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Galiza: da língua espanholizada à língua galega no mundo

Esta comunicação não pretende ser académica pois os amores e os sentimentos não se podem dissecar num laboratório. A minha ligação à Galiza parece datar de 988 AD, segundo me contou a minha avó paterna que era brasileira carioca, de sangue minhoto e galego. Fui a Celanova em 1960 ver o sítio onde tudo começou, regressei várias vezes depois disso, e levei lá o meu filho mais novo para que ele conhecesse as origens. Aprendi com os aborígenes australianos a preservar na oralidade a história tal como eles o fizeram ao longo de mais de 65 mil anos.

Gostei de imaginar-me ali num passado longínquo, coevo de Dom Nuno de Cellanova, senhor do condado e alferes de Raimundo de Borgonha que casou com D. Sancha de quem teve D. Sancho Nunes de Cellanova ou de Barbosa (1070 -1130). Este casou por duas vezes, a primeira com D. Sancha Henriques (1097 – 1163), infanta de Portugal, filha de Teresa de Leão e do Conde D. Henrique de Borgonha, conde de Portucale. O segundo matrimónio foi com D. Teresa Mendes, filha de D. Urraca Mendes, senhora da Casa de Barbosa, e de Mem Nunes de Riba Douro. É deste segundo matrimónio que descendemos.[1]

Regressando ao século 21, conheci em 2002, no 1º colóquio, no Porto, um jovem empresário que sonhava com uma Galiza lusófona. Foi ele, Ângelo Cristóvão, o meu guia da história que não aprendemos. Portugal e Galiza são povos irmãos que vivem de costas voltadas, como se tivessem um imenso mar a separá-los. O desconhecimento mútuo é generalizado e aumenta à medida que a ignorância dos mais jovens se solidifica em resumos da História que deveriam estudar em detalhe e minúcia. Na escola falam-nos da variante galega como quem fala das guerras entre Esparta e Atenas, num passado demasiado longínquo, nesta portuguesa mania de desvalorizar a história, que fez de todos nós o que somos hoje. O problema começa por ser político e sensível, de difícil resolução e menos vontade política de o abordar. Só os poetas e os sonhadores utópicos, essa elite que pode mover nações e gerar a diferença entre a vida e morte das civilizações, acreditam que o futuro da Galiza passa pela unificação da língua escrita através do Acordo Ortográfico de 1990, esse vital instrumento a brandir contra o status quo da imutabilidade histórica dos reinos.

A história sempre se fez de guerras e de casamentos entre as tribos, hoje faz-se pela globalização económica que desconhece as fronteiras marcadas em tempos imemoriais pelos homens e é aí que a língua comum assume um papel vital de moeda de troca entre os povos. Mesmo os que sempre se insurgiram contra a Lusofonia surgem agora vocais e aparentes paladinos da mesma, para a captação de um mercado de mais de 240 milhões de almas. Se a guerra dos afetos entre povos irmãos parecia exclusiva da coutada dos poetas, agora desponta o interesse económico nessa cruzada da língua comum, como motor capaz de inverter políticas centralistas e nacionalistas de séculos. Nisso reside a grande arma que devemos utilizar, neste nosso longo caminho de sobreviver através da língua e cultura comuns, em vez de ficarmos marginalizados em variantes e dialetos redutores da enorme identidade global que é a Lusofonia sem distinção de nações, credos ou etnias. Não queremos um Quinto Império para reviver glórias de outrora, pretendemos apenas dar voz a todos os que se expressam e trabalham nessa língua a que chamamos nossa.

Em 2014 aprovou-se, por unanimidade no Parlamento Autónomo da Galiza, a chamada “Lei Paz-Andrade”, para a inclusão do ensino da língua portuguesa nos centros escolares do ensino primário e secundário, a promoção de conteúdos em português nos meios de comunicação social públicos, e a inserção das instituições públicas galegas nos organismos internacionais do espaço de língua portuguesa.

Em 2015, o Instituto Camões assinou um Memorando de Entendimento com o Governo Autónomo Galego, visando formar professores e estabelecer critérios de avaliação para o ensino da língua portuguesa. Ainda em 2015, a Presidência da República outorgou a Medalha de Ouro do Infante D. Henrique ao Presidente do Governo Regional, Alberto Núñez Feijóo, o que nos surpreendeu pois não reconhecemos a esse líder qualquer empenho na defesa da língua. Em 13 de julho 2017 a Galiza decidiu homenagear Cavaco e Silva com a Medalha de Ouro.

Chegam-nos, porém, notícias preocupantes sobre a real implementação da Lei Paz-Andrade. A expansão do ensino da língua portuguesa – que foi de 850 no curso anterior para 1850 alunos –, deveu-se exclusivamente à iniciativa dos pais dos alunos ou das entidades culturais privadas, sendo que o Governo Autónomo não transmitiu, a este respeito, qualquer instrução nem informação aos responsáveis dos centros escolares, parecendo assim não estar minimamente empenhado na real implementação da referida Lei. Quanto à rádio e televisão públicas, apenas se registam, colaborações esporádicas, como ocasionalmente já acontecia.

Entretanto, fomos confrontados com a aprovação da candidatura do “Consello da Cultura Galega”, organismo público financiado pelos contribuintes galegos, ao estatuto de Observador Consultivo da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), foi aprovada por unanimidade pelo Comité de Concertação Permanente da CPLP. Sabemos todos como esta entidade tem defendido publicamente que “a língua galega é independente da língua portuguesa” (sic), pelo que não faz sentido aceitar na CPLP uma entidade que promove o isolacionismo, a menos que esta se alie a uma AGLP rumo à convergência linguística e cultural com os restantes países e regiões do espaço lusófono.

A nossa perplexidade é hoje tanto maior porquanto, em 2011, Portugal vetou a candidatura da Fundação Academia Galega da Língua Portuguesa – ao mesmo estatuto de Observador Consultivo da CPLP. Vejamos como tudo se passou: no XIII colóquio anual da lusofonia “AÇORIANÓPOLIS” em Santa Catarina, Brasil em abril 2010, os Colóquios da Lusofonia lançaram o repto[2] à Academia Brasileira de Letras, à Academia das Ciências de Lisboa e a todas as entidades para apoiarem a imediata inclusão da AGLP com o estatuto de observador na CPLP, e comprometeram-se a envidar todos os esforços para a consecução de tal desiderato[3].

 

Em 22 de julho 2016, a CPLP anunciou a admissão da AGLP sob proposta do país anfitrião (Angola). A mesma, surpreendentemente, foi retirada da página oficial da CPLP umas horas depois sem qualquer explicação, pelo que as celebrações de júbilo na Galiza e no resto do mundo duraram apenas oito horas. Veio, posteriormente a saber-se que fora Portugal que sempre apoiara a proposta da AGLP integrar a CPLP com o estatuto de observador quem vetara no último momento, quando o MNE Paulo Portas se ausentou para que a votação não fosse aprovada unanimemente.

Em Vila do Porto em 5 out 2011, o XVI Colóquio da Lusofonia aprovou (citamos)

[…] uma declaração de repúdio pela atitude de Portugál olvidando séculos de história comum da língua, ao excluir a Galiza – representada pela AGLP – do seio das comunidades de fala lusófona. A Galiza esteve sempre representada desde 1986 em todas as reuniões relativas ao novo acordo ortográfico e o seu léxico está já integrado em vários dicionários e corretores ortográficos. A sua exclusão à última hora do seio da CPLP representa um grave erro histórico, político e linguístico que urge corrigir urgentementeA AICL entende que não faz sentido aceitar como observadores países sem afinidades diretas ou indiretas à Lusofonia, a Portugal e sua língua e deixar de fora a região onde nasceu a língua portuguesa há mais de dez séculos. É um crime de lesa língua de todos nós.

A Língua que se fala na Galiza é uma variante do Português como a do Brasil, Angola, Moçambique e tantas outras, com a peculiaridade de ter sido o berço da mesma língua comum, e jamais houve exclusão por parte da CPLP das regiões lusofalantes do mundo. Trata-se de uma medida obviamente ditada por preconceitos políticos e contra a qual a AICL se manifesta veementemente não só apoiando a subscrição da Petição como encorajando todos os seus associados e participantes nas suas iniciativas a protestarem publicamente contra esta injustiça feita à língua portuguesa e à AGLP. Iremos manifestar o nosso desacordo de todas as formas possíveis e ao nosso alcance até ver reposta a equidade da proposta de admissão da Galiza através da AGLP no seio da CPLP. Chrys Chrystello, Presidente da Direção da AICL (fim de citação)

Como pais putativos da AGLP sempre entendemos que esta deveria ser o interlocutor privilegiado com a CPLP, ao contrário do entendimento do ex-Instituto Camões e de outras entidades. Foi isso que levou o 18º colóquio em 2012 à Galiza onde regressaremos para o 29º colóquio em 2018. Queremos fortalecer o que nos une e que é património imaterial de tantos e, por isso, foi, com natural e redobrada alegria que em 21 de julho 2017 assistimos ao anúncio em Brasília, de que, finalmente, a AGLP tinha sido admitida como Observadora no seio da CPLP. Só a perseverança, a diplomacia silenciosa e o engenho de Ângelo Cristóvão e outros poderiam antever este desfecho feliz.

 

Afinal como vai a língua portuguesa no mundo? E as suas derivadas ainda sobrevivem?

Hoje fala-se mais Português em Angola do que no tempo da colonização apesar da forte competição das línguas nativas. Em Goa existe um recrudescimento do interesse pela língua portuguesa e novos livros têm surgido mais de 50 anos após a extinção da presença lusófona. Em Malaca, na Malásia, cerca de 1.000 pessoas falam um crioulo tal como 80 % dos antigos habitantes falava Papiá Kristang, que também é falado atualmente em Singapura e Kuala Lumpur, sendo muito parecido com o malaio local na sua estrutura gramatical, mas 95% do seu vocabulário deriva do português.

Até há pouco tempo o português também era falado em Pulau Tikus (Penang), mas hoje considera-se extinto. A comunidade eurasiana tem 12.000 membros na Península Malaia. Ativos estão o MPEA (Malacca Portuguese Eurasian Association) e SPEMA (Secretariat of the Portuguese/Eurasian Malaysian Associations) com 7 associações dos seus membros em Alor Star, Penang, Perak, Malaca (MPEA), Kuala Lumpur, Seremban e Johor Baru. Há também em Singapura uma associação eurasiática. Lembremo-nos que Malaca se separou do domínio português em 1641, há 376 anos.

Cerca de um terço dos eurasianos de Singapura têm sobrenomes portugueses. Curiosamente um jovem singapurino, Kevin Martins Wong, recentemente redescobriu a língua dos seus avoengos e está a ter sucesso na sua revitalização em Singapura onde apenas restavam cem falantes. Desenvolveu um currículo de dez aulas de duas horas cada, e atualmente ensina Kristang a duas centenas de pessoas. Tendo obtido fundos elaborou um plano de revitalização do idioma a desenvolver nas próximas décadas e conta lançar um dicionário e um livro didático já em 2019. Em 2004 fora publicado o Eurasian Heritage Dictionary em inglês por Valery Scully e Catherine Zuzarte com 1500 palavras de Papiá Kristang) e provérbios dos quais retiro apenas quatro exemplos:

Pinchah pedra, skundeh mang (atira a pedra, esconde a mão)

Nunteng kabesa, nunteng rabu, (sem pés nem cabeça)

Albi grandi, fruta pekeninu (árvore grande, fruta pequenina)

Nunteng agu, nunteng sal (sem água e sem sal)

De mais de 200 étimos portugueses selecionei kereta (carreta, “carro”), sekolah (escola), bendera (bandeira), mentega (manteiga), keju (queijo), meja (mesa) e nenas (ananás), sepatu (sapato), mulheh, maridu, bonitu e soldadu. Poucas pessoas sabem que quando Sir Thomas Stamford Raffles refundou Singapura em 1819 havia apenas uma centena de habitantes e foi um português que serviu às suas ordens quem se encarregou de a povoar com portugueses de Malaca, Macau e Hong Kong.

Passemos agora a Korlai na Índia, perto de Chaul, onde 900 pessoas falam o crioulo português numa comunidade cuja igreja se chama de “Nossa Senhora do Monte Carmelo”. Chaul separou-se do domínio português em 1740, há 277 anos.

Em Goa, o idioma português está a desaparecer rapidamente sendo falado por um pequeno setor das famílias mais abastadas. Apenas 3 a 5% da população continua a falar Português (menos de 40 mil pessoas). Goa assiste a uma neocolonização demográfica com 35% da população sendo imigrante de outros estados indianos. Nas escolas da Índia a língua portuguesa é ensinada como terceira língua (não-obrigatória). Existe um Departamento de Português na Universidade de Goa e a “Fundação do Oriente” e a Sociedade de Amizade Indo-Portuguesa estão em funcionamento. O último jornal em língua portuguesa foi publicado na década de 1980. Em Panaji ainda são visíveis em lojas, edifícios públicos muitos cartazes em português. Em Diu, na Índia, o crioulo português está quase extinto. Em Damão na Índia: (Damão Grande ou Praça, Campo dos Remédios, Jumprim, Damão da Cima) apenas 2000 pessoas falam um crioulo português.

Goa, Damão, Diu e outros enclaves deixaram de fazer parte do domínio português em dezembro de 1961, há 56 anos.

Os Burgueses Portugueses do Ceilão existem em Batticaloa (Koolavaddy, Mamangam, Uppodai, Dutch Bar, Akkaraipattu); Trincomalee (Palayuttu); nas comunidades Kaffir de Mannar e Puttalam]. Muitos séculos antes da chegada dos portugueses à ilha de Ceilão, que hoje se chama Sri Lanka, esta era conhecida sob o nome de Taprobana. O Português foi apenas usado entre as 250 famílias (burgueses portugueses) em suas casas em Batticaloa até 1984. Muitos emigraram para a Austrália. Ainda há 100 famílias em Batticaloa e Trincomalee e cerca de 80 famílias afro-cingalesas (Kaffir) em Puttalam. Uma língua quase extinta.

Há uma pequena comunidade de descendentes portugueses na aldeia de Waha Kotte (circa 7°42’N. – 80°36’E no centro do Sri Lanka, a seis quilómetros de Galewala, estrada entre Galewala e Matale), sendo todos católicos romanos, mas desde há cerca de duas gerações que o crioulo português deixou de ser falado.  Tem relação com outros dialetos indo-portugueses que floresceram outrora no litoral da Índia. O indo-português também tem relação com o crioulo português de Malaca e também com o crioulo português de Macau e há uma semelhança linguística subjacente entre os crioulos portugueses da Ásia que foi muito útil no comércio. No Sri Lanka, por cerca de 350 anos, a língua de comércio internacional era o indo-português. Ceilão separou-se do domínio português em 1658, há 359 anos.

Em Macau há cerca de 2.000 pessoas que falam português como sua primeira língua e perto de 12 mil como sua segunda língua. Um reduzido grupo de idosos ainda fala o macaense ou Dóci Papiaçam di Macau, um crioulo português. Em 20 de dezembro de 1999 Macau voltou a fazer parte da China. A língua portuguesa é hoje mais falada e estudada do que quando os portugueses lá estavam e quando lá vivi entre 1976 e 1982.

Em Hong Kong centenas de pessoas falam o macaense. Quase todas são emigrantes de Macau. Nunca foi colónia portuguesa. Os “tons-tons” como são chamados, são quase todos descendentes de Macau e das pequenas colónias de Portugueses da China (Cantão) e mantêm nomes e alguns rudimentos de papiá e de Português.

Timor-Leste: os que falavam o português em 1950 não ultrapassavam 10.000 pessoas e em 1974 dos 700.000 habitantes, um décimo sabia ler e escrever em português e 140.000 podiam falar e entender esta língua. Até 1981, o português foi a língua da Igreja Católica de Timor, quando foi substituído pelo tétum. Entretanto é comummente usado como idioma de negócios na cidade de Díli. O português permaneceu como língua da resistência anti-indonésia e de comunicação externa da Igreja Católica. O português crioulo (português de Bidau) hoje está praticamente extinto. Era falado em Díli, Lifau e Bidau. Timor-Leste tornou-se um estado independente a 20 de maio de 2002 com duas línguas oficiais: português e tétum. Em Timor como segunda língua oficial já há 25% de falantes de Português quando há dez anos nem a 5% chegava esse número. Lembro a importância da língua portuguesa em contextos hostis como no caso de Timor-Leste onde sob a ocupação neocolonial indonésia, as novas gerações impedidas de falar Português começaram a usar esta língua como língua de resistência.

Na ilha das Flores na Indonésia em Larantuka e Sikka o português sobrevive nas tradições religiosas e na comunidade Topasse (os descendentes dos portugueses com as mulheres nativas) utilizam-no nas suas preces. Aos sábados, as mulheres de Larantuka rezam o rosário numa forma corrompida de português. Na área de Sikka, no Leste de Flores, muitas pessoas são descendentes de portugueses e ainda há quem use esta língua. Existe uma Confraria chamada “Reinja Rosari”. Portugal retirou-se em 1859.

ATÉ POUCOS ANOS ATRÁS, COMUNIDADES QUE FALAVAM O PORTUGUÊS EXISTIAM EM:

Cochim na Índia: (Vypeen) mas desapareceu nos últimos 20 anos. A comunidade portuguesa / hindu de cerca de 2 mil pessoas frequenta ainda a antiga Igreja de Nossa Senhora da Esperança. Portugal retirou-se de Cochim em 1663, há 354 anos.

Em Bombaim: Baçaim, Salcete, Thana, Chevai, Mahim, Tecelaria, Dadar, Parel, Cavel, Bandora-Badra, Govai, Morol, Andheri, Versova, Malvan, Manori, Mazagão. Em 1906 este crioulo foi, depois do Ceilão, o dialeto indo-português mais importante e existiam 5 mil pessoas que falavam o crioulo português como língua materna e 2 mil estavam em Bombaim e Mahim, mil em Bandora, 500 em Thana, 100 em Curla, 50 em Baçaim e mil nas outras vilas. Não existiam à época escolas em crioulo português e as classes mais ricas substituíram-no pelo inglês.

Em Coramandel na Índia: Meliapore, Madrasta, Tuticorin, Cuddalore, Karikal, Pondicherry, Tranquebar, Manapar, Negapatam. Nesta costa, os descendentes dos portugueses eram também conhecidos como “topasses”, sendo católicos e falando o crioulo português. Com o domínio britânico começaram a falar inglês em lugar do português e anglicizaram seus nomes. Fazem parte da comunidade eurasiana. Em Negapatam em 1883 ainda existiam 20 famílias a falar o indo-português.

No Ceilão (Sri Lanka) o crioulo português era falado até pela comunidade burguesa holandesa até ao início do século XX. Depois da Segunda Guerra Mundial, os católicos em Colombo, capital do Sri Lanka reuniam-se nas missas faladas em português (na Igreja de Santo António em Dematagoda). Após a segunda metade do século, uma parte destes católicos velhos começaram a frequentar missas em grupos cada vez menores nas igrejas católicas nas cidades de Dematagoda, Hulftsdorp, Kotahena, Kotte, Nugegoda e Wellawatte. Embora fosse uma língua falada, o português perdia rapidamente a sua importância original nos serviços religiosos nas igrejas católicas, sendo substituído pelo inglês mais moderno e mais procurado.

Já na Indonésia em Jacarta, no subúrbio de Tugu, até ao início do século XX uma espécie de português corrompido era falada pela população cristã. O último habitante que falava crioulo morreu em 1978. Ainda hoje cantam e dançam em português arcaico. Jacarta nunca esteve sob domínio direto de Portugal.

 

DESAPARECEU JÁ HÁ MUITOS ANOS:

Na índia em Mangalore e em Cannanore e nas costas da Índia existiam cerca de 44 comunidades, onde o português era falado.

Em Bengala no Bangladesh: (Balasore, Pipli, Chandernagore, Chittagong, Midnapore, Hugli……) a língua portuguesa foi, nos séculos XVII e XVIII, a “lingua franca”. Após 1811, o português era usado em todas as igrejas cristãs (católicas e protestantes) de Calcutá. No início do século XX, poucas famílias falavam uma forma corrompida de português misturada com muitas palavras da língua inglesa.

Em Solor e em Adonara na Indonésia: Solor, Adonara (Vure)

Na Ilha de Java na Indonésia: na comunidade holandesa de Batávia. Os Mardijkers são os descendentes dos antigos escravos de Malaca, Bengala, Coramandel, e Malabar, que foram convertidos ao Protestantismo quando libertados. Falavam uma espécie de crioulo português e eram o ramo principal da comunidade portuguesa de Batávia. Depois da conquista holandesa de Malaca e do Ceilão eles cresceram consideravelmente. Em 1673 foi construída uma igreja protestante para a comunidade portuguesa de Batávia e depois no século XVII uma segunda igreja foi construída. Em 1713 esta comunidade tinha cerca de 4.000 membros. Até 1750 o português foi a primeira língua de Batávia, porém, depois o malaio passou a dominar. Em 1808, o reverendo Engelbrecht celebrou a última missa em português. Em 1816, a comunidade portuguesa foi incorporada na comunidade malaia. Também entre as famílias holandesas de Batávia a língua portuguesa foi intensamente usada até 1750, apesar dos esforços do Governo Holandês contra o seu uso.

Nas ilhas Molucas na Indonésia: em Ternate, Ambon, Banda, Macassar falava-se Ternateno, um crioulo português das ilhas de Ternate e Halmahera, mas atualmente extinto. Em Ambon, o português sobrevive na língua atualmente falada: o Malayu-Ambom, e que contém cerca de 350 termos de origem portuguesa.

Vários idiomas da Tailândia, Malásia, Índia e Indonésia têm palavras portuguesas ou galegas. A própria língua japonesa tem várias como: arukoru (álcool), pan (pão), veludo, jaqueta, bolo, bola, botão, frasco, irmão, jouro (jarro), capa, capitão, candeia, castela (bolo de pão-de-ló), copo, biidoro (vidro), tempura (tempero), tabako (tabaco), sabão, sábado, choro, tasca, biombo etc.

Em resumo, em qualquer destes locais ao longo desta curta digressão pelo Oriente, portugueses e galegos falam com estas gentes sem dificuldades de maior, mas na Europa torna-se imperioso ressuscitar o galego. É fundamental que ele seja atual e não-castrapo. Os povos só evoluem bem intelectualmente quando se expressam bem na sua língua materna e não numa língua estrangeira colonizada.

É nossa vontade e desígnio que na Galiza se proceda à reintegração total da língua na Lusofonia como a História o manda e, por isso, apoiamos desde a primeira hora a criação da AGLP. A dimensão real das diferenças entre o galego e o português resultam sobremodo da colonização linguística pelo castelhano. No restante é um português arcaico como é ainda o falar das ilhas dos Açores.

Na Galiza a questão da ortografia é meramente política, sendo um grave erro estratégico não afirmar perentoriamente que “galego e português são a mesma língua”. Tem faltado construir pontes pois os políticos portugueses estão sempre temerosos de ofender a vizinha Espanha e os políticos galegos temem que depois da autonomia cultural venham outras.

No Reino de Espanha há quem fale português como língua de resistência ao domínio cultural que faz sujeitar a escrita do galego às normas ortográficas castelhanas tentando obviar à preservação da identidade cultural do velho reino da Galiza. E a língua galega é sob todos os aspetos (históricos, filológicos e paleolinguisticos) português. Não se consegue expressar bem com um idioma do passado com adulterações neocolonialistas castelhanizadas como o recentemente inventado “portunhol” para impor a uma Nação milenária como é a galega. Pelo contrário, o galego atual será o reencontro dos galegos com as suas origens em que simultaneamente ganham um poderoso meio de comunicação quer a nível cultural quer comercial, que ajudará a crescer a Nação Galega neste mundo globalizado. Por outro lado, na Extremadura espanhola, onde nunca houve uma língua comum, também o Português é ensinado a milhares de pessoas, em número superior ao dos alunos de Português na Galiza. Em Olivença seis centenas de pessoas readquiriram recentemente a nacionalidade portuguesa e revive-se o falar oliventino.

A língua não é só um meio de comunicação nem uma arma económica, ela expressa o sentimento dos povos, permite a preservação das lendas e narrativas, recria as baladas dos bardos, favorece a leitura dos clássicos, aproxima povos e perpetua o ADN nacional.

EGDC (Ernesto Guerra da Cal) deixou escrito em Nova Iorque em dezembro de 1953: «Portugal era o desenvolvimento cultural, pleno, da minha Galiza natal. Era o que a Galiza deveria ter sido se as vicissitudes e os caprichos da História não a tivessem transviado do seu destino natural, deturpando a sua fisionomia espiritual, quebrando a sua tradição, impondo-lhe formas culturais alheias, estranhas ao seu caráter. EGDC, coerente, publica em 1959 «lua de além-mar» e em 1963 «rio de sonho e tempo» proclamando o «emprego da ortografia portuguesa porque é a nossa, a da nossa secular tradição e porque é inadiável mergulhar-nos no âmbito português-brasileiro; seguindo o conselho venerável do patriarca Murguia que já recomendou a unificação linguística com Portugál. tudo representava uma insurgência doutrinal, uma bandeira desfraldada contra a imposição da cultura e ortografia espanholas. representava, também, a necessidade de reorientar a nossa consciência de nacionalidade no sentido de reatamento dos laços de identidade linguística – e não só: DE IDENTIDADE NACIONAL. Mais de meio século depois continua sendo necessário o conselho venerável do patriarca Murguia

 

Escrever galego/português dentro da norma lusófona dá-lhe uma dimensão mundial e é a única forma de salvá-lo da morte. O português/galego não é um idioma de propriedade de Portugal, mas dos países que o adotaram como oficial além da Região Autónoma Especial de Macau na China. Recordemos que o próprio rei Afonso X, rei castelhano, trovou em galego-português por ser uma língua melódica e é essa melódica língua que quero que os meus netos ouçam falar na Galiza.

 

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NOTAS:

[1] Houve um segundo filho D. Gomes Nunes de Pombeiro (m. depois de 1141) casou antes de 1104 com Elvira Peres de Trava filha de Pedro Froilaz de Trava, conde de Trava e de Maior “Gontrodo” Rodrigues

[2] Concha Rousia comprometeu-se a enviar à CPLP os objetivos da Academia Galega para fundamentar o seu pedido de adesão com o apoio da sociedade civil aqui representada pelos Colóquios da Lusofonia, salientando que Goa e Galiza fazem falta à CPLP e que seria profícuo vir a criar um canal de televisão lusófono abrangendo todos os países, mas que seria necessária muita vontade política para tal se concretizar.

[3] Este ponto foi reiterado nas conclusões do XIV colóquio anual da lusofonia de Bragança nesse ano em outubro 2010. Pareciam bem encaminhadas as negociações resultantes do repto que os Colóquios da Lusofonia lançaram à Academia Brasileira de Letras e a todas as outras entidades para apoiarem a imediata inclusão da ACADEMIA GALEGA DA LÍNGUA PORTUGUESA com o estatuto de observador na CPLP. A AICL, em concertação com o MIL Movimento Internacional Lusófono, de que faz parte, tomou algumas medidas sendo a mais visível uma Petição ao Ministro dos Estrangeiros de Portugal de então, Dr Paulo Portas

 

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