Galiza, ecossistema industrial

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Com estes elementos poderia ser dado um salto em frente aproveitando as vantagens competitivas do país, que as há. O primeiro passo poderia ser um mapeamento da totalidade das empresas. O segundo, saber do seu nível de sofisticaçom e da sua capacidade de forjar coalições com outras, procurando estabelecer um círculo virtuoso.

“Quem nom sabe faz coma que nom vê”, isso dizia meu pai. Que acontece quando o peso do tópicos e dos clichês é esmagador e sepulta qualquer evidência que tenhamos ante os olhos? Que sucede quando nom sabemos ver?

É a Galiza um país rural? Muita gente ainda identifica as duas palavras, como se fossem termos equivalentes numha equaçom. Galiza = rural. No pior dos casos, os mais limitados entendem que “cidade” e “Galiza” são termos antitéticos. Essa reduçom de um termo a outro nunca foi exata, mas operou-se na consciência coletiva como se fosse um axioma matemático. É um axioma, a propósito, que costuma ser misturado com umha atitude condescendente e auto-indulgente própria da gente que nom quer saber muito sobre si mesma no presente. O Galiza = rural tende a se expandir em Galiza = passado e Galiza = sem futuro (que bonita é a morrinha, que verde era mi valle, pero el muerto al hoyo y el vivo al bollo e etcétera, etcétera).

É a Galiza um país rural? Muita gente ainda identifica as duas palavras, como se fossem termos equivalentes numha equaçom. Galiza = rural. No pior dos casos, os mais limitados entendem que “cidade” e “Galiza” são termos antitéticos.

O mesmo vale para a atividade económica. Tende a se pensar que na Galiza o rural abrange tudo, quando “agricultura, pecuária, silvicultura e pesca” apenas representavam, segundo o IGE, 4,4% do PIB em 2022. Talvez outras maneiras de contar poderiam fazer aumentar a percentagem, mas, ainda assim, continuaria a ser um âmbito económico perfeitamente circunscrito.

Continuamos com os dados: segundo um relatório do Conselho Geral de Economistas em 2019, o sector industrial da Galiza representava 18,5% do PIB galego. Nesse mesmo ano, a média no conjunto do Estado situava-se em 16%. Essa ligeira vantagem fazia que a Galiza contribuísse com 6,1% para o PIB industrial da Espanha, quando o seu peso no conjunto da economia estatal limitava-se a 5,20%.

Segundo um relatório do Conselho Geral de Economistas em 2019, o sector industrial da Galiza representava 18,5% do PIB galego. Nesse mesmo ano, a média no conjunto do Estado situava-se em 16%.

Com referência ao ano 2021, no entanto, o peso do sector industrial no PIB galego, segundo os dados do IGE, representava 15,2% enquanto que, segundo o relatório Una perspectiva económica de la situación de la industria en España: actualización 2022, no conjunto da Espanha representava 15,31%. Praticamente, pois, idêntico.

Para acrescentar elementos à fotografia, poderia ser indicado que o peso da indústria no PIB de Madrid, sede de tantas empresas, umha fenomenal plataforma logística, mas, acima de tudo, umha cidade onde se manda, e manda muito – e, como o amável leitor entenderá, nom sempre bem – reduzia-se em 2019 a 10,3%.

Na Alemanha, o país mais industrializado da Europa, o sector industrial representava em 2022 arredor de 26,5% do PIB e empregava 27% da populaçom ativa do país. No País Basco, o PIB industrial representava 24% e a populaçom empregada situava-se no contorno de 20%.

São números, claro. E os números podem levar a equívoco. A estatística la carga el diablo. Mas, mesmo assim, os dados indicam muito. Muito e desatendido.

A viagem a Cúrtis

A ver umha fábrica em Teixeiro, Cúrtis, fomos Xoán Carmona, catedrático emérito de História Económica, e servidor. Carmona sabe mais da história industrial da Galiza do que todos nós juntos. Os textos de Xoán, discípulo do falecido mestre de historiadores e economistas Jordi Nadal, são leitura obrigatória para quem deseja conhecer o que chamou El empeño industrial de Galicia (Fundación Barrié, 2005) e às vezes podem ser lidos como um romance de aventura. É o caso da história das conservas, editada por Anfaco, a associaçom do sector, ou a do grupo Dávila, disponíveis as duas na rede, entre muitas outras.

Ir de Santiago de Compostela a Cúrtis, chaira situada no limite da Serra da Serpe, é viajar às Terras Médias. Por ali passa o trem Corunha-Madrid, que, até a construçom do ramal da cidade herculina a Compostela, era também o trem de Santiago: o transbordo era feito em ónibus. A manhã estava chuvosa, mas íamos ver Daniel Hermosilla, um empresário, filho e neto de barreneiros do Val d’Eorras – nada de brincadeiras – e 70.000 metros quadrados de fábrica no parque industrial de Teixeiro.

O formigom diz Anselm Jappé, marxista do ramo situacionista, num livro curioso e entretido, mas discutível, é umha Arma de construcción masiva del capitalismo (Pepitas de calabaza, 2021). Além de fazer um pequeno percurso pola história do formigom, afirma Jappé que “encarna a lógica capitalista. É o lado concreto da abstraçom mercantil. Como ela, anula todas as diferenças e é mais ou menos sempre igual”. Pois bem, formigom é o que fazem neste edifício de Teixeiro. Formigom para construir edifícios industriais e, às vezes, menos, para uso residencial.

Daniel Hermosilla, de ofício calculista, sente-se herdeiro de umha orgulhosa tradiçom de artesãos, como o seu admirado Eugène Freyssinet, o engenheiro francês, inventor do formigom protendido, que se referia aos artesãos da sua terra, Corrèze, na Aquitânia, para afirmar que “fabricaram umha civilizaçom caracterizada por um afã extremo de simplificaçom de formas e economia de meios”.

Sem negar a grandeza da matemática, esse instinto de artesão levava a Freyssinet a confiar mais na comprovaçom direta das propriedades de um elemento do que no resultado das equações. Com notável acritude, escreve Eugène Freyssinet acerca de certo tipo de engenheiro: “Acabei por compreender que nom estava ante simples idiotas, senom ante mamarrachos para quem afirmar a validade de umha prova feita na sua presença parecia-lhes mais difícil de suportar do que a comprovaçom de um cálculo”.

Um ecossistema industrial

A Galiza possui um sector industrial interessante. Na Galiza há umha ampla gama de empresas de alto valor tecnológico, capitalizadas e internacionalizadas. Daniel Hermosilla, CEO de Rodiñas, empresário partidário de umha indústria ligada ao território, insiste, contra a imagem estereotipada, tam difícil de eliminar, em que “aqui há umha biodiversidade de indústrias muito interessante. Capitalizadas, com maquinaria de última geraçom e que sabem contratar pessoas talentosas. Empresas que souberam mudar a mentalidade. Começaram a entender que o mercado é o mundo inteiro. Se o soubermos aproveitar e artelhar, pode ser um dos grandes ativos da Galiza”.

A Galiza possui um sector industrial interessante. Na Galiza há umha ampla gama de empresas de alto valor tecnológico, capitalizadas e internacionalizadas.

Arredor de Citröen e Inditex, autênticas empresas motoras, nasceu umha constelaçom de empresas de alto valor tecnológico, capitalizadas e internacionalizadas. Do automóvel à aeronáutica, ou ao importante sector do contract, existem empresas que estão em condições de dar um salto em frente e competir por mais e melhores mercados. Estas empresas que começaram sendo pequenas são agora grandes e podem acabar construindo um ecossistema industrial com relações horizontais entre elas.

Do automóvel à aeronáutica, ou ao importante sector do contract, existem empresas que estão em condições de dar um salto em frente e competir por mais e melhores mercados.

São empresas às quais há que somar o sector mais tradicional, aquele com o qual os mais modernos métodos de produçom e comercializaçom apareceram na Galiza: o das conservas. 150 anos de história. Esse foi o rosto que adquiriu umha serôdia revoluçom industrial entre nós. Ou o sector agroalimentar, com Coren como a empresa mais característica. Ou a da madeira: nos produtos CLT há que localizar umha janela de oportunidade que nom se pode deixar passar. Ou as empresas de alumínio sediadas em Padrom e Valga. Ou o incipiente sector químico, tanto no Porrinho, herdeiro da seminal Zeltia, como em Santiago. Ou o biotecnológico. Ou empresas de serviços de TI ou engenharia de aço.

Som, naturalmente, apenas exemplos que poderiam ser multiplicados. Em todo caso, com estes elementos poderia ser dado um salto em frente, aumentando o valor e aproveitando as vantagens competitivas do país, que as há. O primeiro passo poderia ser, talvez, ter um mapa da totalidade das empresas. O segundo, saber do seu nível de sofisticaçom e, em especial, da sua capacidade de forjar coalições com outras empresas, procurando estabelecer um círculo virtuoso.

Nom é preciso dizer que os salários industriais tendem a ser mais elevados. Por outra banda, no contexto da nova guerra fria, que implica certa dissociaçom entre as economias do Ocidente e da China, a política industrial está de volta. Existe umha janela de oportunidade para o eixo atlântico.

[Este artigo foi publicado originariamente em eldiario.es]

Máis de Antón Baamonde
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