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José Ramom Pichel: “Em Portugal sem a Lei Paz-Andrade, qualquer português/a pode ver televisão galega e na Galiza com a Lei Paz-Andrade, nenhum galego/a pode ver as televisões portuguesas”

A Lei nº 1/2014, do 24 de março, para o aproveitamento da língua portuguesa e vínculos com a lusofonia, conhecida popularmente como Lei Valentim Paz-Andrade, foi aprovada por unanimidade no Parlamento da Galiza há agora uma década. Falamos com um dos promotores da Iniciativa Legislativa Popular que levou este texto a Lei, José Ramom Pichel, para avaliar o percurso dos primeiros dez anos desta.

Neste ano completárom-se 10 anos da aprovaçom da Lei Paz Andrade, qual é a tua avaliaçom sobre a sua aplicaçom durante esta década de vigência?

Se falarmos do ambiente criado por esta lei, penso que foi muito positiva, porque fijo com que o português deixasse de ser uma ameaça na Galiza, para passar a ser Portugal um lugar estratégico para o nosso presente e futuro com o qual temos de nos reencontrar. Se nos referirmos aos avanços significativos nos artigos da lei, parece-me que dos cinco artigos, à exceção do quinto que é fazer um seguimento anual e o 4.2 relacionado com o audiovisual, os restantes precisam de mais ambição. Às vezes parece que o cumprimento da lei Paz-Andrade é a realização de qualquer tipo de projeto com Portugal, o qual é muito importante e até deveria ser uma questão normal para qualquer pessoa da Galiza, mas não é necessariamente um avanço da lei.

Em relação aos outros artigos, poderíamos falar de como estamos longe de converter o português numa segunda língua estratégica na Galiza, sobretudo no que diz respeito à aprendizagem massiva do padrão português europeu no ensino público e polos funcionários públicos. Basta ver o número de vagas anuais em português que são oferecidas na Galiza e até as vagas retiradas, como é o caso de um terceiro lugar nas aulas de português na EOI de Lugo, e sobretudo comparar isto com a aposta estratégica da Junta de Extremadura na aprendizagem do português, governar quem governar. Ainda houvo na semana anterior um tweet do governo de Extremadura que dizia o seguinte: “El Plan Portugal avanza en el sistema educativo de #Extremadura y el próximo curso escolar habrá 27 nuevos centros en los que será posible aprender la lengua de nuestros vecinos y de 260 millones en los 5 continentes”.

Gostaria agora de me centrar no artigo 4º, porque, por um lado, o 4.1, que é muito importante, está completamente por aplicar e, por outro lado, o 4.2 está a avançar a bom ritmo. O artigo 4.1, no qual participei com vários engenheiros de telecomunicações na proposta técnica da lei, é um artigo sobre a promoção, de acordo com a diretiva europeia, da receção recíproca da televisão de Portugal na Galiza e da televisão da Galiza em Portugal. O meu resumo é o seguinte, agora que acabo de regressar de trabalhar na cidade do Porto: Em Portugal sem a Lei Paz-Andrade, qualquer português/a pode ver televisão galega e na Galiza com a Lei Paz-Andrade, nenhum galego/a pode ver as televisões portuguesas.

No entanto, em termos de progresso, penso que o artigo 4.2 iniciou um bom caminho e na verdade acho o artigo mais avançado, com as suas luzes e sombras linguísticas da que podemos falar depois. Também existe um bom avanço com os “apuntamentos lusófonos” do Digochoeu, com as co-produções em séries galego-portuguesas ou com os programas conjuntos galego-portugueses entre a TVG e a RTP. A luz e a sombra linguística é que vim o Hotel Vidago em Portugal na versão original onde se ouve a variante portuguesa, brasileira e galega. No entanto, vi-na na Galiza e foi dobrada, polo que não se tem realmente contacto com as variantes portuguesa e brasileira da língua. Com estes pequenos pormenores desactivam uma lei que contou com tanto esforço. É como fazer uma obra numa casa durante meses e, no final, apercebermo-nos de que as paredes foram pintadas de outra cor que não escolhemos. E também a sombra foi que no Digochoeu parece que estavam mais obcecados em encontrar as diferenças entre as duas variedades da língua, que obviamente existem como em qualquer língua falada em vários Estados (espanhol, inglês ou francês), do que em reconhecer que qualquer pessoa pode compreender línguas vizinhas (como o italiano ou o catalão) mas não pode comunicar nelas sem as ter estudado. Dito doutro jeito: se consegues falar e comunicar desde o primeiro minuto numa língua sem a ter estudado, tenho de che dar uma má notícia: não és mais inteligente. É só que estas a falar na mesma língua da outra pessoa.

Se consegues falar e comunicar desde o primeiro minuto numa língua sem a ter estudado, tenho de che dar uma má notícia: não és mais inteligente. É só que estas a falar na mesma língua da outra pessoa.

Que acertos e que erros podes identificar olhando para atrás, desde hoje?

Para mim, o principal acerto foi o facto de que criarmos colectivamente os alicerces duma ponte legal linguística com Portugal através de uma lei consensuada com todos os partidos políticos do nosso Parlamento. O acerto foi iniciar o caminho para que as futuras gerações galegas podam acceder a conhecer o padrão do português europeu e a cultura portuguesa, que também fai parte de nós. Também foi um sucesso ver como pessoas de diferentes trabalhos e profissões, que nada têm a ver com estes assuntos, estão cada vez mais interessadas na relação com Portugal através da nossa língua comum, sem qualquer tipo de preconceito. E, sobretudo acho que o acerto principal foi criarmos as bases para um futuro mais sólido das relações económicas e de mobilidade entre a Galiza e Portugal através da nossa língua. Por fim, graças a esta lei (artigo 3º), já não é surpreendente que diferentes organizações e instituições galegas, estejam na CPLP como observadores, tais como a Academia Galega da Língua Portuguesa, os docentes de português na Galiza, o Consello da Cultura Galega e, agora, a boa notícia da inclusão da AGAL.

Já não é surpreendente que diferentes organizações e instituições galegas, estejam na CPLP como observadores, tais como a Academia Galega da Língua Portuguesa, os docentes de português na Galiza, o Consello da Cultura Galega e, agora, a boa notícia da inclusão da AGAL.

No entanto, para mim, desde o 2014 o principal erro foi pensarmos que a cultura galega em geral ia fazer algo diferente após esta lei. Acho que a Paz-Andrade, que tinha descontraído o ambiente, não conseguiu que os promotores do galego autonomizado e mesmo que alguns sectores do galego reintegrado saíssem do que sabem fazer. Parece-me que os defensores da sobrevivência do galego continuam a se comportar como plantas em vasos grandes, nos quais ainda continua a inércia de termos respirado um ar viciado. No entanto, quando o ar mudou graças a esta nova lei, e tudo se tornou mais respirável, em vez de o aproveitarem e pensarem em estender os galhos procurando nova luz, aprofundaram mais nas suas raízes. Cada um nas suas. É engraçado porque muitos dos promotores das principais estratégias linguísticas na Galiza têm nomes relacionados com a botânica: Filgueira, Pinheiro ou Carvalho.

Assim, desde a Paz-Andrade sectores do galego autonómico continuarom a tentar separar mais a língua com alianças ainda mais visíveis com sectores em Portugal e no Brasil que promovem a separação do português em três línguas vizinhas mas diferentes: galego, português e brasileiro. Para que se perceba na Galiza o que isto significa, é semelhante a se aliar com sectores que promovem para o catalão a separação em catalão, valenciano e balear; ou para o basco em biscainho, guipuzcoano, navarro, laburtano, etc. Também até falando da prioridade do reencontro linguístico com Portugal, muitos defensores do galego autonomizado com algumas excepções este mesmo ano não quigerom aproveitar o facto de o galego poder tornar-se oficial na Europa através do português, negociando a inclusão da nossa variedade como a variante austríaca do alemão fijo com o alemão (alto-alemão acho). Uma proposta magnífica do professor da Universidade Nova de Lisboa e excelente divulgador linguístico Marco Neves. A sua ideia não foi transformada pola Paz-Andrade, porque a sua ideia continua a ser a de aspirar linguisticamente a serem como os catalães e os bascos. Se eles querem, porque precisam o oficialidade da sua língua na Europa, nós também. É evidente que apoio a legalidade das duas línguas na Europa, mas nós podemos e devemos aspirar a algo diferente.

E no caso do aprofundamento nas suas raízes duma parte do reintegracionismo após o sucesso da aprovação da Paz-Andrade, a proposta mais visível foi voltarmos ao início: falar de normativas. E mesmo falar de tolerância normativa. Um assunto que, para mim, levanta várias questões. Se os galegos e galegas não sabem português, como é que vão ver que é interessante usar a sua ortografia para o galego, quando é ensinado que o português é uma língua diferente? Como é que eles vão identificar a tolerância normativa como algo interessante, quando também aprendem nas aulas de galego que o português é uma ameaça tão grande como o castelhano? Felizmente penso que esta ideia está a ser gradualmente abandonada e começamos a ver projectos interessantes, relacionados com a importância de termos mais relações económicas e de mobilidade entre a Galiza e Portugal, onde a língua seja um diamante comum.

Que vias achas que é mais conveniente apanhar, de agora em diante para otimizar o seu desenvolvimento?

Creio que o primeiro e mais urgente é que os partidos políticos que aprovarom a Paz-Andrade e os partidos galegos em geral aprendam dos acertos da Extremadura com o seu “Plan Portugal”. E que as instituições linguísticas e culturais galegas e tudo o que rodeia o galego autonomizado: associações, jornais, empresas, etc.; compreendam de vez que o português não é uma ameaça para o galego, antes polo contrário. Que compreendam que o português vai ser um fator de revitalização para o galego muito importante, sobretudo no mundo urbano. E que cada um faga no seu âmbito de ação o que a Extremadura está a fazer, que está a fazer muitíssimo melhor do que nós. Já agora, estou convencido de que os sectores culturais mais dinâmicos do galego autonomizado estão a se dar de conta que estamos num processo de beco sem saída e começarão a levar a sério a importância fulcral da relação com Portugal. Ver livros da Através em muitas livrarias portuguesas é uma grande alegria, ver o Diretor da Faculdade de Filologia Elias Torres Feijó ou o professor da mesma faculdade Carlos Quiroga no Jornal de Letras é o caminho para a normalidade das relações no mundo da cultura.

Mas voltando à questão, ou nós, galegos e galegas, aprendemos a interagir com os portugueses na Europa do espaço Shengen num bom galego melhorado através do conhecimento do português padrão europeu, ou esta relação será como qualquer pessoa espanhola em castelhano ou inglês, se exceptuarmos muitos extremenhos e extremenhas. Para que isso aconteça, é imprescindível que, por um lado, se aumente suficientemente o número de vagas de português para que o português se torne a segunda língua depois do inglês e, por outro lado, que o português seja incluído também nas aulas de galego e de literatura galega. É incrível que uma criança galega saiba que pode ler Galdós nas aulas de espanhol e não saiba que pode ler Eça de Queiroz nas aulas de galego. Outra via que penso que devemos explorar, agora que existe a possibilidade de um novo ambiente para um novo acordo para o galego, é que os planos de normalização linguística futuros integrem também os artigos e compromissos da Paz-Andrade.

Por último, creio que é importante repensar a Galiza e Portugal a partir de um centro independente que reúna o pensamento e a investigação que já existe e a que falta fazer sobre diferentes temas comuns fora da língua e por pares galego-portugueses. Para dar à língua o destaque que ela merece, é importante que não seja o tema principal. Falar a língua como a falamos na Galiza em Portugal sem lhe dar importância, segundo a minha experiência, só abre as outras portas, que são as importantes para reforçar esta relação. Temos muitos assuntos em comum e também diferenças institucionais. Mas é evidente que se queremos que o Atlântico seja um dos nós relevantes europeus, estamos condenados a este encontro.

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