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No Dia Internacional dos Povos Indígenas, seguindo a filmografia do boliviano Jorge Sanjinés

O Dia Internacional dos Povos Indígenas foi instituído pela ONU (Organização das Nações Unidas) no ano de 1995, através de decreto que indicou o dia 9 de agosto para a referida data. As reuniões iniciaram-se em Genebra, onde grupos indígenas se reuniam buscando garantir as suas condições de vida, os seus direitos humanos, que eram marginalizados. O movimento causou atitude de reflexão sobre tais condições subumanas que os mesmos viviam, além do direito à terra e ao resgate da sua cultura. Outros pontos importantes discutidos no evento foram: os impactos sofridos pelos aborígenes; a promoção da manutenção da sua cultura pelo mundo, patrimônio cultural e histórico que deve ser preservado pelas suas riquezas, pela sua sabedoria milenar, pelas suas contribuições para a diversidade das civilizações, tendo se tornado riquezas da humanidade. Com o passar dos anos, através da reunião, foi instituída a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. A Comissão dos Direitos Humanos também atuou no projeto, a fim de garantir tais direitos. Porém, a iniciativa ainda é pequena diante de tantos anos de extorsão, discriminação e preconceito que a etnia indígena sofreu e suporta até os dias de hoje, mesmo estando protegidos pelo documento, que aparece em quarenta e seis artigos que abordam sobre os seus direitos e dignidade.

Líderes indígenas de Brasil se envolveram com os debates, impondo as suas necessidades, exigindo o respeito às suas culturas, às distintas línguas, à preservação dos seus costumes, da sua forma de ver o mundo. Porém, as primeiras manifestações no Brasil surgiram a partir de um grupo de futebol indígena, a União das Nações Indígenas, mostrando que já estavam politizados. Cansados de terem a sua cultura dominada pela cultura do homem branco, o Gerente do Memorial dos Povos Indígenas e membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz da Cátedra Indígena Internacional, Marcos Terena, deixa o seu recado sobre o assunto: “situações de dominação devem despertar nossa revolta e nossa indignação e mais do que nunca nós, como parte do movimento indígena, devemos relembrar as conquistas indígenas e, a cada 9 de Agosto, jamais permitir que o homem branco continue falando por nós, tomando nossas ideias e mantendo uma postura de “grande pai”. Esse tempo já acabou, mas compete a nós indígenas, fomentar, divulgar e fiscalizar essas ações racistas e preconceituosas.”

Não importa a região em que se encontram, o país, o estado ou a cidade, nem tampouco as tribos às quais pertencem. Os índios merecem respeito e dignidade. Sabe-se que assim como outras etnias, devem ser considerados nos seus valores, costumes, saberes e cultura. Diante disso, protegê-los contra a dominação de homens de outras progênies, contra a destruição dos seus meios naturais de sobrevivência, contra a falta de política que garantam a sua educação, saúde e bem-estar é uma obrigação de todos, segundo a última Constituição do Brasil, que é necessário que seja cumprida.

OS ANTIGOS POVOS SANTAL DA ÍNDIA:

A Constituição da Índia, nascida da independência, por expresso desejo de Gandhi e os seus seguidores, não recolhe as castas hinduístas e reserva lugares de funcionários para os denominados “adivasis”, que são aqueles cidadãos indianos que durante séculos nunca tiveram casta (os “harijan” ou “filhos de Deus” no pensamento gandhiano), marginalizados pelos que sim a tinham. Entre os “adivasi” encontram-se os pertencentes aos povos santal, os mais antigos povoadores do subcontinente indiano. Com os quais convivo e sou feliz durante a metade do ano que moro em Bengala, no complexo educativo de Tagore em Santiniketon. Situado no distrito de Birhum, zona que limita com o estado de Bihar, estão assentadas a maioria das tribos santal que existem na Índia. Os povos santal são, como comentei, os mais antigos deste grande e imenso país. Que já existiam quando a invasão dos mogóis. De pele mais escura que a do resto dos cidadãos indianos, por não terem casta, foram sempre desprezados pelos membros das quatro castas dos pertencentes à religião hindu, que é maioritária. Robindronath Tagore, quando criou a sua escola, pensou especialmente nas crianças santal. Por isso, nos primeiros anos, a maioria dos rapazes que acudiam às aulas ao ar livre, debaixo das árvores e de pássaros cantores, eram destas tribos. Infelizmente hoje são minoria nestas aulas, ocupadas por outras etnias e muitos filhos de funcionários.

Dança santal
Dança santal

Já na primeira vez que aqui vim fiquei fascinado por estas gentes santal. E pelas suas aldeias com casas adornadas, construídas com barro vermelho que aqui muito abunda. Cobertas de palha de arroz, como o colmo que tinham as vivendas das nossas aldeias galegas. Os santal têm o seu próprio idioma, o santal, a sua cultura diferente, que conservam com grande dignidade e manifestam com orgulho. Não sei por que, mas há algo nestas pessoas santal, que me lembram a nossa cultura galega ancestral. Ver a doçura com que as mães santal tratam os seus filhos é algo admirável. A maneira de como os cuidam, dando-lhes massagens desde pequeninos de forma magistral. O carinho que desbordam cara eles. Pela sua parte, os homens santal são grandes trabalhadores, mas não todos. Levantam-se um pouco antes de sair o sol, dando-se o banho ritual em água fria. Deitam-se muito pouco depois do sol-pôr. Embora, o que mais surpreende nestas gentes é que muitos são cristãos (católicos ou protestantes), sendo muito normal ver a cruz gravada ou pintada nas paredes das suas casas. Merece destacar-se a sua cultura popular, na que jogos como a bilharda, os zancos, a turra-soga, gude ou bolas, a roda, o pião e o truco ou macaca, são os mais significativos. Semelhantes aos nossos, com os nomes respectivos de danguli, lombapa, babetam, guti, chaka, latu e kit-kit, é muito normal ver os muitos nenos e nenas santal desfrutarem com eles, nos espaços abertos das suas eiras. E nunca melhor dito, pois têm malhas do arroz e levantam medas como as que levantavam os nossos aldeãos galegos. O alimento primordial para eles é o arroz, do que há mais de dez tipos, e tem cinco nomes diferentes, segundo a maneira de cozinhá-lo. Também têm uma aguardente feita com este grão, e nas festas às vezes acabam alguns bêbedos. As suas danças são muito formosas, tocando uns bombos especiais. As jovens santal dançarinas vão vestidas com trajos de cores muito vivos. As aldeias que há ao lado de Santiniketon levam por nomes Gualpara, Moldaga, Balipara, Baganpara, Kalipukur, Purundupur, Bondamga, Fuldanga, Bonovila, etc. Tagore, que os admirava, escreveu muito sobre eles, dedicou-lhes poemas e falou muito bem da mulher santal. Os artistas da sua Faculdade de Belas Artes, como Nondolal Bose e Ramkinkor, criaram muitas peças artísticas (pinturas, gravuras e esculturas) sobre os santal. Algumas decoram o imenso campus universitário desta “morada da paz” tagoreana. Entre os trabalhos dos santal, a maioria labregos, estão o cultivo de arroz, batatas, berinjelas e verduras de todo o tipo. E o cuidado de animais: javali doméstico, patos, galinhas, cabras e vacas. Alguns também vivem do artesanato e dos ofícios artesãos típicos, como carpinteiros, ferreiros, alvanéis, costureiras, jardineiros, leiteiros ou peixeiros.

Para tratar um tema tão lindo e atrativo, e sensibilizar aos cidadãos (especialmente a docentes e estudantes de todos os níveis) sobre os direitos dos povos indígenas do mundo, escolhi os filmes indigenistas do provavelmente mais importante cineasta que tratou nas suas fitas este tema: o cineasta boliviano Jorge Sanjinés.

FICHAS TÉCNICAS DOS FILMES INDIGENISTAS DE JORGE SANJINÉS:

1.-Título original: Yawar mallku (O sangue do condor).

  • JORGE SANJINES O Sangue do Condor CartazDiretor: Jorge Sanjinés (Bolívia, 1969, 80 min., preto e branco).
  • Roteiro: Óscar Soria e Jorge Sanjinés. Fotografia: Antonio Eguino.
  • Música: Alfredo Domínguez, Ignacio Quispe e Alberto Villalpando.
  • Produtora: Grupo Ukamau. O filme é falado em idioma “Quéchua”.
  • Nota: Para olhar entrar aqui.
  • Prémios: Nos festivais de Veneza, Valhadolid, São Francisco e outros.
  • Atores: Marcelino Yanahuaya, Benedicta Mendoza, Vicente Verneros Salinas, Danielle Caillet, Felipe Vargas e atores amadores do povo.
  • Argumento: Um grupo de estrangeiros do chamado Cuerpo de Paz da Bolívia chega a uma comunidade indígena boliviana com o pretexto de ajudar no desenvolvimento local, mas, para isso, estão esterilizando as mulheres camponesas à força. Revoltados, a comunidade indígena se vira contra os estrangeiros.

2.-Título original: El coraje del pueblo (A coragem do povo).

  • Diretor: Jorge Sanjinés (Bolívia-Itália, 1971, 90 min., cor).
  • Roteiro: Óscar Soria. Música: Nilo Soruco. Fotografia: Antonio Eguino.
  • Produtoras: Grupo Ukamau e RTV da Itália.
  • Nota: Olhar entrando no Youtube.
  • Atores: Domitila de Chungara, Felicidad Coca Garcia, Eusebio Gironda, Federico Vallejo e atores amadores do povo.
  • Argumento: Reconstituição do massacre da noite de São João em junho de 1967, quando vários operários das minas de estanho em “Siglo XX” foram retirados das suas casas e executados por tropas do exército, durante o governo do general Barrientos. O filme é, na verdade, um grande mural sobre a luita operária ao longo de pelo menos duas décadas. As personagens relatam as suas vivências, relacionadas com este trágico acontecimento, levado a cabo pelo exército repressor boliviano, sob o pretexto de sufocar um movimento sindical subversivo vinculado à guerrilha comandada pelo “Che Guevara” na Bolívia.

3.-Título original: Jatum auk´a (O inimigo principal).

  • JORGE SANJINES O Inimigo Principal CartazDiretor: Jorge Sanjinés (Peru, 1974, 110 min., preto e branco). Falado em “Quéchua”.
  • Roteiro: Jorge Sanjinés e Oscar Zambrano. Produção: Grupo Ukamau no exílio.
  • Música: Camilo Cusi. Fotografia: Héctor Ríos e Jorge Vignatti.
  • Atores: Manuel Chambi, Fausto Espinoza, Ricardo Valderrama, Jorge Chara, Efraín Fuentes e atores amadores do povo.
  • Argumento: Inspirado em fatos da luita guerrilheira no continente, o filme é destinado às comunidades camponesas andinas, com a atuação de camponeses e estudantes locais. Diante da tirania do fazendeiro Carrilles, uma comunidade se rebela, porém a Justiça favorece o latifundiário. Mais tarde, chega à região, um grupo de guerrilheiros. Eles pedem comida…

4.-Título original: Llocsi caimanta (Fora daqui!).

  • JORGE SANJINES Fora de aqui CartazDiretor: Jorge Sanjinés (Equador-Venezuela-Bolívia, 1977, 102 min., preto e branco).
  • Roteiro: Beatriz Palacios e Jorge Sanjinés. Falado em “Quéchua”.
  • Música: Los Rupay, Grupo Jatari e músicos de Tamboloma e Salasaka.
  • Fotografia: Jorge Vignati, Efraín Fuentes, Roberto Siso, Julio Lencina e Ramón Arellano.
  • Som: Marcel Milan e Freddy Siso.
  • Produtoras: Grupo Ukamau e Universidades dos Andes de Mérida (Venezuela) e Central do Equador (Quito).
  • Prémios: Na Quinzena dos Realizadores, Cannes 1977, e Prémio especial do Júri no VI Festival de Cinema dos Países de Ásia, África, e América Latina em Tashkent, República de Uzbequistão, em 1980.
  • Atores: Grupos de camponeses equatorianos e atores amadores do povo.
  • Argumento: Uma seita religiosa de cristãos instala-se nas terras duma comunidade camponesa equatoriana, às quais dizem que o fim do mundo está próximo e que todo o material não tem importância. Logram conquistar aderentes e fraturam a unidade comunitária. Ao pouco tempo de ir-se aparecem os funcionários de uma transnacional norte-americana alegando que essa terra lhes pertence. Os camponeses opositores olham impotentes os tratores que destroem as suas casas. Num êxodo penoso os camponeses percorrem o campo na procura de ajuda. Organíza-se a solidariedade de outros homens do campo e um grande movimento reclama a terra usurpada. Os caminhos são bloqueados em toda a região, embora o exército despeja o bloqueio com violência. Depois do enterro das vítimas os camponeses reúnem-se para debater a situação.

5.-Título original: La nación clandestina (A nação clandestina).

  • JORGE SANJINES A Nação clandestina Foto0Diretor: Jorge Sanjinés (Bolívia-Espanha-Reino Unido, 1989, 128 min., Cor).
  • Roteiro: Jorge Sanjinés. Música: Cergio Prudencio. Fotografia: César Pérez.
  • Som: Juan Guaraní. Montagem: Jorge Sanjinés.
  • Produtoras: Grupo Ukamau, TVE e Channel Four Films.
  • Prémio: Concha de Ouro no Festival de Donóstia de 1989.
  • Atores: Reynaldo Yurja, Delfina Mamani, Orlando Huanca, Roque Salgado, Willy Pérez, Percy Brun, Luis Severich e Julio Baltazar.
  • Argumento: O filme tematiza a questão da identidade cultural da nação boliviana. Sebastián Mamani, um camponês renegado pelo seu povo, tenta integrar-se a uma sociedade que o discrimina e humilha pela sua origem aimará. Ele retorna ao povoado para se redimir por ter atuado como repressor durante a ditadura. Dançando o “Jacha Tata Danzante” até a morte, ele espera apagar o seu passado, desejando o próprio renascimento.

O DIRETOR BOLIVIANO JORGE SANJINÉS:

JORGE SANJINES Diretor boliviano de cinema 77 anosJorge Sanjinés (La Paz, 1936) é realizador e roteirista de cinema. Estudou Filosofia na Universidad Mayor de San Andrés, em La Paz, e cinema em Concepción, Chile. Vencedor do Prémio Alba das Letras e das Artes, na sua obra destacam-se as longas-metragens Ukamau, Yawar Malku, El coraje del pueblo, Jatum aula, Llocsi caimanta, La nación clandestina, Para recibir el canto de los pájaros e Insurgentes. Com Óscar Soria criou o Grupo Ukamau, herdando o nome do seu primeiro filme, ao qual, posteriormente, se juntaram Ricardo Rada e António Eguino. De Ukamau nasceram também a Escola Fílmica Boliviana, o Cine Clube Boliviano e o Festival Fílmico Boliviano, que permitiu conhecer o cinema produzido no seu país desde 1948. Em 2004, dirige o seu primeiro longa em digital, “Los hijos del último jardín”, voltando-se para um público jovem urbano, frisando, novamente, a importância cultural, ideológica e política das excluídas camadas camponesas indígenas da sociedade boliviana. No ano 2011, Sanjinés volta a filmar e dirige o longa histórico “Bolívia insurgente”, que teve uma pré-estreia, em abril de 2012, com a presença do presidente Evo Morales.

PEQUENOS COMENTÁRIOS DOS 5 FILMES:

Fotograma 'O Sangue do Cóndor'
Fotograma ‘O Sangue do Cóndor’

Tal como comenta Felipe Martins sobre O sangue do condor (Yawar Mallku), é desnecessário salientar a importância do mesmo. Retrato realista do que significa a normalidade de uma “raça” julgar outra “raça” supérflua ou descartável. Os textos que abrem o filme demonstram bem a ideologia de réptil dos colonizadores. Duas cenas se destacam para enfatizar o aspecto nefasto não só desta ideologia, mas de toda a mentalidade e sensibilidade de um mundo apático e incapaz de ajudar outro mundo distante e diferente do seu: a festa dos burgueses que jogam tênis e nadam na piscina e a dança dos médicos enquanto tudo aquilo acontece na aldeia. Essas cenas são sintomáticas para denunciar a festividade de quem vive na indiferença crônica para os problemas alheios. A alteridade que esse filme nos obriga a abraçar é radical, pois só sendo radical podemos nos mover de nossas quadras de tênis e de nossas piscinas (esse símbolo máximo da apatia burguesa) e despertar para os problemas que nos rodeiam: os nossos e os alheios. Desnecessário dizer que este filme é indispensável!

Segundo Luiz Alberto Rocha Melo, da revista Contracampo, A coragem do povo é o primeiro trabalho de Sanjinés com uma linguagem de resistência, logo após ter realizado dous filmes de grande importância para o cinema latino-americano, Ukamau (1966) e Sangue do Condor (1969), ambos também roteirizados por Oscar Soria e interpretados por não-atores. Trata-se, portanto, de um cinema que se estrutura em grandes blocos de ação, fortemente apoiado num “espaço teatral ao ar livre” onde a “personagem coletiva” evolui, e cuja forma mais apropriada é justamente o plano-sequência, que oferece maior liberdade aos atores-personagens. Pode-se, evidentemente, argumentar que esta proposta estética em nada rompe com o problema real que se coloca diante do cinema político, que é justamente o dos meios de produção (um filme feito para o povo, mas nunca pelo povo). Mesmo numa mútua colaboração, como o esquema preconizado por Sanjinés, a palavra final será sempre a deste tão recusado “autor individualista”. No entanto, esta objeção não invalida aquilo que de mais importante existe em “El Coraje del Pueblo”, que é justamente a sua força estética. Se não há, de fato, quebra nos moldes de produção, existe uma real contaminação criadora entre os sobreviventes do massacre e a equipa de filmagem. A câmara não é somente um meio de ordenação, mas de aprendizado. E basta ficarmos na primeira seqüência do filme, que reconstrói a massacre de 1942 nas minas de Catavi, para reconhecermos o valor desta estratégia: trata-se de uma das mais vigorosas e impressionantes aberturas de filmes realizadas neste período, quando mais se a compararmos ao que vinha sendo feito em outros países, como por exemplo Brasil.

Sobre O inimigo principal (Jatun auk´a), Fabián Núñez, na revista Contracampo, comenta que no filme a história adquire um tom pedagógico ao concatenar as suas partes. Quando o camponês Julián vai reclamar o roubo do seu touro ao fazendeiro Carrilles, nós já conhecemos o fim trágico da personagem. Ou seja, a função (finalidade) da ação que vemos não é definir as personagens. Já sabemos que Carrilles é um ladrão e um assassino. O conflito da personagem (resolver o problema do roubo) nos coloca a par da injustiça sofrida por essa comunidade. Ilustra mais a situação das personagens do que defini-la. E portanto, quando os guerrilheiros explicam à comunidade, posteriormente, que existem povos que roubam outros povos, o espectador possui como referência narrativa a personagem de Carrilles, como uma pessoa exploradora e inescrupulosa. Desse modo, esse nível abstrato da narrativa (o conceito de “imperialismo”) é enunciado por um mecanismo de analogia. Claro que tal procedimento pode ser alvo de críticas, mas um filme, que se propõe “marxista”, deve buscar mecanismos de fabulação, de narratividade, para pôr em imagens a “luita de classes”. Jatun Auk’a (El enemigo principal) seria um filme simplista caso permanecesse somente no nível das personagens. A história em imagens possui não apenas a função de nos emocionar (e aqui cabe sublinhar o uso da música nas seqüências de multidão enfurecida), mas, também de nos interpelar. O conflito, realizado pelas personagens na “fábula”, é tomado pelo velho narrador que nos dá a sua lição moral, e, desse modo, nos força a nos ver a nós mesmos como “personagens” dentro de uma narrativa maior: o nosso cotidiano, ou, em termos mais “marxistas”, o processo histórico. Ou seja, fazer com que o espectador se veja dentro de um conflito que é apresentado pelas personagens do filme: a “luita de classes”.

Fotograma de 'Fora daqui!'
Fotograma de ‘Fora daqui!’

Estando Sanjinés exilado no Peru desde 1971, depois de ser derrocado por um golpe de estado o governo nacionalista boliviano do general Juan José Torres, liderado pelo então coronel Hugo Banzer, aproveitou para realizar em 1974 “Jatun auk´a” (O inimigo principal). Embora, em 1975, de novo tem que colher o caminho do exílio para um novo país, partindo para o Equador, ao ser derrocado o governo nacionalista do peruano Juan Velasco Alvarado, por outro golpe de estado. E antes filma neste país andino “Llocsi caimanta” (Fora daqui!!). Esta odisseia de exílios à que Sanjinés se viu obrigado fazer, revela como durante décadas em todos os países de América Central e América do Sul, detrás de todos os sucessivos golpes militares e de estado, sempre estiveram os infames governos dos EUA, defendendo os interesses das suas multinacionais e das suas grandes empresas, colocando governos títeres e fantoches alá e acolá. Este intervencionismo colonial “ianque” (com uso de armas ou outros meios mais refinados), que vêm já de finais do século XIX, não só teve e tem lugar na América, mas também na África e na Ásia. Criando guerras artificiais e artificiosas ali onde tinha ou tem interesses económicos e de domínio, baseando-se em argumentos totalmente falazes e irreais e em mentiras indignas. Em América temos os casos de Peru, Equador, Bolívia, Argentina, Brasil, Uruguai ou Chile. E no resto do mundo em Coreia, Birmânia, Vietnam, Filipinas, Japão, Camboja, Iraque ou Afeganistão. O filme Fora daqui! apresenta precisamente um fato real de intervencionismo ianque, similar aos que venho de comentar. Uma comunidade camponesa dos Andes do Equador enfrenta repentinamente um conflito de terras com os representantes legais de uma enorme empresa norte-americana, cuja descoberta de riquíssimos jazigos minerais no lugar é o motivo da cobiçosa ofensiva sobre essas terras, onde a comunidade morou desde tempos imemoriais. No meio do conflito aparece em cena uma seita religiosa (também é casualidade!). A que, com a sua prédica cheia de mentiras, confunde aos comuneiros de forma intencionada para, eventualmente, dividi-los. Voltamos outra vez ao lema imperialista, que já vêm da época romana, de “divide e vencerás”. No filme destaca a interpretação do povo e de atores populares não profissionais.

Segundo a investigadora Roseline Mezacasa, o filme A nação clandestina retrata elementos históricos e culturais do povo aimará, tendo como protagonista Sebastián, um carpinteiro, membro deste grupo étnico. Por meio desta personagem principal, o cineasta monta uma trama de tensões e conflitos interétnicos, evidenciando as complexas relações entre indígenas e não indígenas, diante do contexto do golpe militar na Bolívia na década de 1960. Uma característica associada ao cinema produzido por Jorge Sanjinés é o realismo italiano, que almejava produções fílmicas junto ao povo, mostrando as realidades sociais e políticas nos mais variados espaços. O filme busca as relações existentes no interior da comunidade aimará, a sua cosmologia, estrutura de organização social, práticas e rituais feitos pelos indígenas, para, então, fazer o paralelo com a sociedade não índia da Bolívia, que transforma em clandestinidade práticas produzidas há séculos pelos grupos étnicos. Daí o nome “La Nación Clandestina”, pois apresenta uma Bolívia indígena que se torna clandestina dentro dos seus próprios territórios imemoráveis. Abordar-se-á essa produção fílmica pelo viés da antropologia do colonialismo, tendo em vista a permanência do colonialismo interno na Bolívia após os processos de independência. O filme é permeado de complexidades e possibilita reflexões importantes para pensar as relações entre os universos indígenas e os não indígenas, dentro de um Estado-Nação que produz no seu interior “nações clandestinas”. Sobre este filme o próprio Sanjinés comenta: “La nación clandestina narra a peripécia de Sebastián Mamani, um indivíduo, mas toda a sua história é a desesperada procura de se integrar nos outros, no grupo, na sua comunidade, ainda que através da morte. Cem sequências em cem planos sem corte. Uma obra sem montagem, sem tesouras na edição, para exprimir a ideia do tempo circular que os índios controlam, num poderoso entendimento que concebe o tempo e o espaço como uma só unidade há mais de 2000 anos antes de Einstein. Tudo o conseguimos. O principal destinatário, o nosso povo, identificou-se e adorou o filme. A nossa surpresa foi que outros públicos, pessoas de culturas diferentes, também se sentiram fascinadas por ele”.

BOLÍVIA, UM CRISOL DE ÉTNIAS, IDIOMAS E CULTURAS INDÍGENAS:

DIA INTERNACIONAL DOS POVOS INDÍGENAS FestaEm janeiro de 2006, Evo Morales, um indígena uru-aimará e líder sindical cocaleiro, assume a presidência de Bolívia. Consagrado pelo 54 por cento dos votos, o triunfo de Evo não só amostrava a emergência dum trabalhador, dum representante dos labregos submetidos à miséria, senão uma reivindicação cultural sem precedentes. Por primeira vez Bolívia tinha um presidente indígena, que deixou claro qual era a natureza do seu governo apenas tomou o mando. Antes do protocolo oficial no que abundam as gravatas, Morales foi investido como Jacha Mallku (Grande Condor), máxima autoridade dos povos indígenas, numa cerimônia celebrada em Tiwanaku. As fotos da cerimônia, respeitosa do ritual ancestral, levantou a pele de alguns brancos que, pese a serem o 14 por cento de uma população na que se cruzam e misturam diversas culturas, dominou e postergou até a invisibilidade aos povos originários, o 60 por cento dos bolivianos. A carreira de Evo -ampla, iniciada na mais rotunda pobreza- teve o seu impulso decisivo a meados dos noventa, quando o pitoresco presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, um fantoche que falava castelhano com acento de Chicago (ali tinha estudado), intentou destruir o 10 por cento das colheitas de coca no Chapare, por ordem dos Estados Unidos. Em resposta, os trabalhadores do setor, conduzidos por Evo, empreenderam uma ativa protesta que terminou com uma multitudinária marcha para La Paz. O movimento sindical avaliou então que tinha que dar o salto à política. E nas eleições de 1997, Evo ocupou uma das quatro bancas que a Esquerda Unida (depois derivaria no Movimento ao Socialismo) obteve no Parlamento boliviano. Já no século XXI, novas manifestações populares de reprovação ao governo (o segundo mandato de Lozada, que terminou renunciando para refugiar-se em Miami; também o faria o seu vice, razão pela qual se adiantaram as eleições), facilitaram o caminho de Evo Morales à presidência. O 18 de dezembro de 2005, os bolivianos acudiram às urnas e lhe deram um amplo respaldo ao programa de Evo. O que veio depois foi a nacionalização dos hidrocarburos, a reforma agrária, o combate à pobreza e à discriminação cultural histórica. Durante o governo de um aimará (a segunda população indígena mais numerosa logo da quéchua) foi que, em 2009, Bolívia passou a chamar-se Estado Plurinacional de Bolívia. E, ademais do castelhano, ao que tão pouco honrava o último presidente liberal, a nova Constituição Política reconhece 37 línguas oficiais. As línguas dos povos originários. Bolívia é, graças a Evo Morales, literalmente outro país. Um país no que, infelizmente, nos últimos 30 dias, depois de vários anos de tranquilidade social, conseqüência da prosperidade e a fortaleza política de Morales, volta a sofrer um sério conflito social: uma greve geral com bloqueio de caminhos em Potosi durante bastantes dias, e que se estendeu a La Paz, com manifestações de centos de mineiros, pela caída dos preços dos minerais, que paralisam a diário o centro da capital boliviana. As reivindicações também têm um tinte regionalista. O que nos leva a rever o filme A coragem do povo. E, depois do que nos anos 70 aconteceu no Chile de Allende, desconfiar do que pode haver por trás. Pelo que há que estar em alerta.

TEMAS PARA REFLETIR E REALIZAR:

Servindo-se da técnica do Cinemaforum, analisar e debater sobre a forma (linguagem cinematográfica) e o fundo dos 5 filmes anteriormente resenhados, realizados por Sanjinés.

Organizar nos estabelecimentos de ensino um Ciclo Cinematográfico de filmes indigenistas, que pode incluir, junto com outros, os cinco antes mencionados. Paralelamente, seria interessante organizar uma amostra sobre os povos indígenas que há nos diferentes continentes do planeta. Incluindo na mesma textos, fotos, cartazes, frases, mapas, jogos tradicionais, livros e trabalhos dos estudantes. Podem organizar-se ademais audições musicais de canções e música destes povos. Com todo o material pode editar-se uma monografia, que ademais pode ser policopiada. Se na localidade na que nos encontremos existem imigrantes pertencentes a etnias indígenas, podemos convidá-los a participar e também realizar com eles debates-papo.

Organizar um Livroforum, depois de ler todos, estudantes e professores, um livro escolhido por todos, relacionado com o tema. Entre eles podemos escolher As veias abertas de América Latina de Eduardo Galeano, ou Os condenados da terra de Frantz Fanon. E mesmo Retrato do colonizado de Albert Memmi.

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