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Nove perguntas a Graça Pires

graca-piresGraça Pires nasceu na Figueira da Foz, a 22 de Novembro de 1946. Autora de mais de uma dezena de obras, o seu primeiro livro, Poemas (Vega, 1990), foi galardoado com o Prémio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores em 1988. Tem vindo a receber diversos prémios literários, destacando-se o Prémio Literário Maria Amália Vaz de Carvalho, com o livro Uma certa forma de errância (Vila Nova de Gaia: Ausência, 2003), e o Prémio Nacional Poeta Ruy Belo, com o livro O silêncio: lugar habitado (Editora Labirinto, 2009). A sua poesia está presente em várias antologias, em Portugal e no estrangeiro.

É licenciada em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e sócia da Associação Portuguesa de Escritores e da Sociedade Portuguesa de Autores. Convidámo-la a responder a nove perguntas.

1 – O mundo de hoje, assoberbado pela tecnologia e pelo ruído, ainda tem lugar para o ritmo da poesia? Porquê?
Neste tempo sem respostas há, sim, um lugar necessário, imprescindível e legítimo para o ritmo da poesia. Não é possível a humanidade sobreviver sem a voz dos poetas que são capazes de calar todos os ruídos e todos os silêncios gritantes que nos sobressaltam a existência. Porque a poesia salva e reconfigura a forma como nos relacionamos com a vida. Porque, como nos lembra José Tolentino Mendonça, “a função da poesia é reabilitar o silêncio e perfurar o ruído – o ruído que somos, o ruído que nos cerca”. Porque a poesia é um antídoto contra o desconcerto deste mundo tão subjugado pelo lucro, pela ganância, pelo consumo, pela indiferença.

2 – Quanto ao lugar da poeta no espaço público, como é encarado por si?
A poeta é “um ser social”. Na sua singularidade não pode nem deve ignorar tudo o que à sua volta se passa. E é ainda maior a sua responsabilidade por ser a poesia o lugar imaterial que ela escolhe para ser livre. No meu imaginário poético, para além das muitas emoções que o meu cariz intimista convoca, procuro não ignorar o aspecto social, a tragicidade daqueles que sofrem tanta violência, tanta exclusão manifestadas sobre várias roupagens, como uma chamada de atenção para mim própria e para quem me lê. Procuro não esquecer que o meu lugar de cidadania e liberdade é o elo que me liga aos outros, de quem preciso para sempre me reencontrar. Acredito que a poesia é uma arte de resistência ao seu próprio tempo.

No meu imaginário poético, para além das muitas emoções que o meu cariz intimista convoca, procuro não ignorar o aspecto social, a tragicidade daqueles que sofrem tanta violência, tanta exclusão manifestadas sobre várias roupagens, como uma chamada de atenção para mim própria e para quem me lê.

3 – Como foi o seu processo de despertar para a criação literária?
As vicissitudes da vida fizeram com que chegasse tarde a quase tudo. Também à escrita, também aos livros. Por isso, muito antes de escrever foi nos livros de leitura da escola, onde aprendi de cor todos os poemas, que me deparei com a música das palavras, que ecoava dentro de mim como uma fala sagrada, como uma força mágica. Quando pude escolher a minha literatura era sempre a linguagem poética que mais me atraía. Sem dúvida, que toda a leitura é selectiva e resulta das circunstâncias pessoais sociais e culturais. Foi com a leitura que pude criar a minha identidade. E a poesia foi-me acontecendo. Primeiro de uma forma ingénua, depois com “toda a inteireza do meu ser” como dizia a Sophia. Hoje olho a poesia como a absolvição das minhas fragilidades, como o meu espaço de liberdade, procurando encontrar uma linguagem estética e um sentido emocional que façam de cada poema um pedaço de vida vivida por mim e pelos outros.

4 – Fale-nos um pouco das suas motivações criativas. O que a impele?
Não escrevo quando quero. Às vezes diante da folha em branco sou um rio seco. Outras vezes é como se uma nascente me rebentasse no peito. Há uma espécie de inquietação que precede o acto de escrever. Como se houvesse um chamamento das palavras para que sobre elas me incline e me procure. Escrever poesia é um acto íntimo, mas é também um trabalho de “oficina” solitário e silencioso. É nesse labor que encontro a minha própria voz. Motivações para escrever são imensas: tudo o que leio, o que vejo, o que ouço, o que sinto. Como se os sentidos fossem a porta entreaberta para o momento prodigioso em que a palavra se revela e me redime no seio da mudança constante com que a vida se confunde. Continuo à espera de encontrar aquele poema que seja a síntese perfeita de tudo quanto o meu olhar é capaz de ver.

5 – Com que outros/as artistas – desde escritores, pintoras, músicos, cineastas, etc. – procura dialogar nas suas obras, quais são as suas grandes referências?
Ao longo do tempo foram variando as minhas referências. Sem dúvida que dialogo mais com as e os poetas. Leio muita poesia. Entendi desde logo a importância da ressonância da voz dos outros para encontrar na minha voz aquilo que a singulariza. Eduardo Lourenço ensina-nos que “é como leitores que nós somos ‘literatura’, paisagem invadida, submersa, iluminada por todas as emoções”. Pela minha vida poética passaram muitos poetas:  Sophia, Eugénio de Andrade, Pessoa, Miguel Torga, Herberto Helder, Al Berto, Fiama, Manuel Gusmão, Drummond, Neruda, Yeats, Celan, tantos e tantos outros. Também leio muita ficção, de Saramago a Camus, passando por Vergílio Ferreira, Raduan Nassar, Maria Velho da Costa. E gosto de filosofia: Voltaire, Isaiah Berlin, Bertrand Russel. E há a música clássica e o jazz. E há também a pintura, a fotografia, o cinema. Há todo um vasto campo da criação humana que me fascina. Na busca primordial ou da eternidade o homem encontrou formas estéticas ou científicas de se expressar. A criatividade é um dom inexplicável que orienta o espírito humano para um acto criador ou inventivo completamente livre e original. Como não me deixar influenciar por tudo isto, se tudo o que aprendemos e recordamos nos transfigura?

A criatividade é um dom inexplicável que orienta o espírito humano para um acto criador ou inventivo completamente livre e original. Como não me deixar influenciar por tudo isto, se tudo o que aprendemos e recordamos nos transfigura?

6 – O seu último livro é Jogo sensual no chão do peito, pela Editora Labirinto. O que gostaria de partilhar sobre ele connosco?
Em Jogo sensual no chão do peito deixei-me implicar no enredo da dança de Isadora Duncan, tornando-me ao mesmo tempo espectadora dela, o que me permitiu desocultar os sonhos, as sombras, a luz para me encontrar a mim própria em cada poema. As pessoas não são apenas o que foram, mas tudo o que podemos supor que seriam. É como se as fizéssemos nascer de novo para cumprirem uma viagem através das palavras. É o poder da inscrição da voz sobre o silêncio. É a fala da ficção dentro do poema. É ser ao mesmo tempo pensamento e representação. Incorporei a intimidade de Isadora, a bailarina que encantou e chocou o mundo, porque reconheço nela a artista que soube recuperar a inocência através da dança que lhe saía do corpo com uma perturbante plenitude. Porque foi uma mulher que desafiou um a um todos os instantes da sua vida atravessada por tantos desejos, tantos êxitos, tanta solidão, tantos enganos, sempre de uma forma fascinante e sedutora.

7 – Como poeta que escreve em português, considera importante manter o diálogo com autoras/es de outros países e regiões de língua portuguesa? Porquê?
As autoras/es de língua portuguesa, habitantes de outras geografias, são as interlocutoras privilegiadas para as e os poetas portugueses por constituírem desde logo uma enorme oportunidade de reflexão e engrandecimento da própria língua. Cada cultura percepciona o espaço e o tempo à sua maneira. Os costumes desses povos, os seus rituais, os seus usos, o seu imaginário, as suas manifestações artísticas fazem do confronto e encontro de culturas uma janela aberta à influência mútua. Se recuarmos na História sabemos que foi o mar a grande estrada de comunicação e contaminação cultural. Hoje com as novas tecnologias, é como se esses autores estivessem sempre presentes. E por isso podemos comunicar e partilhar as suas ideias através da escrita, mutuamente nos inquirindo, já que a eles ficámos ligados de forma indelével. Tem sido muito proveitoso e em alguns casos fraterno o meu diálogo com os autores e autoras de língua portuguesa nomeadamente do Brasil, de Angola e Moçambique.

8 – O que conhece da cultura galega, tem alguma referência que gostasse de destacar?
Enquanto estudante de História, curso em que me licenciei, tive um enorme interesse pela poesia lírica galego portuguesa, que corresponde a um grupo de textos poéticos “escritos numa língua notavelmente estilizada”, no dizer de Giuseppe Tavani, filólogo que, à semelhança de Luciana Stegagno Picchio estudaram aprofundadamente este fenómeno trovadoresco e com os quais pude adquirir muitos conhecimentos. Também quero salientar o impacto que tiveram em mim os Cantares Galegos de Rosalía de Castro que, pela força das suas palavras, despertou uma língua e um Povo e tão bem soube expressar os problemas dos mais desamparados com poemas que, escritos no século XIX, ainda são cheios de verdade e beleza nos nossos dias. É sem dúvida uma poesia actual e de enorme alcance universal. Ouço com muito gosto Amancio Prada a cantar não só Rosalía como as cantigas medievais. Visito online a Palavra comum – Revista Galega de Artes e Letras, onde tive o privilégio de ler uma análise literária feita pela escritora galega Maria Dovigo ao meu livro Uma vara de medir o sol.

Quem são os agentes que estabelecem esse “fraternal” diálogo entre as duas línguas e as duas culturas? Há antologias, entrevistas em jornais e revistas ligados à cultura, concertos musicais, é verdade, mas até onde chega essa informação tanto na Galiza como em Portugal?

9 – Por fim, como encara a relação entre a Galiza e Portugal e como pensa que poderia evoluir?
Tem havido um esforço de aproximação cultural entre Portugal e a Galiza, cujo impacto é difícil de avaliar. Pelo que sei, é um esforço antigo e continuado no tempo, com intercâmbios literários, musicais e de artes performativas. Mas, qual a dimensão? Quem são os agentes que estabelecem esse “fraternal” diálogo entre as duas línguas e as duas culturas? Há antologias, entrevistas em jornais e revistas ligados à cultura, concertos musicais, é verdade, mas até onde chega essa informação tanto na Galiza como em Portugal? Estas minhas questões levam-me a pensar que muito tem que ser feito para uma maior partilha. Entendo que a televisão pública devia ter um envolvimento empenhado e relevante com programação adequada a esse diálogo. Afinal temos a RTP2 para esses fins…

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