Após mais de quatro décadas de oficialidade do galego, os dados sociolinguísticos continuam a marcar mínimos históricos no uso. Para compreender o que acontece e poder intervir para reverter esta situação, hoje falamos com Adela Pita, Técnica de Normalização Linguística do concelho de Narão.
Agora que somamos mais de 4 décadas de oficialidade do galego, como avalias este período?
Já passaram mais de 40 anos desde que o Estatuto de autonomia da Galiza reconhecia a oficialidade da língua galega e abria a porta à sua normalização. Depois desse passo inicial, aprova-se em 1983 a Lei de normalização linguística que desenvolve o previsto no artigo 5 do Estatuto. Esta lei nasce com o objetivo de regular os direitos linguísticos da cidadania, garantir a igualdade do galego e do castelhano como línguas oficiais da Galiza e possibilitar a incorporação da língua galega em novas esferas da vida social como a Administração, o ensino e os meios de comunicação, e incide na obriga dos poderes públicos de protegerem e promoverem a normalização da língua galega.
Depois da promulgação desta lei, foram-se aprovando ao longo destes anos diferentes legislações que tratam de a completar e impulsar o uso do galego em diferentes âmbitos, mas é certo que esta é insuficiente, incumpre-se reiteradamente, o que acaba por agravar a vulneração dos direitos linguísticos das galegas e dos galegos. Aliás, não está a ser efetiva para melhorar as percentagens de uso do idioma; basta dar uma olhada aos dados sociolinguísticos.
Para dar algum exemplo: no âmbito da Administração local, destaca-se a Lei 5/1988, de 21 de junho, do uso do galego como língua oficial por parte das entidades locais. Entre os seus preceitos estabelece que a documentação oficial será redigida em língua galega e que a Junta da Galiza é a responsável pela incorporação da língua galega na Administração local, especialmente através de programas de formação de funcionários. Prevê adotar as medidas oportunas para que, em concursos de aceso de funcionários à Administração local, seja garantido o conhecimento da língua galega. Esta lei é claramente insuficiente para atingir o objetivo com o que nasceu: impulsar o processo de normalização linguística na Administração local.
Precisamos de normas que tenham a normalização da língua galega como objetivo prioritário, que tratem de frear o processo de substituição linguística que está a ocorrer e que sejam criados mecanismos que assegurem o seu cumprimento.
Precisamos de normas que tenham a normalização da língua galega como objetivo prioritário, que tratem de frear o processo de substituição linguística que está a ocorrer e que sejam criados mecanismos que assegurem o seu cumprimento.
Há poucos meses, as estatísticas situavam o galego por baixo do uso maioritário, por primeira vez na história. Que medidas cumprem para reverter o processo de substituição linguística?
Os dados sociolinguísticos alertam-nos de que o galego está a perder peso na sociedade galega, especialmente entre as gerações mais novas e nas cidades, ainda que também nas vilas e aldeias vemos como o galego vai cedendo perante o castelhano.
Entre as medidas urgentes para dar um futuro ao idioma é fundamental atender a transmissão entre gerações, pois o facto de não se transmitir uma língua de pais/mães a filhas/os, que as crianças não falem uma língua, neste caso o galego, acarreta a desaparição.
No concelho de Narão, somos cientes da importância de trabalhar na promoção do idioma neste âmbito, de que as famílias incorporem o galego na comunicação familiar, de que o galego esteja presente na socialização de crianças desde o berço e que possam desfrutar de lazer em galego ou dispor de recursos para viverem em galego. Por isso, arrancamos desde o Serviço de Normalização Linguística iniciativas como Guizo ou Do berço à rua, e participamos em projetos colaborativos junto de outros concelhos como Apego.
Outro dos âmbitos em que cuido que é fundamental redobrar esforços é o ensino. Nos dias de hoje, a principal via de aprendizagem do galego por parte das crianças e dos jovens é a escola e não a família como o foi até há relativamente pouco. Por este motivo, o galego deve desempenhar um papel protagonista no ensino como língua de docência e como língua de administração educativa. As equipas de dinamização da língua galega deveriam ter maior apoio técnico, económico e material para poderem realizar uma boa planificação e execução dos seus programas de promoção da língua.
O galego deve desempenhar um papel protagonista no ensino como língua de docência e como língua de administração educativa.
Qual é o teu papel ou o da equipa/serviço de normalização linguística no concelho de Narão, em que trabalhas? Quais som os principais desafios do vosso trabalho?
Eu trabalho como técnica no Serviço de Normalização Linguística do Concelho de Narão, um departamento que trata de incrementar o uso e melhorar a imagem da língua galega em todos os âmbitos e setores do termo municipal. Entre as tarefas que desenvolvo habitualmente estão o assessoramento linguístico (correção de texto, resolução de dúvidas linguísticas…), a planificação de formação linguística e de programas de dinamização dirigidos a diferentes âmbitos sociais, assessorar a Administração em todos os assuntos relativas à política linguística…
O principal desafio que encontro no meu trabalho é que a vizinhança se implique no processo de normalização linguística, que conheça e que seja ciente da importância da sua participação. Por exemplo, o facto de as famílias entenderem que, para a língua ter futuro, é fundamental falarem em galego com os seus filhos e filhas, ou que o pequeno comércio saiba que é um setor estratégico para transmitir uma imagem positiva e útil da língua – para além de conhecerem as vantagens de empregarem o galego na sua atividade profissional.
O principal desafio que encontro no meu trabalho é que a vizinhança se implique no processo de normalização linguística, que conheça e que seja ciente da importância da sua participação. Por exemplo, o facto de as famílias entenderem que, para a língua ter futuro, é fundamental falarem em galego com os seus filhos e filhas, ou que o pequeno comércio saiba que é um setor estratégico para transmitir uma imagem positiva e útil da língua – para além de conhecerem as vantagens de empregarem o galego na sua atividade profissional.
Que necessidades observais no dia a dia?
Quanto às necessidades, gostaria de incidir na importância de a sociedade se implicar no processo de normalização linguística, de conhecer e ser ciente de que a sua participação é crucial. Se a sociedade não se involucrar, a língua galega vai esmorecer, sobretudo num concelho como Narão, em que o castelhano é a língua da gente nova. Transmitirmos isto é uma necessidade imperiosa, assim como um reto.
Uma linha de trabalho que estamos a seguir do Serviço para lhe transmitirmos à sociedade esta realidade é aquela do trabalho colaborativo. As pessoas, entidades e organismos que trabalhamos em prol da normalização da língua galega deveríamos trabalhar de forma coordenada, colaborativamente, pois é muito positivo para a política linguística. Isto permite-nos enviar uma mensagem mais potente, alcançar mais pessoas e um maior impacto na sociedade, tal como otimizar recursos.
Já existem na Galiza algumas iniciativas colaborativas realizadas entre administrações locais, como o Youtubeiras, Enreguéifate, Club de Debate ou Apego, por dar alguns exemplos. Estas iniciativas estão a ter uma grande incidência e muito boa valoração e participação.
Outras iniciativas que cumpre salientar são a Rede de Dinamização Linguística da Secretaria Geral de Política Linguística ou a Associação de Entidades Locais pela língua galega (Alingua), que têm entre os objetivos impulsarem a colaboração entre distintas entidades locais em matéria de dinamização linguística para aumentar a efetividade das atuações do âmbito local, e das quais o concelho de Narão faz parte.
Também o trabalho da Unidade Técnica de Normalização Linguística da Deputação da Corunha vai encaminhado a desenvolver maior coordenação entre os serviços de normalização municipais, o que reflete a importância que tem a colaboração entre administrações para a normalização linguística.
Estas são algumas amostras de que a coordenação, a colaboração, pode ser uma ferramenta muito útil para a língua. Aproveitemo-la e juntemos esforços!
Qual é a fotografia linguística que imaginas dentro de vinte anos?
A imagem que me ocorre é a de uma língua, a galega, com pouca vitalidade, doente, a sofrer pela perda de falantes e porque a gente moça olha para ela com estranheza por desconhecimento. Para esta imagem não se tornar realidade, os poderes públicos devem atingir um maior consenso e unanimidade em torno da política linguística para serem adotadas, desde já, medidas urgentes que tenham a normalização linguística como objetivo fundamental e prioritário.
A língua galega está em situação de alerta vermelha, sobretudo porque cada vez menos famílias empregam esta língua com os seus filhos e filhas. É provável esta tendência continuar e escurecer o seu futuro, mas com vontade, energia e redobrando esforços na promoção do galego, a situação pode ser revertida e devemos trabalhar ativamente para o conseguirmos.
Existe aquisição de material em português ou contratação de artistas da Lusofonia para a programação cultural do teu concelho? Como pensas que poderia ser tida em conta a língua portuguesa no teu concelho para reforçar a normalização linguística?
Os e as artistas da lusofonia estão presentes na programação cultural do concelho de Narão. De facto, Narão é membro da Rede Euro-latinoamericana de Artes Cénicas (REDELAE) e contrata em ocasiões artistas do Brasil e de Portugal. Também participa no programa Troco x Troco que impulsa a Conselheria de Cultura, que tem por objetivo o intercâmbio teatral com Portugal.
No que diz respeito à questão de como a língua portuguesa pode ser tida em conta para reforçar a normalização linguística, é importante transmitir à sociedade a vantagem que supõe falar em galego à hora de nos comunicarmos, de conhecermos gente ou de fazermos negócios com países de fala portuguesa. Até a vantagem que supõe à hora de aprendermos português pela proximidade linguística. Nos dias de hoje está muito bem valorizado o plurilinguismo e atendendo às conclusões achegadas pelo estudo publicado no Conselho da Cultura Galega em 2019, “O valor do português”, a sociedade atribui-lhe uma grande importância ao conhecimento de idiomas estrangeiros, considerando 53,8% dos galegos e galegas muito útil o conhecimento de português.