Maria Xosefa Baamonde García é vilalvesa. A sua língua inicial foi o castelhano, o registo das “forças vivas” da sociedade onde nasceu. Foi a docência a que a encaminhou a tornar-se galego-falante, e foi este labor docente na nossa língua que, em 1980, sofreu uma “transferência forçada com mudança de residência”. Está ligada à obra de Séchu Sende dado ser a tradutora para o turco do Made in Galiza. Aspira a que, no futuro, o galego seja a língua A em toda o território.
Pepa Baamonde nasceu e cresceu em Vilalva. Que lembras da ecologia linguística da tua infância e adolescência. Qual era a presença do galego e do castelhano no teu concelho?

Nascim a meados do século XX, nessa altura, nas vilas galegas, a maioria da população falava galego; no meio rural, 100%. Na minha casa, tínhamos uma mercearia à qual vinha gente de toda a zona, e toda a gente falava galego. Por outro lado, estávamos em plena Ditadura: a escola, a igreja, a câmara municipal, as instituições, o que se chamava as “forças vivas”… falavam espanhol.
A tua formação e carreira profissional está ligada à docência. Estudaste magistério em Lugo e lecionaste em várias escolas rurais da província de Lugo. Como nasceu e como viveste essa vontade de lecionar para as crianças mais pequenas?
Cheguei a Bariz-Paradela em setembro do ano de 1968 e deparei-me com o facto de ter de ensinar os meus alunos a ler e a escrever numa língua que não conheciam. Não me lembro de nos terem falado disto na Escola do Magistério. A partir daí, comecei a refletir sobre o conflito que representa o uso de duas línguas na escola, particularmente na aldeia e no contexto social em geral. Naquele tempo, ouvia galego o mês inteiro, mesmo nas feiras e no baile, a que ia com as raparigas de Bariz.
A tua língua inicial foi o castelhano e foi precisamente o teu trabalho o que te aliciou a mudares de língua. Como foi esse processo?
Ademais da experiência na escola e na aldeia, decorria o ano letivo de 1968-1969, e era o final da ditadura. Em Santiago, os estudantes lutavam pelas liberdades democráticas, entre as quais estava o uso do galego. Eu tinha relações com pessoas de Vilalva que estavam envolvidas nessas lutas. Líamos e falávamos muito sobre a situação política, social e linguística da Galiza, de Espanha e do mundo. Cheguei à convicção de que tinha de usar o galego sempre, em qualquer lugar da Galiza. Por mais que sempre o tivesse ouvido, demorei dous anos a ganhar coragem para começar a falar galego. Fora ter lido Rosalía, Curros ou Pondal, era analfabeta em galego. Tampouco queria falar mal, especialmente na escola. A partir do ano letivo de 1970-1971, quando fui colocada em Arante, Ribadeu, passei a ser monolingue em galego.
Pepa Baamonde sofreu um conflito sério com a administração, dessas vivências que nos marcam e que, intuo, nos fazem mais fortes. Decorreu em 1980…
A Lei de Educação Villar Palasí de 1970 e o Decreto que a desenvolveu em 1975 falavam do uso das línguas vernáculas na escola, de forma ambígua. O chamado Decreto do Bilinguismo de 1979 especificava os passos a seguir para, em teoria, introduzir a língua galega na escola. Na prática, serviu apenas para sancionar os docentes que a usávamos.
Desde o ano letivo em que o decreto foi publicado, em 1979, até à promulgação da Lei de Normalização Linguística, em 1983, foram inúmeras as denúncias e sanções contra professores que davam aulas em galego. No meu caso, foi aberto um processo disciplinar, e a infração foi considerada uma “falta grave”, segundo o Estatuto do Funcionalismo, tendo-me sido imposta a sanção de “transferência forçada com mudança de residência”. Obviamente, não mudei de língua.
De 1983 até 2010, quando foi publicado o Decreto, agora de Trilinguismo, de Feijóo, nenhum docente podia ser sancionado por dar aulas em galego. A partir de 2010, passou a ser possível instaurar processos por esse motivo.
Fazes traduções literárias envolvendo a língua turca. Onde surgiu essa conexão com a língua asiática?

Através da minha relação com um curdo falante de turco. A situação da língua curda na Turquia tem muitos paralelos com a da língua galega na Galiza. De facto, o primeiro livro que traduzimos foi Made in Galiza, de Séchu Sende, do galego para o turco. Mais tarde, também foi traduzido para o curdo. Os curdos sentiram-se identificados com as histórias de Séchu. Depois da minha reforma, estudei turco. Fizemos traduções de autores curdos como Ahmed Arif, Yasar Kemal ou Mehmed Uzun, que refletem os problemas dos curdos na Turquia.
Pepa Baamonde estudou vários anos na EOI de Santiago de Compostela. Em que medida julgas que é uma formação útil para uma pessoa galegofalante?
A mim, preocupada sempre pola normalização e pouco pola padronização, ajudou-me a ver que as similitudes entre as duas línguas son tantas, desde o léxico até a sintaxe, que fora da fonética, nem me parecem duas línguas diferentes. E não estou moi certa, de que a forma em que se valoriza a fonética na EOI de Santiago seja a mais acertada.
De que forma pensas que seria mais eficaz difundir a língua portuguesa na Galiza de forma a se tornar cada vez mais natural para as pessoas?
Através da leitura, conversas, audições…não creio que tenhamos que mudar a nossa forma de falar para nos entendermos com os portugueses, eu nunca tivem problemas.
Que te motivou a te tornares sócia da Agal e que esperas do trabalho da associação?
É uma forma de colaborar na defesa do uso da língua galega na Galiza, espero que o trabalho da Agal consiga aumentar o número de primaveras para a nossa língua.
Em 2021 somamos 40 anos de oficialidade do galego. Como valorarias esse processo? Que foi o melhor e que foi o pior?
O melhor, certamente, é que agora 100% dos galegos estamos alfabetizados, sabemos ler e escrever galego. O pior são os últimos dados que nos informam de que fala galego menos do 50% da população, ademais da tendência a falar cada vez menos galego entre a infância e a mocidade.
Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2050?
Uma fotografia em que o galego fosse a Língua A em qualquer momento, lugar e situação através de todo o território galego.
Conhecendo Pepa Baamonde:
Um sítio web: iberlibro.com
Um invento: A fala
Uma música: Lela – Compositor, Rosendo Mato Hermida
Um livro: Memórias de Adriano – Autora, Margarita Yourcenar
Um facto histórico: As Irmandades da Fala
Um prato na mesa: Ovos fritos com patacas, sem esquecer o pan.
Um desporto: A natação
Um filme: O Leopardo – Diretor, Luchino Visconti
Uma maravilha: Um pôr do sol no Atlântico
Além de galego/a: chairega, cidadã do mundo mundial.