leira e Iolanda Rodrigues Aldrei. Por compromissos pessoais, não podem estar presentes neste ato, de maneira que o seu recebimento público fica para outra ocasião. Com todos estes nomes torna-se transparente o esforço da nossa Academia por corrigir o desequilíbrio entre o número de mulheres e homens: um desequilíbrio que, não por ser tradicional e ainda comum em muitas esferas da nossa sociedade, deixa de ser injusto e, portanto, intolerável». Disse-lhes Montero Santalha às novas académicas e académico que «Tendes desde agora uma nova casa e até quase uma nova família. Detrás dela está, em primeiro lugar, a longa série de mestres que assim na Galiza como em Portugal, no Brasil e nos outros territórios de língua portuguesa defenderam a unidade linguística galego-portuguesa, e, em segundo lugar, estão as muitas pessoas galegas de hoje que se sentem parte da Lusofonia. A AGLP convida-vos a exercer e desenvolver nela as vossas capacidades, as vossas ideias e propostas e as vossas iniciativas, em serviço da língua que nos une e nos configura como pessoas. Em nome da Academia digo-vos mais uma vez: bem-vindas e muito obrigado!».
O capítulo de “Instituição” inclui também um relatório (pp. 149-160) das onze atividades que realizou em 2022 a AGLP, um ano difícil, lembra, por causa das dificuldades da pandemia da covid-19. Informa (pp. 161-162) da comemoração, por vez primeira, do “Dia da Academia”, agendado em 15 de dezembro de 2022 em Compostela, na sua sede da Casa da Língua Comum. Acrescenta a “Laudatio in honorem Isaac Alonso Estraviz” (pp. 197-203), proferida por Maria do Carmo Hernríquez Salido, professora catedrática da Universidade de Vigo o dia 18 de julho de 2022, no reconhecimento público a Estraviz, numerário da AGLP, com a Medalha de Ouro de Ourense por parte da Deputação Provincial de Ourense. Inclui depois o artigo “A nossa língua: Mil anos de história, 8 séculos de escrita: o testamento de 1214 de Dom Afonso II”, (pp. 205-215), assinado por José-Martinho Montero Santalha; e finaliza com uma “Necrológica de Adriano Moreira (1922-2022)”, nas pp. 217-218, em que se lembra este vulto da intelectualidade e a política portuguesa, também membro correspondente da AGLP, falecido em 23 de outubro de 2022.
Referência de seis publicações
Este volume 15º do BAGLP finaliza com a referência de seis publicações. São estas: “Remover Roma por Santiago. O Conflito entre Roma e Santiago à Luz da Historia Compostelana”, de Henrique Egea (pp. 221-225), de que se ocupa José Manuel Barbosa, académico numerário da AGLP; “Teoria das Ruínas”, livro de poesia de Alfredo Ferreiro Salgueiro (pp. 227-230), que valoriza o professor e crítico José António Lozano; “Tempo Tardade”, narrativa de Raquel Miragaia (pp. 231-233) e “A unidade e a harmonia da realidade. Complexidade e ecoloxía”, estudo de Victorino Pérez Prieto (pp. 239-247), dois livros resenhados por José-Martinho Montero Santalha, académico numerário da AGLP; “Matria. Poesia para a terra”, volume de Adela Figueroa Panisse, académica numerária da AGLP (pp. 235-238), de que fala Stela Strada; e “Manual Galego-Português de História”, de Manuel Lopes Zebral (pp. 249-249) de que escreve António Gil Hernández, académico numerário da AGLP.
O boletim pode ser descarregado aqui.