Após mais de quatro décadas de oficialidade do galego, os dados sociolinguísticos continuam a marcar mínimos históricos no uso. Para compreender o que acontece e poder intervir para reverter esta situaçom, hoje falamos com Manuel V. Bermúdez Blanco, do Serviço de Normalización Lingüística da Universidade de Santiago de Compostela.
Agora que sumamos mais de 4 décadas de oficialidade do galego, como avalias este período?
Nestes quarenta anos dá-se um fenómeno paradoxal: oficializa-se o galego e parece que começa o seu devalo. Digo que “parece”, porque na verdade o que acontece é que som dous processos que coincidem no tempo, mas que nom suponhem umha causa-efeito. Nom se oficializa e começa o descenso de falantes, mas umha e outra cousa acontecem pola mesma altura. Por quê? Há, do meu ponto de vista, três razons fundamentais que explicam o descenso do número de falantes de galego na Galiza:
- (1) A ditadura de Franco supujo quatro décadas de ideologizaçom brutal para várias geraçons, educadoras das geraçons futuras.
- (2) O processo de urbanizaçom da sociedade galega; a migraçom do âmbito rural, galegófono, a um contexto urbano, marcadamente castelhano falante;
- (3) A posta em marcha da maquinaria do Estado, a extensom dos seus serviços (sanidade, ensino, serviços sociais…), que utilizou o castelhano como idioma dominante.
Os quarenta anos posteriores de oficialidade, com políticas, a vontade, tímidas e apoucadas, dérom umha sociedade menos galeguizada. Houvo ademais políticas que alentárom a recessom. Nom há mais que lembrar o decreto de plurilinguismo de 2010 que fijo muito dano polo que di (nom se pode dar aulas de matemática em galego, por exemplo) e polo que transmite à sociedade de parte dos seus dirigentes.
Como aspeto mais negativo, considero que deve doer-nos que haja pessoas neste país, cada vez mais, que nom tenham contacto com o galego. Nenhum. Que o consideram algo alheio. Nom se situam na posiçom de rejeitá-lo ativamente, mas na consideraçom de estar convivendo de longe com umha rareza, com umha singularidade que nom vai com eles.
Como traço positivo, o galego nestes quarenta anos ganhou reconhecimento como língua de cultura e, sobretudo, como língua de ciência. Luís Porteiro Garea deu a primeira aula na Universidade de Santiago lá por 1915, hoje na USC 25 % das aulas nos cursos da USC som em língua galega, percentagem que devera aumentar nos próximos anos.
Luís Porteiro Garea deu a primeira aula na Universidade de Santiago lá por 1915, hoje na USC 25 % das aulas nos cursos da USC som em língua galega, percentagem que devera aumentar nos próximos anos.
Há poucos meses, as estatísticas situavam o galego por baixo do uso maioritário, por primeira vez na história. Que medidas cumprem para reverter o processo de substituiçom linguística?
As administraçons galegas (Junta, deputaçons, concelhos e universidades) podem fazer muito mais, mas ainda assim provavelmente nom fossem suficientes esses esforços, se os houver. A sociedade está afetada por um multiverso ao que nom se acede globalmente e eficazmente só das instituiçons. Contudo, estas podem fazer muito. Em primeiro lugar, nom colocar paus nas rodas. O governo do PP, especialmente estes últimos, fijo muito dano ao idioma. Ainda mais esses poucos anos que estivo na oposiçom, ao fazer do idioma um aríete de confrontaçom política. Também os outros dous partidos hegemónicos deviam repensar a relaçom com a política linguística; há amores que matam.
Em geral, deve-se estabelecer um pacto social pola língua. Um pacto de maiorias. Deve-se sacar a língua da política ruim, do debate político miserável, e metê-la na política de altura. Também se devera ter umha estratégia de país, mas com açons diferenciadas dependendo do território, do setor social, das idades etc.
Já mais no concreto, podia-se começar polo sistema educativo, por que as distintas fases do ensino fossem lugares de mergulho em língua galega. Agora dá-se o efeito contrário. Somos muitos pais e nais os que mandamos às escolas infantis crianças galegofalantes e no primeiro mês o sistema reverte esta situaçom; onde era borboleta, agora som mariposas…; em segundo lugar, no tecido empresarial e dos serviços podiam-se estabelecer açons que figessem aumentar a percentagem de uso do galego; em terceiro lugar, haveria que fazer entender o galego como algo útil, especialmente no mundo global em que estamos mergulhados. Aqui a conexom com o mundo lusófono é essencial e há que valorizá-la.
Somos muitos pais e nais os que mandamos às escolas infantis crianças galegofalantes e no primeiro mês o sistema reverte esta situaçom; onde era borboleta, agora som mariposas…; em segundo lugar, no tecido empresarial e dos serviços podiam-se estabelecer açons que figessem aumentar a percentagem de uso do galego; em terceiro lugar, haveria que fazer entender o galego como algo útil, especialmente no mundo global em que estamos mergulhados. Aqui a conexom com o mundo lusófono é essencial e há que valorizá-la.
Qual é o teu papel ou o da equipa/serviço de normalizaçom linguística na Universidade de Santiago de Compostela? Quais som os principais desafios do vosso trabalho?
Som técnico do SNL da Universidade de Santiago de Compostela, responsável da Área de Assessoramento Linguístico, ainda que com um labor mui imbricado com a dinamizaçom, com a terminologia e com a formaçom.
Atualmente estamos em 25 % de docência em galego na USC, mas com valores mui diferentes dependendo do curso ao que nos refiramos. Temos umhas percentagens boíssimas em centros como CC da Comunicaçom, mas mui baixas em cursos do âmbito sanitário. Deveríamos aumentar esta percentagem geral e também estabelecer umhas estratégias por centros, pois cada um deve ter umhas metas diferentes, pois partem de situaçons de partida também diferentes. À parte da docência, haveria que incidir na galeguizaçom da vida universitária. A universidade é mais que aulas em que se imparte a docência: há laboratórios, centros desportivos, associaçons estudantis etc.
À parte da docência, haveria que incidir na galeguizaçom da vida universitária. A universidade é mais que aulas em que se imparte a docência: há laboratórios, centros desportivos, associaçons estudantis etc.
Que necessidades observades no dia a dia?
Podíamos ter mais médios mas, sobretudo, devemos estabelecer o que queremos fazer, qual é a estratégia que devemos seguir. Se a USC quigesse dar mais passos decididos na direçom correta, seria suficiente. O caso é que se estabelecem políticas decididas em sacar as vagas de professorado com perfil linguístico ou nom se marcam percentagens mínimas nos cursos de galeguizaçom. Se se quigesse, poderiam fazê-lo, mas nom há vontade política.
Temos umha oportunidade, a USC, como o resto das universidades, vai sofrer um processo de mudança motivado pola renovaçom do seu pessoal. Vai haver umha mudança histórica, pois a idade média do seu quadro de pessoal é de mais de cinquenta e cinco anos. Isto pode supor umha conjuntura propícia para a língua, se somos capazes de acompanhar essa renovaçom com ir ganhando certo equilíbrio das línguas na contorna universitária.
Temos umha oportunidade, a USC, como o resto das universidades, vai sofrer um processo de mudança motivado pola renovaçom do seu pessoal. Vai haver umha mudança histórica, pois a idade média do seu quadro de pessoal é de mais de cinquenta e cinco anos. Isto pode supor umha conjuntura propícia para a língua, se somos capazes de acompanhar essa renovaçom com ir ganhando certo equilíbrio das línguas na contorna universitária.
Como pensas que poderia ser tida em conta a língua portuguesa na universidade para reforçar a normalizaçom linguística?
O português devera ter sido em conta em várias perspetivas. O galego, através do português, merece ser considerado umha língua de uso internacional. As galegas e os galegos temos algo que nos fai diferentes. Vivemos numha coordenada geográfica interessantíssima do ponto de vista linguístico. Um dos primeiros e mais importantes processos de globalizaçom da história deu-se entre os séculos XV e XVI, época em que os reinos de Portugal e de Castela competiam para dominar o mundo e para buscar vias comerciais para as especiarias orientais. O português e o castelhano encontram-se, por essas razons históricas, entre as línguas mais faladas do mundo. O espanhol é a língua nativa de quase quinhentos milhons de pessoas; um lisboeta pode falar com um número de pessoas mui elevado, e é um privilegiado por isso. Mas umha pessoa galega, umha aluna da nossa Universidade, pode somar esses dous idiomas na sua mochila de comunicaçom. E isso supom um valor único.
O português devera ter sido em conta em várias perspetivas. O galego, através do português, merece ser considerado umha língua de uso internacional. As galegas e os galegos temos algo que nos fai diferentes. Vivemos numha coordenada geográfica interessantíssima do ponto de vista linguístico.
O português devera ter sido em conta em várias perspetivas. O galego, através do português, merece ser considerado umha língua de uso internacional. As galegas e os galegos temos algo que nos fai diferentes. Vivemos numha coordenada geográfica interessantíssima do ponto de vista linguístico.
Além da oportunidade que supom o galego como impulsor da captaçom de alunado internacional, as universidades galegas, nom só a USC, devem pôr em valor a achega linguística singular que lhes podemos oferecer ao nosso alunado. Poder estudar em galego oferece umhas oportunidades que há que pôr em valor como preparaçom para um mercado laboral cada vez mais diverso e com a vista posta longe das nossas fronteiras.
Qual é a fotografia linguística que imaginas dentro de vinte anos?
Nom vejo nos próximos vinte anos nada que poda mudar abruptamente o processo de que estamos a viver na atualidade, no que convive o processo de substituiçom com os movimentos que procuram a sua contençom.
Em todo caso, vejo que se pode correr o risco de que a sociedade acabe segmentada em quanto a sua relaçom com a língua. Se nom se ponhem os médios para impedi-lo, vai haver pessoas que se desenvolvam plenamente em galego em cada vez mais âmbitos, mas vai haver muitas mais que nom tenham relaçom com o galego natural, que nom escutem durante dias pessoas que falam galego, que tampouco leiam e que nom tenham a disposiçom de ver um filme na nossa língua.
Em vinte anos também vejo umha sociedade mais diversa. Em cidades como Santiago ou Vigo falam-se já muitas línguas. Quarenta, cinquenta? Algumhas línguas europeias, mas muitas africanas ou asiáticas. Também o coletivo castelhano falante mudou. Tradicionalmente as pessoas que falavam castelhano na Galiza eram, na sua maioria, de origem galega. Agora e, sobretudo no futuro, vai haver umha maior percentagem deste coletivo que sejam pessoas migrantes ou filhos delas. Pessoas que venham do Equador, Colômbia ou Argentina. Lugares em que o idioma é, em maior medida que aqui, umha marca de classe. As novas políticas linguísticas hám ter em conta também estas novas realidades, se nom estarám abocadas ao fracasso.