Eliane Brum é uma das mais interessantes jornalistas brasileiras atuais. Especializada em grandes reportagens sobre temas como a vida nas periferias urbanas de grandes cidades como São Paulo, a vivência da morte ou questões ambientais, focadas no Amazonas e na vida dos povos da floresta, é autora de diversos livros.
Brasil construtor de ruínas começa em 2013, com o acontecimento dos rolezinhos, encontros de jovens da periferia, na sua maior parte negros e negras, que se reuniam em lugares considerados exclusivos das classes médias brancas, como os shoppings. Estes rolezinhos forom fiscalizados e punidos pela polícia, pois o público padrão dos centros comerciais apavorava-se com a presença rara e imprevista de jovens periféricos/as que queriam desfrutar dos bens e dos serviços que ofereciam os shoppings.
A partir deste ponto, que considera marco de uma viragem social, Brum discorre sobre os elementos articuladores da sociedade brasileira contemporânea, mas com profundas raízes históricas, como a desigualdade social, o racismo e classismo entranhados nas relações entre grupos e indivíduos no Brasil. O ponto final é o fechamento dos 100 primeiros dias de Governo Bolsonaro em abril de 2019.
Brum discorre sobre os elementos articuladores da sociedade brasileira contemporânea, mas com profundas raízes históricas, como a desigualdade social, o racismo e classismo entranhados nas relações entre grupos e indivíduos no Brasil. O ponto final é o fechamento dos 100 primeiros dias de Governo Bolsonaro em abril de 2019.
Nesses 6 anos, analisados a partir da coleta e rescrita das suas colunas e reportagens, percebemos uma interessante combinação entre a realidade vivida enquanto é narrada e a revisão a partir do momento, para uns catártico para outros traumático, da eleição de Bolsonaro como presidente em outubro de 2018.
Fenômenos como as igrejas evangélicas neopentecostais, por exemplo, são tratados com todo o rigor e seriedade necessários, muito além da simplificação e da visão fácil, e reconfortante do ponto de vista eurocêntrico, de que os evangélicos seriam simplesmente um grupo de alienados e fanáticos religiosos.
Longe do retrato feito pela imprensa europeia, e incentivado pelas classes médias brasileiras, de que Bolsonaro é um bufão e a população brasileira uma república das bananas sem capacidade de análise política, Brum mostra como a emergência da extrema direita também se ancora em erros cometidos durante os 14 anos de governo do Partido dos Trabalhadores, mesmo sem negar os enormes avanços promovidos, desde as cotas sociais e étnico-raciais de acesso à universidade, até políticas de distribuição de renda. O diagnóstico de Brum é que quando a esquerda dilui as suas políticas para agradar os poderes financeiros ou o “centrão” que domina o parlamento brasileiro, as pessoas acabam por orientar o seu voto à direita.
Publicado em 2019, os problemas e diagnósticos apontados pelo livro continuam válidos num Brasil em que, neste mesmo mês, as mulheres indígenas se reúnem em Brasília na expectativa de tentar influenciar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação ao marco temporal, uma interpretação da constituição de 1984 segundo a qual o direito de demarcação de terras indígenas começaria só a partir da redemocratização, legitimando o genocídio cometido pela ditadura militar na segunda metade do século XX.
Da perspectiva de uma esquerda ambientalista e que entende que o principal desafio da contemporaneidade é a crise climática, Brum é cuidadosa à hora de desenhar o lugar que ocupa no campo social cada uma das personagens, grupos políticos, sociais e religiosos, tornando o trabalho acessível para uma pessoa que não segue a imprensa brasileira de forma diária, mas que tem interesse em conhecer a política e sociedade brasileira além dos estereótipos em que a imprensa europeia costuma se comprazer.