A coprofilia da informação

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Recebo duma pessoa dos EUA uma preocupante notícia dum portal informativo australiano: que no “noroeste da Espanha”, um indivíduo entrou num supermercado com um colete suicida, e disparou contra a gente enquanto gritava “Alá é Grande”. Duas das fontes para a notícia eram os tabloides The Sun e La Región. Embora no próprio corpo do texto se dissesse que o atacante era basco, que o polícia que o desarmou o escutou gritar em euscara, e que devia ter problemas mentais, tanto o cabeçalho como o texto introdutório aludiam igualmente ao jihadismo.

 

Entro na web dessa “fonte” informativa, chamada news.com.au . Outras informações cruciais para o mundo são: Penthouse oferece 1 milhão de dólares por uma suposta fita com atos sexuais de Donald Trump; uma rapariga emite em direto em Facebook o seu próprio suicídio; uma mulher australiana leva um ano sem botar peidos (sic). Entro noutros lugares “informativos” espanhóis, desde os também fecais esdiario.com ou OKdiario.com até Publico.es ou Elpais.es . Com distâncias, em nenhum deles faltam os itens de lixo “informativo”, dissimulados entre informações verazes. Em todos eles, nalgum lugar ou outro, a pessoa leitora é levada a clicar em chamativas e/ou sexistas imagens com cabeçalhos delirantes.

 

Facebook é a sistematização do mesmo, com a diferença de que nele todo o mundo acredita ser jornalista, ativista, ou as duas cousas. O negócio da “informação”, das “tecnologias da informação e a comunicação”, e das “redes sociais” que nem têm estrutura de rede nem são sociais, é um monstro deliberadamente desenhado para que deixemos de pensar. Apavora reconhecer nas condutas de pessoas aparentemente inteligentes tal grau de sujeição e dependência duma aranheira inçada de maníacos, troles, nazis declarados, mentirosos e sicários da palavra e doutras cousas. No final, o alvo desse totum revolutum é que a gente não saiba distinguir entre a informação certa e as fezes. É a intoxicação da consciência, para criar ignorantes manipuláveis que votem em qualquer cousa, ou que não votem, ou que votem diretamente no fascismo que lhes proibirá votar. É o circo medieval feito prática diária, desde uma puberdade adicta a um ecrã de cinco polegadas até os mais multimilionários e sisudos “projetos” sociológicos de pesquisa que indagam no (falso) “poder das redes” para levantar democráticas revoluções de cores nos países exóticos (mas nunca nos próprios).

 

A informação, assim recebida diariamente, é um asco. A todologia de tom finissecular que dura já todo o milénio inunda as tertúlias (as mediáticas e as de amizades!), e onde ontem podia haver crítica hoje há unicamente trivial comentário de “fio” virtual, que coloca no mesmo nível de pixelização cognitiva o facto social mais importante (a resistência indígena, o feminicídio sistemático, a destruição do planeta) e a defecação verbal de qualquer tuiteiro/a, ou (pior ainda) “youtuber”, ou (pior ainda) jornalista dum meio que contenha, por exemplo, o adjetivo “digital”. O lema é: tu defeca à vontade, que algo ficará. Isso sim, no entanto não ouses alegrar-te da destruição daquele cabrão Carrero Blanco, que é ilegal.

 

O mais frustrante é a energia que haveria que empregar, entre todxs, para desmontar esta coprocracia, legal e socialmente. Por exemplo, fechando webs tóxicas diretamente, e proibindo aos seus autores publicar nada na rede, como se faz com os carnés de manipulação de alimentos: suponho que a nenhum coprófilo praticante lhe permitiriam montar uma empresa de catering.