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José Rui Simões Mateus: “A fronteira que nos divide é a escrita”

José Rui Simões Mateus é um cidadão português. As suas visitas a Galiza foram sempre numerosas e a comunicação com os amigos galegos era ao princípio apenas em espanhol, agora já não, e isso tem “afluentes” O seu interesse pelo galego leva-o a ler a nossa literatura e fazer descobertas. Julga que a sociedade portuguesa tem muito a ganhar se descobre o que os manuais escolares ocultaram, que o galego-português não é apenas um lema medieval.

O nosso novo sócio é português e reside atualmente em Sesimbra, a 30 km de Lisboa. Como foi o contacto com a realidade linguística, e não só, da Galiza?

O meu contacto com a Galiza foi sempre feito pela proximidade ao norte de Portugal, nas visitas que fiz em férias ou para fazer os Caminhos de Santiago. Ir à Galiza era também ir a Espanha, e a língua que utilizei nestas visitas, sempre foi o espanhol, dado que sou estudante de espanhol como língua estrangeira em Portugal. Apesar de não me expressar em português nas minhas visitas à Galiza, tive sempre presente, o sentimento de proximidade que sentimos existir entre a Galiza e Portugal, sendo sempre muito bem recebido em todas as interações com os galegos. Acabei por fazer muitos amigos na Galiza que mantenho desde há muitos anos.

Relativamente ao galego, da mesma forma que na Galiza, no senso comum, se entende o português como uma língua diferente do galego, também em Portugal, temos essa noção. Não há consciência de que são duas variantes da mesma língua. Essa noção perdeu-se por não haver informação nesse sentido.

Já houve muitas visitas à Galiza e, via de regra, os amigos galegos conversavam consigo em espanhol. Esta descoberta do galego poderá propiciar que exista uma comunicação diferente?

A “descoberta” do galego, surgiu pelo interesse que tive, quando no contacto com amigos galego-falantes estes me perguntaram, porque não aprendes galego? Ao que eu (que não tinha ainda pensado no tema) respondi: Parece-me que não vou conseguir aprender o galego, porque sendo português, e falando espanhol, vai ser muito difícil para mim diferenciar as fronteiras entre os três idiomas, que são muito semelhantes… foi então que surgiu a curiosidade por saber mais sobre o galego, e comecei a procurar ler alguns livros em galego. Ao ler o galego não há grande dificuldade, para um falante de português, sobretudo conhecendo a norma de escrita castelhana, em entender o texto, mas a diferença na grafia faz-nos sentir que não estamos na mesma língua. No entanto quando transpomos o mesmo texto para a norma da AGAL, com ortografia que utilizamos em português, o texto revela-se e não restam dúvidas que estamos perante uma variante do mesmo idioma. Logo a fronteira que nos divide é a escrita.

Então penso que partimos ambos (portugueses e galegos) de um mesmo conceito, errado, de que estamos perante 2 idiomas diferentes, porque isso foi o que nos foi transmitido na nossa educação escolar, mas quando nos debruçamos sobre o assunto com “olhos de ler”, cada um de nós “descobre” que estamos perante o mesmo sistema linguístico. Esta descoberta dá-se e, é igual, tanto para o leitor português, como para o leitor galego.

Então penso que partimos ambos (portugueses e galegos) de um mesmo conceito, errado, de que estamos perante 2 idiomas diferentes, porque isso foi o que nos foi transmitido na nossa educação escolar, mas quando nos debruçamos sobre o assunto com “olhos de ler”, cada um de nós “descobre” que estamos perante o mesmo sistema linguístico. Esta descoberta dá-se e, é igual, tanto para o leitor português, como para o leitor galego.

Atualmente tento falar mais em português do que em espanhol com os meus amigos galegos e observo que os galego-falantes respondem em galego e denotam entender bem o que digo, já os que só falam castelhano, não conseguem, em regra, entender o meu português, então vejo-me obrigado a mudar o idioma para o espanhol.

Já do lado português, a Galiza e a língua surge incontornavelmente no período escolar obrigatório para depois sumir. Porque julga que ocorre esse “sumiço”? O que teria a ganhar a sociedade portuguesa com um saber mais profundo da realidade galega?

No sistema de ensino em Portugal, não sei como o tema do Galaico-português é apresentado atualmente aos jovens, no entanto na minha altura, no estudo da literatura medieval (cantigas de amigo; de escárnio e mal dizer e o teatro de Gil Vicente), era referido o Galaico-português como sendo a língua mãe, que deu origem ao português, na altura falada a norte do rio Minho, mas não se enfatizava que a Galiza deu continuidade a essa mesma língua até aos dias de hoje.

A ausência de estudo no ensino obrigatório português, da questão identitária da Galiza (desde logo a questão da língua) penso que se prende com a imagem que se pretende passar da Espanha como um país unitário, será “uma mensagem passada de Estado para Estado”, isto acontece também relativamente aos outros idiomas “minoritários” falados em Espanha.

A sociedade portuguesa teria desde logo muito a ganhar com o conhecimento mais aprofundado da realidade galega, sobretudo a sul do país, onde a Galiza é menos conhecida, dada a distância.

O Interesse de partilha de um mesmo idioma atrai inevitavelmente, os falantes do português, promovendo as deslocações e as trocas comerciais dinamizando os fluxos turísticos do Sul / Lisboa para a Galiza.

Do ponto de vista cultural, abrem-se várias áreas de interesse; procura de literatura escrita em galego, procura de audiovisuais; já começa a ser uma realidade na NETFLIX, através de uma oferta de séries galegas de muita qualidade que podemos facilmente partilhar nas nossas redes sociais.

Quais julga que seriam as melhores maneiras de mostrar a realidade galega à sociedade portuguesa?

Penso que, uma das melhores maneiras de apresentar a Galiza à sociedade portuguesa pode ser precisamente, dando ênfase do Idioma comum. Afinal, é esse o principal elemento de diferenciação da Galiza relativamente às outras regiões espanholas e aquele que, sem dúvida, mais nos aproxima. O que me pode fazer querer ir à Galiza para além do Caminho de Santiago? Pode ser a expectativa de poder falar português com quem pensamos à partida, que nos entende apenas em espanhol. Por isso a valorização do facto de haver um Idioma comum pode ser um aspeto muito interessante de aproximação.

A literatura na sua norma reintegrada poderia ser sem dúvida, uma forma de apresentar e dar a conhecer a Galiza em Portugal. A presença de bancas de “literatura galega” em qualquer livraria portuguesa seria certamente uma fonte de interesse, que ganharia leitores dado o interesse em conhecer a variante galega do nosso idioma.

A divulgação da música e do folclore galego seriam também pontes muito interessantes.

O José está a ler o Scórpio, do Carvalho Calero e leu ainda outros autores da Galiza. Podia falar-nos dessa experiência leitora?

Comecei por ler “outros Feirantes” de Álvaro Cunqueiro. Foi uma experiência interessante. Exige algum esforço de adaptação já que o texto está escrito na norma oficial, com um vocabulário muito específico ligado à Galiza rural (corrijam-me se estiver enganado), esta ortografia é mais distante do português, e mais próxima do castelhano. O meu contacto com a Galiza de vários anos ajudou-me a entender quase todo o vocabulário sem ter que recorrer a um dicionário, mas não seria um livro de leitura fácil para um lusófono que não tenha tido contacto prévio com o Galego.

A experiência de leitura do Scórpio foi completamente diferente. Para além de ser uma obra de muita qualidade literária, e externamente interessante, proporciona uma leitura muito agradável para um português. Recomendei de seguida a experiência de leitura desse livro a várias pessoas que, como eu, gostam de ler, e partilham interesses por questões linguísticas.

Se o Scórpio está escrito em galego reintegrado, então para um leitor lusófono, é uma obra literária que pertence ao mundo da Lusofonia, eu diria de “leitura obrigatória”, para quem se interessa pelos temas de literatura de raiz lusófona. E o melhor é que “pede mais”! Ler Carvalho Calero desperta num lusófono a vontade de ler mais, conhecer outros autores galegos, e também é assim que se difunde a literatura, e nasce o interesse pela cultura galega fora da Galiza.

Ler Carvalho Calero desperta num lusófono a vontade de ler mais, conhecer outros autores galegos, e também é assim que se difunde a literatura, e nasce o interesse pela cultura galega fora da Galiza.

Que o motivou a se tornar sócio da Agal e que espera do trabalho da associação?

Decidi ser sócio da AGAL por me sentir identificado com o projeto, é claro para mim que o futuro do galego passa pela convergência com as outras variantes da língua, com todas as vantagens que daí possam advir para todos os falantes do galego, que para além do espanhol passam a dominar outra língua que está presente em grandes mercados do futuro, como o Gigante Brasileiro.

Como gostaria que fosse a “fotografia linguística” do relacionamento galego e português em 2050?

Gostaria que a fotografia linguística em 2050 fosse um continuo Galaico-Português de Ferrol a Faro.

Conhecendo José Rui Simões Mateus:

Um sítio web: amazon
Um invento: Telefone
Uma música: Mozart
Um livro: Memorial do Convento
Um facto histórico: Civilização Faraónica
Um prato na mesa: Bacalhau
Um desporto: Caminhada
Um filme: Avatar
Uma maravilha: O Oceano
Além de português: Lusófono.

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