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Tiago Alves Costa: “Espero que este livro seja acima de tudo uma proposta de revolução”

Entrevistamos o Tiago Alves Costa (V.N. de Famalicão) para o Portal Galego da Língua, quando vem de publicar o seu segundo livro de poemas na Através Editora. A obra, Žižek vai ao ginásio, recupera alguns elementos do seu já amplamente reconhecido Mecanismo de emergência e inclui prólogo de Teresa Moure e um pequeno texto de Gonçalo M. Tavares. Conversamos com o autor.

Ao longo de todo o livro parece que a forma ganha a batalha contra o conteúdo. Lemos e importamo-nos mais com como se sente e como se passam as cousas do que com o que se sente e o que se passa. Achas que nestes tempos de desmaterialização – do trabalho, dos relacionamentos, até do corpo – a poesia vai sair prejudicada ou fortalecida? Qual o papel da poesia na nossa contemporaneidade?

A poesia será sempre um meio de revigorar uma época, seja ela qual for. Neste momento e mais que nunca a poesia é uma urgência. Sob o limiar da falência das palavras, neste espetáculo diário de humilhação, expostos aos olhares dos outros à procura da melhor pose, a poesia é uma linha de fuga contra o delírio dos nossos dias. Ainda sem distinguir se somos personagens ou pessoas – nós somos os protagonistas, dizem os lemas publicitários – a poesia surge como um elemento transfigurador deste tempo narcísico, onde o Eu se assume numa clara posição de centralidade não dando espaço ao “outro”, aos outros, à diferença, ao estranho; daí surgem também os discursos xenófobos, que aliás, já pendem sob as nossas cabeças.

Qualquer leitora deste livro terá reparado, no fim, em que é até certo ponto uma obra meta-literária, que brinca com muito humor com o próprio papel do poeta, o seu lugar no mundo, o seu habitus. Que relação tens com o poema? Como surgiram estes aqui presentes, que conformam o Žižek?

Tenho uma relação com o poema que vai do desejo à rejeição. A maioria das vezes não nos damos bem, ou, talvez, façamos de conta que não nos conhecemos, como se fossemos duas pessoas que se cruzam na rua e se olham, conheço-te de algum lado. Eu fico a olhar para ele, ele fica a olhar para mim, há uma tentativa de aproximação, imaginamos que qualquer coisa de singular poderá acontecer, e, de repente, afastamo-nos. Os poemas de Žižek vai ao ginásio seguem um fio condutor de Mecanismo de Emergência, são fruto da investigação que tenho desenvolvido nos últimos cinco anos e que se traduziram nestes dois livros que a Através Editora teve a enorme coragem de publicar; é um processo que passa por escavar na própria imprevisibilidade das coisas, no quotidiano, nos fenómenos comuns, farejando a vida numa tentativa de demolir-me a mim mesmo e revolucionar silenciosamente o meu modo de ver o mundo.

“A inquietação de hoje tem que ver com uma violência sistémica inerente à sociedade de produção, à pressão por um maior rendimento que conduz a um Eu esgotado, consumido, depressivo”

Alguns dos teus versos falam sublimemente sobre as nossas nevroses diárias. É este um livro de crise? Dizes “afaste-se o leitor de uma vez”, mas quanto de ti próprio há nesse leitor impersonalizado?

É um livro que reflete o tempo, e o nosso é um tempo de crise. A Maria Zambrano afirmava que viver em crise é viver em inquietude. Penso que vivemos uma profunda crise de inquietação, mas não a inquietação de que falava José Mário Branco na sua música; a inquietação de hoje tem que ver com uma violência sistémica inerente à sociedade de produção, à pressão por um maior rendimento que conduz a um Eu esgotado, consumido, depressivo, hoje não há revolucionários mas sim depressivos… A minha geração, por exemplo, iria ser capaz de tudo: a mais formada, a mais empreendedora, novos líderes do coaching, da felicidade e da vida saudável… E aqui estamos, eternos voluntários de uma qualquer multinacional, vivendo com a eterna sensação de que estamos sempre a perder alguma coisa, quais guias de turistas exaltados e sem mapa. Recorrendo às páginas do Žižek vai ao ginásio: somos filhos modernos da desolação, adultos com um velho medo, um vendedor de sofás que só quer chegar a casa e encostar a sua cabeça desolada no sofá que continua a pagar às prestações.

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Aquilo que se impõe à (imagem de) liberdade parece percorrer sibilinamente o corpo deste livro-sistema nervoso. Qual é o fundamento político último desta tua obra?

Gosto muito dessa tua definição de livro-sistema-nervoso. Quanto a esta questão, a Agustina Bessa-Luís tinha uma frase que me tem acompanhado ultimamente: Um país fabricado em miséria, é um país condenado à política. A poesia é uma forma de expressão cultural, sendo perfeitamente concebível o uso de uma estética poética para traduzir um conjunto de inquietudes políticas que invariavelmente marcam a minha obra. Espero que este livro seja acima de tudo uma proposta de revolução, ou até mesmo um último reduto de liberdade.

Afirma-se no prólogo, após citar um dos poemas mais brilhantes do livro, que “as palavras contêm tudo: a denúncia e a citação, o relato e as suas feridas”. Escreve-se contra a linguagem, através da linguagem ou apesar da linguagem?

Escreve-se sobretudo contra as amarras da linguagem. A própria leitura de poesia pode convocar um deliberado mal-entendido ou potenciar um conflito na linguagem ou mesmo ações que estourem com a domesticação da palavra que vive ao serviço do poder, seja ele qual for. Pensar a poesia também é mudar de posição relativamente à própria linguagem, ou como diria Gaston Bachelard, não olhar sempre da mesma maneira para as palavras; apesar da linguagem.

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