Entre as atividades que podemos organizar para ocupar de forma positiva e educativa o tempo de lazer das nossas crianças, agora que se encontram em período de férias, temos todas aquelas que se relacionam com a música. E, entre elas, a aprendizagem instrumental, o canto, as canções populares, as audições de música instrumental (por exemplo, monográficas de diferentes instrumentos: violino, piano, flauta, harpa, clarinete, trompa, fagot, saxofone, órgão, trompeta, acordeão, gaita-de-foles, balalaica, etc.), de músicas populares dos diferentes países do mundo, dentro da música que acostuma denominar-se “étnica”, de canta-autores, a construção de singelos instrumentos musicais, organizando uma oficina pedagógica e aproveitando material de desfeita e outros materiais que a natureza oferece, organizando corais e rondalhas, e mesmo aprendendo danças, bailes e ballet. O repertório de atividades musicais que se podem organizar é múltiplo e variado, sem perder nunca o senso lúdico das mesmas, que as fazem muito mais atrativas perante as crianças.
As culturas antigas orientais e clássicas, davam, com grande acerto, muita importância à música. Na China antiga, junto com a poesia e a cerimónia, a música era um conteúdo curricular de grande valor. Na Grécia, as leis ditavam-se cantando e os rapazes aprendiam a tocar a lira. Na Índia, ainda hoje, a música é enormemente importante, pois qualquer ato, por pequeno que for, sempre vai acompanhado da música (e também de flores).
Junto com o teatro e a dança, na Índia a música é sem dúvida uma atividade fundamental e muito apreciada. Presente em todo o tipo de atos, é tão importante socialmente que elimina qualquer discriminação por razão de sexo, classe social ou casta, etnia ou religião. Se o músico ou cantor, homem ou mulher, for bom profissionalmente, não importa que seja budista, muçulmano ou cristão. Nas gentes que trabalham no mundo da música, a sua ideologia política ou religiosa fica em muito último termo. O que importa é a sua arte, que prevalece sobre todo o demais. Mesmo se perdoa que um bom músico ou cantor mude de religião ou de grupo político.
Por outra parte, a arte musical indiana decorre por caminhos muito diferentes aos das outras culturas. Tem distinta notação musical e os símbolos musicais são outros. Porque também os instrumentos musicais são próprios da Índia (tabla, sitar, vina, tampura, sarod, santur, doktara e sanai). São peculiares deste grande país e não aparecem noutras culturas e menos em Ocidente, agás algum que outro como a flauta (chamada em Bengala basi) ou o violino e o harmónio. A riqueza da música indiana e dos instrumentos com que se toca é impressionante. Mais ainda, se somarmos aos mesmos as múltiplas variedades instrumentais das culturas dos povos tribais, que na parte oriental do país muito abundam, como os santal, os das ilhas do Índico e os situados ao norte do Estado de Assam, já no limite com a China. No mundo árabe a música também sempre foi muito valorada e apreciada. Ao longo da história da cultura mundial existem momentos, períodos e etapas nos que a música centrou muitos dos tempos de lazer dos cidadãos. A Renascença, o Barroco e o século XVIII, denominado também Século das Luzes, foram etapas muito destacadas para a música, tendo como cenários os templos e os palácios ou paços. Na Idade Média, os lugares predominantes eram os mosteiros, e ainda se conserva hoje em alguns lugares o formoso canto gregoriano, que nascera naquela altura, cantado por frades e freiras.
O meu admirado Tagore, que ademais de educador, pintor, filósofo, escritor e poeta, foi um grande músico, autor da letra e da música de mais de 2.500 canções, e os hinos da Índia, Bangladeche e Sri Lanka, escreveu aforismos tão lindos como os seguintes: “Quando as cordas de minha vida se afinarem, a cada toque seu soará a música do amor”; “Adormeci e sonhei que a vida era alegria; despertei e vi que a vida era serviço; servi e vi que o serviço era alegria”; “Fé é o pássaro que sente a luz e canta quando a madrugada é ainda escura”; “O bosque seria muito triste se só cantassem os pássaros que melhor o fazem”; “Música, preenche o infinito entre duas almas” e “A vida de um poeta é como uma flauta na qual Deus entoa sempre melodias novas”. Não deve admirar, pois, que ademais da de Belas Artes criara em Santiniketon em 1921 uma Faculdade de música, teatro e dança (denominada em bengali “Songuit-Bhovon”), que ainda funciona hoje com um elevado número de jovens estudantes, com extraordinários grupos corais, de dança e instrumentais (naturalmente de instrumentos musicais propriamente indianos).
Para apoiar tudo o que estou a comentar e motivar mães e pais, monitores dos tempos livres, organizações culturais, vicinais e recreativas relacionadas com o tema, instituições municipais e educativas responsáveis, ludotecas e brinquedotecas, escolhi um formoso filme que recolhe parte da biografia de um génio da música, já desde muito jovem, como foi Mozart. Foi realizado pelo cineasta checo Milos Forman, sob o título de Amadeus, no ano de 1984, com o qual conseguiu numerosos prémios.
FICHA TÉCNICA DO FILME :
- Título original: Amadeus.
- Diretor: Milos Forman (EUA, 1984, 161 min., a cores)
- Roteiro: Peter Shaffer, baseado na sua obra Amadeus.
- Música: W. A. Mozart e A. Salieri. Fotografia: Miroslav Ondrícek.
- Produtor: Saul Zaentz. Figurino: Theodor Pistek.
- Diretora de Arte: Patrizia von Brandenstein.
- Atores: F. Murray Abraham (António Salieri), Tom Hulce (Wolfgang Amadeus Mozart), Elizabeth Berridge (Constanze Mozart), Simon Callow (Emanuel Schikanaeder), Roy Dotrice (Leopold Mozart), Christine Ebersole (Catherina Cavalieri), Jeffrey Jones (Imperador José II), Charles Kay (conde de Orsini-Rosenberg), Vincent Schiavelli (Maiordomo de Salieri), Barbara Bryne (Sra. Weber), Martin Cavani (jovem Salieri), Roderick Cook (conde Von Struck), Milan Demjanenko (Karl Mozart), Peter DiGesu (Francesco Salieri).
- Prémios: Recebeu numerosos prémios. Cinco óscares em 1985 para melhor diretor, ator, roteiro, figurino, maquiagem, som e direção de arte. Quatro Globos de Ouro em 1985 a melhor filme, diretor, ator e roteiro. Prémio César 1985 (França), na categoria de melhor filme estrangeiro. BAFTA 1986 (Reino Unido), nas categorias de melhor fotografia, edição, som e maquiagem. Academia Japonesa de Cinema 1986 (Japão), na categoria de melhor filme estrangeiro. David di Donatello 1985 (Itália), nas categorias de melhor filme, diretor e ator estrangeiro. Ademais de outros muitos em outros festivais de todo o mundo.
- Argumento: Após tentar suicidar-se, António Salieri confessa a um padre que foi o responsável pela morte de Mozart e relata como conheceu, conviveu e passou a odiar Mozart, que era um jovem irreverente mas compunha como se a sua música tivesse sido abençoada por Deus. O nome Amadeus, que é o nome do meio de Mozart, significa “Amado de Deus”. A escolha desta palavra como sendo o título do filme, deve-se a uma correlação feita com a convicção de Salieri de que Mozart era abençoado por Deus ao compor suas músicas. Cinebiografia fictícia de um dos maiores génios da música clássica de todos os tempos. A história é contada através de Salieri, antigo músico da corte real. Toda a sua admiração e inveja por Mozart criam um paradoxal sentimento durante toda a projeção, com um amor em comum entre os dois: a música. O filme inicia em 1823, quando Salieri, já velho, tenta cometer suicídio, cortando sua garganta enquanto grita pede perdão por ter matado Mozart, há muito já falecido. Após ser internado num hospício, é visitado por um jovem padre, que procura obter a sua confissão. Salieri está amargado e, de início, pouco interessado. Porém, acaba ficando à vontade com o padre e inicia uma alargada confissão sobre seu relacionamento com Mozart. As cenas deste diálogo voltam, ao longo do filme, como se a trama estivesse sendo narrada ao padre por Salieri, durante toda uma noite, até o início da manhã seguinte.
MOZART, UM GÉNIO DA MÚSICA:
Mozart, um dos maiores compositores de ópera aparece no filme na mais simples faceta da sua personalidade, em sua excentricidade, espontaneidade e criatividade. Salieri, um também famoso compositor de óperas, desde o começo aparece como um admirador de Mozart, mas revoltado com Deus por não lhe permitir a graça de graciosas composições, como as de Mozart. Pela sua exacerbada admiração, começa a invejá-lo e interferir negativamente no reconhecimento da sua arte. Salieri, então, interpreta dois papéis, um deles como o amigo de Mozart, que o apoia e aconselha, mas que verdadeiramente, quando não está na sua presença, o critica e influencia pessoas negativamente quanto sua obra. Não se trata de ser bonzinho ou não, mas de fato, Salieri era um homem extremamente infeliz com o fato de Deus não o presentear com o maior dos talentos, sentia-se um compositor medíocre, e toda essa sua raiva fê-lo tornar-se excecionalmente maldoso com Mozart.
Em Amadeus podemos observar toda a trajetória dessa inveja de Mozart e raiva de Deus. O filme trata-se de uma ficção, o que, portanto, faz da história uma não totalmente verdade, mas dá uma margem para interpretação da vida de Salieri, e a sua visão sobre a vida de Mozart. Um talento precoce que se tornou reconhecido por isso e um compositor que sustém o desejo de se tornar um grande nome, com grandiosas obras. A loucura acaba sendo uma saída para ambos os casos, ou uma entrada em um novo e profundo mundo, despertando ou fazendo adormecer os fantasmas e inquietações das suas mentes. Nesse cenário, ainda há a esposa de Mozart, Constanzi, um constante amparo para ele, tanto dando força para a continuidade do seu trabalho quanto para suportar a inconstância e instabilidade da sua vida. Para ambas as personagens, Mozart, Salieri e Constanzi, a trama tornou-se desgastante. Vícios foram-se tornando para Mozart fonte de extravasar toda a angústia. O grande talento já não compunha como antes, o esforço era muito maior, e sua instabilidade emocional e financeira fazia-o decair ainda mais. Nos bastidores, Salieri atormentava-o.
Constanzi, não suportando, vai embora da sua casa, apoiada pela sua mãe, levando junto o seu filho. Mozart, em mais um momento de angústia, compõe uma das suas mais famosas óperas, mas o seu desgaste é aparente; trabalha além dos seus limites. Salieri, tão obcecado por Mozart, seria a ponto de pôr em xeque a vida do grande compositor ou apenas mais uma alma transtornada pelo desconforto de se sentir desamparado por Deus? Culpado ou não, resolve ajudar Mozart com a composição de Requiem, encomenda feita pelo próprio Salieri, mas de forma anónima, e fica ainda mais fascinado com tamanho talento do génio. Essa obra foi uma encomenda de Salieri para a poder tocar no funeral de Mozart, como sendo sua e não dele: afinal, dentro de si morava o desejo de que Mozart morresse, para então ter espaço para ser reconhecido, e tinha planos de fazer isso, mas não sabia como. Constanzi então volta para casa. Mozart falece na sua cama enquanto a sua esposa se tenta livrar da presença de Salieri para que o seu marido não continue a trabalhar no Requiem, o que para ela o adoecia.
Já idoso, Salieri confessa a um padre todos os seus sentimentos e feitos em relação a Mozart. A sua revolta a Deus não diminui com a morte do seu ídolo, aumenta pelo fato de Deus ainda assim não permitir a sua glória. O fim de Salieri é num hospício, no ápice da sua loucura sensata. Comenta-se isto diante do fato de enxergar nele a mais plena exatidão do que é um ser humano, com as suas virtudes e defeitos, dores e amores, paixão e ódio, saúde e loucura, mas toda a sua angústia devia-se ao simples desejo de ser um grandioso compositor, e o seu reconhecimento por tal mérito. A sua inveja era o mais puro retrato da ira para com o Deus que na sua visão, tanto abençoou Mozart, deixando-o carente dessa graça. Apesar de tudo, o que fica para o espetador de Amadeus é o gosto de reconhecer que grandes talentos têm por trás da glória, pessoas humanas, que sofrem, ferem e vivem. Os nossos ídolos são nada mais e nada menos que pessoas humanas.
Sob a interpretação musical de importantes orquestras, coros e grupos de música de câmara, entre os que destacam a Academy of St. Martin in the Fields, regida por sir Neville Marriner, o Coro da mesma Academy, regido por Laszlo Heltay, a Ambrosian Opera Chorus, regida por John McCarthy, os Coristas da Abadia de Westminster, regidos por Simon Preston, o Coro da Sinfónica de São Francisco e destacados solistas instrumentais, no filme podemos escutar peças muito importantes de Mozart. Entre elas cumpre assinalar as seguintes: vários concertos para piano e para dois pianos, adágios, sinfonias números 25 e 29 e concertante para violino e viola, serenadas, missa em dó menor e fragmentos de Don Giovanni, As bodas de Fígaro, o Rapto do Serralho, a Flauta Mágica e o Requiem. A trilha sonora do filme atingiu a 56ª posição na parada de álbuns da revista americana Billboard, tornando-a uma das gravações mais populares de música clássica de todos os tempos. Todas as faixas foram compostas por Mozart, com exceção de uma canção folclórica húngara e o movimento final (Quando Corpus Morietur et Amen) do Stabat Mater do compositor italiano Giovanni Battista Pergolesi. O filme contém diversas obras musicais que não foram incluídas no álbum lançado com a trilha sonora. Como indicando acima (exceto onde especificado), todas as faixas foram executadas pela Academy of St. Martin in the Fields, regida por sir Neville Marriner, e interpretadas especificamente para ser utilizadas no filme. De acordo com os comentários sobre o filme feitos por Forman e Schaffer, Marriner concordou participar do filme com a condição de que a música de Mozart fosse interpretada na maneira exata em que consta das suas partituras originais. Marriner acrescentou, no entanto, algumas notas à música de Salieri, que podem ser percebidas no início do filme, quando Salieri inicia sua confissão ao padre.
TEMAS PARA REFLETIR E REALIZAR:
Depois de olhar este filme, utilizando a técnica de dinâmica de grupos do “cinema fórum”, debater sobre os aspetos fílmicos do mesmo, o roteiro e a linguagem cinematográfica utilizada pelo diretor checo Milos Forman, os planos, os movimentos de câmara, os “travellings”, os “flashs backs”, o uso do tempo e do espaço, a montagem e a trilha sonora e outros recursos fílmicos que aparecem nesta interessante obra cinematográfica, que recebeu infinidade de prémios Também sobre a psicologia e as atitudes das diferentes personagens que aparecem no mesmo, tanto as principais como as secundárias. Comparar este filme também com outros importantes da cinematografia mundial sobre compositores de música.
Dinamizar as férias das nossas crianças, especialmente as mais longas (o verão), com atividades artísticas e lúdicas arredor da música e das cantigas, para ocupar adequadamente o seu tempo de lazer. Um Plano de atividades para ocupar o tempo de lazer das crianças durante as férias, arredor da música e da canção poderia recolher, escolhendo-as por gostos e preferências dos rapazes, as seguintes atividades:
-Organizar audições musicais variadas:
- De compositores famosos como Vivaldi, Bach, Haendel, Strauss, Beethoven, Albinoni, Verdi, Tchaikovski, Telemann, Rossini, Rimsky-Korsakov, etc., procurando escolher as peças mais apropriadas para crianças, e entre elas as que foram compostas precisamente para elas, como por exemplo “O carnaval dos animais” de Saint-Saens, “A Sinfonia dos brinquedos” de Leopoldo Mozart, “Pedro e o lobo” de Serguei Prokofiev, “Píccolo, saxo e companhia” de André Popp, “As quatro estações” de António Vivaldi, etc.
- Monográficas de instrumentos musicais, tanto de música clássica, como de música “étnica”: harpa, piano, violino, órgão, trompa, clarinete, viola de gamba, guitarra, sitar, vina, acordeão… e populares como gaita-de-foles, pandeireta, harpa e flauta dos Andes e a dos Lhanos da Venezuela, Kora do Senegal, harpa irlandesa e escocesa, balalaica russa, sanfona, harpa birmana, acordeão galego, saltério mexicano, tambores africanos, etc. Paralelamente, podem-se organizar amostras bibliográficas e fotográficas sobre os diferentes instrumentos.
- De canta-autores importantes: José Afonso, Joan Báez, Violeta Parra, Chico Buarque, Elis Regina, Caetano Veloso, Martinho da Vila, Gail Costa, Bonga, Cesária Évora, Jair Rodrigues, Julio Iglesias, Víctor Jara, Suso Vaamonde (“Os Sonhos na Gaiola”), Vitorino, Amáncio Prada, etc., e de grupos como “A Roda”, “A Quenlla”, “Fuxan os ventos”, “Colheita alegre”, “Madredeus”, “Maio moço”, “Coral de Ruada”, “Toxos e Froles”,etc.
-Criar uma Oficina Pedagógica para construir singelos instrumentos musicais, com elementos da natureza e com materiais de desfeita: assobios, cunchas, flautas…
-Aprendizagem instrumental: as crianças que o desejem podem aprender a tocar a guitarra, a pandeireta, a flauta, a gaita-de-foles, o pandeiro, as conchas, etc.
-Aprendizagem de canções, especialmente do cancioneiro popular galego, português e brasileiro, tanto em canto individual como em canto coral.
-Organização de um Clube de Dança, para aprender danças populares (moinheira, jota, valse, rumba) e também bailes (samba, cúmbia, tango…).
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