O último estudo publicado pelo IGE sobre conhecimento e uso do galego é pouco esperançoso. Podemos distorcer a leitura dos resultados mas isso pouco pode mascarar uma realidade presente em cada aula ou rua da Galiza. O retrocesso no número de falantes nas faixas de idade mais novas, sobre as que pivota o relevo geracional é alarmante com apenas 16,2% de falantes habituais entre a rapaziada de 5 a 14 anos e 28,2% na faixa dos 16 aos 29 anos. Os dados têm avivado o debate na imprensa e nas redes sociais. As reações incluem análise, críticas cruzadas e reproches ao governo galego pelo incumprimento do Plan Xeral de Normalización da Lingua Galega de 2004 e o decreto de Plurilinguismo de 2010. A autocrítica é escassa.
Contudo, se tivessem cumprido as medidas na íntegra, seriam outros os resultados? Qual o prognóstico do mesmo inquérito em duas décadas? É assustador. Quem se importa pelo futuro da língua, vive certa consternação e vozes do galeguismo pedem uma virada de rumo para a política linguística deste país. Qual? Eis a questão-chave. No horizonte imediato, fica à frente o estudo dum novo pacto pela língua. Será que seremos capazes de darmo-nos um novo acordo inclusivo que reúna todas as sensibilidades do galeguismo e as nossas potencialidades como comunidade de falantes? A AGAL, a associação histórica do reintegracionismo, tem propostas para um futuro em língua galega e quer fazer parte deste debate.
Falemos a sério. Hoje a mocidade, maioritariamente urbana, não conhece ou não quer usar a língua galega? Os dados do IGE entretecem-se com as mudanças da nossa sociedade nas últimas décadas a nível demográfico, socioeconómico e também político. Para muita rapaziada, nem é a língua familiar nem a dos seus pares, nem permite uma pesquisa acadêmica competente na internet, nem sequer facilita os variadíssimos conteúdos que curtem diariamente nas redes sociais. A mocidade galega maneja a língua que abre as portas dos seus interesses e, infelizmente, o recurso ao castelhano entre nós é uma tendência que, sozinhos no mundo, não podemos mudar nem com o vento a dar na nossa vela. É por isto que urge redefinir o modelo de língua que estamos a oferecer às novas gerações. Um modelo que nos permita acrescentar à tradicional dimensão da identidade, todo o potencial da utilidade pelo mundo aí fora.
Assim sendo, não fará mais sentido oficializar o português padrão na Galiza? Promovermos um contexto de binormativismo funcional, de pleno direito, permitir-lhe-ia às pessoas escolher para o seu galego a grafia da sua preferência: RAG e/ou AGAL. Estamos a falar de liberdade. Este passo facilitar-nos-ia a entrada em contacto com outras variedades da nossa língua, percebermo-nos enquanto falantes duma comunidade internacional, a lusófona, e reforça-nos perante prejuízos, complexos e uma castelhanização imperante. Normalizar esta olhada é oferecer às novas gerações a oportunidade de viverem plenamente em galego em tempo real.
Assim sendo, não fará mais sentido oficializar o português padrão na Galiza? Promovermos um contexto de binormativismo funcional, de pleno direito, permitir-lhe-ia às pessoas escolher para o seu galego a grafia da sua preferência: RAG e/ou AGAL. Estamos a falar de liberdade.
Contudo, é claro que sem o cumprimento de medidas políticas que subvertam a situação crítica que atravessa a língua na Galiza, será impossível. Portanto, acrescentemos, então, à lista das tarefas pendentes a implementação maciça da Lei Valentim Paz-Andrade para o aproveitamento dos vínculos com a lusofonia de 2014, que entre outras propostas pretende a troca de emissões de rádio e de televisão para o reforço linguístico recíproco e, aliás, a generalização do ensino do português na Galiza, tendo como referencial o exemplo da Estremadura espanhola. Estamos a falar de estímulo e conhecimento. A escola é a via para insuflar esta proposta, que como bolha de ar fresco, reforça a autoestima linguística e faz voar mais alto o alumnado galego. No entanto, hoje nos nossos centros de ensino ainda não é possível escolher livremente esta matéria que capacita qualquer pessoa para aprimorar a qualidade do seu falar, depurando castelhanismos, recuperando léxico perdido e tantos traços genuínos. Há já professorado a confirmar que esta é a melhor medida normalizadora que temos na mão. A aposta é clara para quem a experimentar.
Por último, sem relevo geracional nada do anterior fará sentido. Apelar ao identitário pode tocar o coração de algumas famílias. Admitamos, pois, que é irrenunciável para quem assim o sentir. Somos muitas. No entanto, que oferece o galego RAG àquelas que dissociam língua e identidade? Na AGAL pensamos que o identitário e o utilitário não são excludentes e hoje, mais do que nunca, podem ser as aliadas perfeitas para produzir um efeito prestigiador que reative a transmissão familiar, quase perdida no âmbito urbano. Estamos a falar de oportunidade e compromisso social. O galego entendido como língua internacional também nos singulariza e nos torna muito competitivas num cenário global. Que família convenientemente informada quereria restar oportunidades às suas crianças?
A situação é de emergência, sim, e se os próximos estudos do IGE confirmarem a tendência, constataremos que a nossa língua floresce a sul do Minho e em territórios de vários continentes mas desaparecerá da Galiza. Faremos literal aquilo de “menos mal que nos queda Portugal”. Talvez, chegado o momento, tenhamos que inventar a condição de refugiadas linguísticas. Como dizia Manuel María, o poeta nacional, “o idioma é a chave coa que abrimos o mundo”. É por tudo isto que, o futuro pacto pela língua, devia ser o suficientemente ambicioso como para colocar na mão da sociedade galega, nomeadamente da mocidade, a chave da nossa soberania linguística e cultural. As pessoas querem jogar a ganhar. É humano. Há 40 anos não era o momento. E agora?
[Este artigo foi publicado originariamente no Salto Galiza]