Centenário da escola habaneira de Guitiriz

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Manda chover na Havana! Já decorrérom cem anos desde a fundaçom da escola empreendida por compatriotas emigrados ao país do açúcar. Graças a essas mulheres e homens solidários, muitas vizinhas e vizinhos de Guitiriz aprendérom a ler e a escrever num momento histórico em que o analfabetismo era maioritário e funcional aos interesses senhoriais, eclesiásticos e dinásticos da época. Em sentido contrário, a cultura era concebida polos nossos ascendentes emigrados como umha das mais importantes alavancas de progresso social, económico e político. Assim o expressava López Aydillo no Boletim das sociedades de instruçom de Cuba, Pro Galicia em 1912: “hace falta tan sólo una intensa labor de cultura y cuando frente a la casa del cacique albee una escuela que el cacique no inspeccione, Galicia sacará de su fecunda entraña el orgullo heróico que hace grandes a los pueblos”1.

O nosso povo tinha fame de cultura, mas também adoecia de carências materiais que deviam ser atendidas polas sociedades de emigrantes fundadas no país caribenho, como a de Hijos de Guitiriz y su Comarca. Por obra do seu auxílio fôrom construídos lavadoiros, estátuas e fontes, redimírom-se foros mediante a compra de terras, foi modernizado o sistema produtivo, introduzírom-se novas formas de luita sindical anarquista e socialista e financiárom-se sociedades agrárias e jornais anti-caciquis em boa parte do País. Trouxérom, ademais, novos ritmos que enriquecérom a nossa música tradicional, como a rumba, e erguérom bem alta a bandeira da língua e da cultura galegas fundando a Asociación iniciadora y protectora de la Academia Gallega (1905), interpretando por primeira vez o nosso hino no Centro Galego (1907) ou utilizando a nossa bandeira nacional em atos públicos (1892)2.

A epopeia migratória do povo galego.

Entre o último terço do S. XIX e o primeiro do S.XX, o número de emigrantes transoceânicos atinge a cifra de novecentos mil, registando-se um saldo migratório negativo equivalente ao meio milhom de pessoas. As causas deste fenómeno som diversas: a pressom do sistema foral, a obrigatoriedade do serviço militar ou as crises agrárias, entre outras. No entanto, podemos aludir como pano de fundo a um desenvolvimento económico exógeno, metodicamente descrito por Beiras3, ligado à ausência de soberania política, como fatores que tenhem situado a Galiza como periferia exportadora de recursos naturais e força de trabalho no quadro dum sistema-mundo capitalista.

Centos de guitiricenses dirigiam-se a América fazendo uso do porto da Corunha que, junto ao de Vigo, era o mais concorrido para iniciar a travessia. As empresas navieiras distribuíam cartazes para informar dos itinerários, as datas de partida, assim como os agentes intermediários para contratar o serviço. O deslocamento durava várias semanas, durante as quais as e os emigrantes partilhavam conversas e esperanças num reduzido espaço de uso comum4. Jornais como o Eco de Galicia, em 1901, davam testemunho deste êxodo com as seguintes palavras: “La sangría de la emigración gallega non se detiene nin menos se corta… cientos de hombres y ¡ay! También mujeres, abandonan uno y otro día, los patrios lares, en su anhelo de buscar en el Nuevo Mundo la prosperidad, el bienestar anhelado”5.

A experiência migratória, no entanto, era muito mais dura no caso das mulheres, ao padecerem umha dupla violência: a exercida pola burguesia cubana, mas também a praticada polos homens das sociedades galegas. No período analisado, chegárom mais de sessenta mil. Muitas delas soas, analfabetas e pobres; outras com filhas/os ao seu cargo. Nestas condiçons, viam-se obrigadas a exercer a prostituiçom ou a nutrir o crescente serviço doméstico das elites cubanas como serventas, cozinheiras, amas de cria e cuidadoras. Assim foi sinalado pola feminista cubana Hortensia Lamar em 1925, numha conferência6:

Outra fonte fornecedora da prostituiçom é a imigraçom. A espanhola -em referência às mulheres procedentes do Reino da Espanha- que vem honrada trabalhar, reunir muito dinheiro para mandar à sua aldeia. Muitas na travessia sucumbem, as demais aqui, onde as sociedades regionais nom lhes dam proteçom nenhuma. A maioria é explorada polos próprios paisanos, os eternos curmáns protectores, ou o noivo que nunca falta, e que geralmente as seduz e abandona logo, e assim, de banzo em banzo vai rodando à abjeta escravidom de onde nom volta a sair”.

Boa parte destas senhoras, indica o historiador cubano Fernández Pagés7, ficavam abandonadas nas ruas, nom tinham acesso aos hospitais -tampouco ao centro de saúde La Benéfica do Centro Galego, ao que si podiam acudir os homens- e morriam de doenças curáveis, como a sífilis, nas chamadas “casas de recogida”. Contudo, nom se resignariam perante esta abusiva situaçom conformando a mais importante sociedade de mulheres emigrantes do continente americano naquela altura, Hijas de Galicia, fundada no 18 de janeiro de 1917. Como resultado, criárom um hospital materno-infantil ao que tinham acesso todas as mulheres, com indepedência da sua nacionalidade de origem, e desenvolvérom atividades culturais e educativas, assim como o balneário social mais frequentado pola comunidade galega na altura.

O grande músico Chané, diretor do orfeom Ecos de Galicia na capital cubana, punha melodia á tragédia migratória musicando textos de Curros Enríquez com a badalada peça Umha noite na eira do trigo. Uns versos que humanizam as duras fotografias com que Manuel Ferrol retrataria a emigraçom na década de cinquenta. A tristeza pétrea debuxada na face dum pai que nom encontra consolo para poder transmitir ao seu filho perante a despedida duns familiares emigrados a América.

A organizaçom da emigraçom galega em Cuba. Hijos de Guitiriz y su comarca.

Figura 3.2. Cartaz informativo dumha navieira.

Ao chegarem ao destino, as pessoas emigradas tinham que procurar un trabalho e, segundo as informaçons de Naranjo8, faziam-no preferentemente no sector terciário. O comércio e serviços como o de bodegueiros ou floristas eram frequentes. De igual modo, a agricultura, nomeadamente a zafra da cana de açúcar, era um dos destinos laborais mais comuns, já que a maior parte dos recém-chegados eram labregos.

Este processo de integraçom era facilitado graças à basta rede societária de instituiçons populares de ajuda mútua criadas pola comunidade galega desde fins do S. XIX. Tal e como informa o próprio Naranjo, as associaçons de base étnica atingiam um grande relevo ao desenvolverem, entre outras funçons, a de proteçom do emigrante agindo de amortecedores do choque cultural sofrido no momento de chegada, dando assim resposta às suas necessidades afetivas, económicas e culturais.

A primeira sociedade constituída foi a do Apóstol Santiago em 1804, no entanto as entidades genuinamente mutualistas surgírom no final do S.XIX. Assim sendo, em 1871 foi constituída a Sociedade de Beneficiencia de Naturales de Galicia e oito anos depois, em 1879, é fundado o Centro Galego da Habana por iniciativa de W. Álvarez Insua e do seu jornal Eco de Galicia. Esta entidade desenvolveu até o ano da sua clausura, em 1960, um grande trabalho para a melhora da qualidade de vida das galegas/os.

Figura 3.1. Manuel Ferrol. 1957. Porto da Corunha.

Em primeiro lugar, desenvolveu um considerável labor educativo em favor da alfabetizaçom gratuita dos filhos dos associados (só para os de género masculino) por obra da iniciativa Plantel Educativo Concepción Arenal orientada ao ensino primário e à formaçom profissional, chegando a ter três mil discentes em 1904. Apesar de a escola levar o nome dumha precursora do feminismo e firme defensora da escolarizaçom feminina, o centro educativo reproduzia os valores patriarcais da época ao dificultar a matrícula das nenas mediante o pagamento de seis pesos por cada umha.

Para mais, foi fundado em 1893 um dos mais célebres hospitais de Cuba com o nome de La Benéfica para dar assistência médica aos sócios. Na década de vinte a sua extensom ocupava todo o bairro da Concha e fornecia atençom nas especialidades de bacteriologia, estomatologia, oftalmologia, hidroterapia e radioterapia, entre outras. O hospital apenas concedia assistência aos homens, sendo denunciado este feito pola Irmandade Feminina da Corunha, quem no número de 5 de fevereiro de 1919 de A Nosa Terra formulava: “Também a Irmandade feminina acordou dirigir-se aos Centros galegos das Américas para que organizem de maneira ajeitada a proteçom à mulher que emigra, cousa tam necessária e tam nobre”.

No alvorear do S. XX fôrom criadas boa parte das organizaçons microterritoriais entre as quais se encontrava Hijos de Guitiriz y su Comarca, cujo ano de constituiçom é desconhecido por Tapinos9, e que terá entre os seus objetivos a dotaçom dum centro educativo em Guitiriz para que servisse como meio de progresso para a vila termal, mas também como centro de preparaçom para as novas geraçons obrigadas a emigrar. Naquela altura, as instituiçons e serviços escolares estatais eram escassos, deficientes, e desenhados a partir dumha mentalidade centralista e uniformizadora que desconsiderava, particularmente, a situaçom cultural e linguística galega, tal e como tem informado Costa Rico10 e denunciado Castelao11: “Proibistes o galego nas escolas para produzir no espírito dos nossos rapazes um complexo de inferioridade, fazendo-lhes crer que falar galego era falar mal e que falar castelhano era falar bem”.

A inadequada infraestrutura escolar, retratada polo jornalista Luis Bello na sua obra Viaje por las escuelas de Galicia, oferecia piores oportunidades para o alunado do rural e de classe trabalhadora, além dumha maior discriminaçom das mulheres em todos os âmbitos, cuja taxa de analfabetismo atingia 60 %, contra 40% dos homens. Em resposta a este défice, as Sociedades de Instruçom conformárom, segundo Vicente Peña, a experiência de educaçom e escolarizaçom mais sobranceira que existe na Galiza contemporânea. Segundo Costa Rico, em 1912 já foram constituídas 48 sociedades na Habana, elevando-se o número a 81 em 1929 e chegando a 105 em 1933, das quais 86 pertenciam ao Comitê Representativo das Sociedades de Instruçom. Em total, chegou a haver 546 sociedades (181 en Cuba) que fundárom solidariamente por volta de 245 centros educativos, muitos deles de grande qualidade arquitetónica e pedagógica.

A escola habaneira de Guitiriz.

A Grupo Escolar Guitiriz e a sua Comarca foi inaugurado o dia 6 de setembro de 1924, tal e como informa o nº 104 do diário católico La Voz de La Verdad. Na capa do periódico informa-se do começo do festejo, de manhá, com o lançamento de bombas, umha processom cívica frente ao centro educativo, misa solene com a assistência do Bispo Diocesano e correspondente bençom da escola. Posteriormente, é anunciado um banquete popular servido polo Gran Hotel Continental da Corunha em homenagem às autoridades governamentais e eclesiásticas presentes. Finalmente, informa-se do sorteio dumha tenreira e dumha grande verbena amenizada por afamadas bandas. Ademais, graças ao Diario Independiente El Orzán da Corunhae ao seu jornalista Eduardo Bergantiños, sabemos que houvo um seguimento multitudinário da celebraçom, simbolizado nas casas enfeitadas com atavios e no fechamento do comércio perante tam importante evento.

Na citada comemoraçom encontrava-se o alcaide de Trasparga, Carlos Roca, e os benfeitores Manuel Rosende e José Mendez, a quem se lhes atribui umha importante achega económica para fazer possível o projeto. A materializaçom do prédio escolar recaiu fundamentalmente no trabalho do canteiro José Prieto, segundo o testemunho de Antonio López Tomé, aluno da escola que lembra os inícios daquela aventura com grande lucidez para os seus 96 anos. O desenho do edifício obedecia às recomendaçons emanadas do higienismo e do Movimento Pedagógico da Escola Nova, caracterizado por umha boa iluminaçom, correta ventilaçom, capacidade suficiente, jardim e biblioteca.

O ex-aluno Antonio López tem indicado que o primeiro docente da escola foi Antonio Cibreiro Castelo (pai do conhecido professor Tonecho Cibreiro) e que o centro dava serviço a nenas e nenos com idades compreendidas entre os sete e os dezasseis anos. Neste sentido, cumpre sinalar o carácter avançado da escolarizaçom feminina, num momento histórico onde era minoritária em relaçom à de signo masculino. De igual modo, o nosso informante tem relatado que a escola tinha um carácter polivalente, atendendo as necessidades de alfabetizaçom dos adultos e conformando um espaço dinamizador da vida social do concelho. Tratava-se, consequentemente, dum modelo precursor de fórmulas organizativas de autogestom cultural como é Xermolos.

Carecendo de mais fontes primárias que das orais e jornalísticas, podemos intuir nesta experiência educativa um conjunto de traços característicos das escolas de americanos, estudados por Vicente Peña12. Em primeiro lugar, umha orientaçom progressista que se materializa na importância do conhecimento científico como guia do processo educativo. Nesta linha, o objetivo era formar umha nova cidadania solidária, livre de superstiçons e qualificada cívica e moralmente para fazer avançar e regenerar o País. Com este fim, propunha-se um plano de estudos realista e pragmático que, em ocasions, recebeu a contestaçom das Irmandades da Fala devido à ausência de matérias vinculadas com o estudo da realidade galega (história, literatura, geografia, etc.) nalguns centros. Assim, Vicente Risco13 indicava: “muitas das escolas por eles sustentadas som escolas preparatórias para a emigraçom. Em certo sentido, ainda nesta funçom, vinhérom a encher um baleiro, a socorrer umha necessidade… mais nom deveriam ser fábricas de emigrantes. Essas escolas onde os meninhos aprendem ampliamente geografia e história de América -sem ocupar-se da de Galiza-”. Em geral, a galeguizaçom foi mais frutuosa nas escolas geridas polas sociedades bonaerenses do que nas cubanas, graças ao papel jogado polo lider agrarista e nacionalista Alonso Rios, como membro fundador da Federación de Sociedades Gallegas Agrarias y Culturales em Argentina.

A nível pedagógico, existe umha forte influência do regeneracionismo educativo e da Escola Nova, o que leva consigo situar o discente como centro do processo educativo, garantir o seu desenvolvimento integral (intelectual, motriz, social, ético e estético), mudar a estrutura organizativa e a planificaçom didática nas escolas e dota-las de infraestruturas idóneas de acordo com as recomendaçons médicas e pedagógicas. Propunha-se, aliás, umha metodologia cíclica através do uso de procedimentos práticos e sensitivos que incentivassem a atividade do alunado. Polo contrário, era reprovado o memorismo e a ausência de estímulos que motivassem a participaçom infantil, assim como qualquer tentativa doutrinadora por parte dos docentes, pois confiava-se no carácter neutro dumha educaçom de sino positivista.

Os valores ilustrados e republicanos da escola habaneira de Guitiriz seriam soterrados temporalmente pola barbárie fascista, no entanto agromariam anos depois no exemplo de docentes galeguistas como Antón Santamarina, Marica Campo ou Alfonso Blanco, xermolos dumha semente de liberdade plantada há cem anos polos emigrantes guitiricenses em Cuba.

1 Costa Rico, A. (1984). La emigración gallega y su acción cultural-educativa en sus lugares de origen. Indianos. Monografías de los Cuadernos del Norte, 2, 35-44.

2 Seixas, X. M. (1993). Inmigración y Galleguismo en Cuba 1879-1936. Revista de Indias, 53(197), 53-95.

3 Beiras, X. M. (1984): Na reviravolta da emigración: o seu papel na dinámica da formación galega, en Beiras (Coord.), Por una Galicia liberada. Ensaios en economía e política, Vigo, Xerais, pp. 265- 295.

Beiras, X. M. (1995): O atraso económico da Galiza. Santiago de Compostela, Laiovento.

4 Consello da Cultura Galega. Historias de ida e volta. Disponível em https://consellodacultura.gal/especiais/historias-de-ida-e-volta/

5 Peña, V. (2013). O compromiso educativo co futuro da Terra. Luces de alén Mar. As escolas de americanos en Galicia.

6 Galegas en Cuba. Hijas de Galicia. Disponível em https://acorunhadasmulleres.gal/galegas-en-cuba-hijas-de-galicia/

7 González Pages, J.C. (2010). Gallegas en Cuba. Fervenza.

8 Naranjo Orivio, C. (1988). Del campo a la bodega. Recuerdos de gallegos en Cuba (siglo XX). Corunha, Ed. do Castro.

9 Tapinos, G. P. (1996). As migracións internacionais eo desenvolvemento. Estudios migratorios, (2), 9-37.

10 Costa Rico (2004). Historia da Educación e da Cultura en Galicia. Xerais.

11 Castelao, A. R. (2010). Sempre em Galiza. Através Editora.

12 Saavedra, V. P. (2024). O legado educativo da emigración galega: pluralidade de variantes e de realizacións académicas nun treito multisecular (ss. XVII-XXI). In A educación en Galicia en perspectiva: alicerces para o porvir (pp. 45-64). Universidade de Santiago de Compostela.

13 Risco, V. (1930). O problema político de Galicia, p. 62.