Caro Zé Luís:
Começo pelas referidas à tua tese. Perguntam-che: A tua tese consistiu, pois, na edição da obra de Joám Airas de Santiago: por quê finalmente Joám Airas e não outro? etc.
Respondes: Na verdade, a escolha do tema proposto por Rodrigues Lapa foi devida também a ser umha espécie de ponto de encontro entre a filologia e a história literária, pois eu na altura leccionava gramática histórica (do espanhol) e literatura portuguesa, e nom sabia ao certo o rumo que seguiria a minha carreira académica. […] Ora, quando eu comecei com a tese […] a Galiza era um ermo neste campo, de facto só o trabalho de Méndez Ferrín, de 1966, sobre Pero Meogo se podia considerar universitário. A própria biblioteca da Faculdade, por exemplo, carecia de livros específicos, de maneira que, em breve, a minha biblioteca pessoal era bem melhor. (pp. 55-56)
Tenho diante a edição da tese (El Cancionero de Joán Airas de Santiago, Universidad de Compostela, Verba, anexo 12, 1980, 407 pp.) que defendeste em 14 de junho de 1976, em castelhano. A inércia universitária impediu usares a língua da Galiza, apesar de já em 1970 ser permitido o aprendizado das “lenguas nacionales” (sic) em âmbitos do ensino, em virtude da Ley 14/1970, de 4 de agosto, General de Educación y Financiamiento de la Reforma Educativa, do ministro (de Franco) Villar Palasí1, que na realidade, com maior ou menor acerto e não muitas mudanças, foi mimetizada nas sucessivas Leyes de Educación da democracia plena: 1 de UCD, 3 do PSOE, 1 PP, 1 PSOE, 1 PP, 1 PSOE … por agora, 8 em 40 anos. uma cada cinco. A do Villar era Ley General; as seguintes, democráticas, não chegam a Ley Coronel.
Lembrarás aquelas sessões de sábados em que me tomaste como assessor hispanófono, por aquilo de ser valhisoletano, para perfilares a tradução castelhana das cantigas do Joán Airas. Vistos hoje e mesmo então, esses labores e lavragens sobejavam: é impensável que os integrantes do tribunal, sábios sem dúvida, precisassem de tradução nenhuma para julgar o teu trabalho.
Lembrarás aquelas sessões de sábados em que me tomaste como assessor hispanófono, por aquilo de ser valhisoletano, para perfilares a tradução castelhana das cantigas do Joán Airas.
Contudo, sim é pensável … Sei de tese, defendida em castelhano, sobre temas galegos, no mês de julho de 2.000 em Universidade da CAG. Neste caso, segundo parece, a opção foi por prudência para evitar objeções de algum tribunício.
Anedóticas, mas algo tristes, são as tuas apreciações sobre o catedrático de Galego, por carambola, Ramón Lorenzo Vázquez (p. 68). Meu sogro (dep) também tinha por nome Ramón Lorenzo, mas Focinhos e com ele sempre me levei bem. Não é o caso, todo o caso, do catedrático. Lembro dele duas anedotas, separadas por bastantes anos, que em parte corroboram a tua opinião.
A primeira, nos meus tempos de estudante, aconteceu na aula de Linguística Geral que ele ministrava. Eu redigira em castelhano um soneto, ou parecido, que mostrava a uma companheira. Ramón Lorenzo observou-o e pediu-me que lho mostrasse. Seja como for, aconselhou-me que o seguinte o elaborasse em galego. Já vês que segui o seu conselho, porque me pareceu muito razoável.
A segunda foi bastantes anos depois, definidos uns e outros quanto à Orthographia do Galego. Eu já era PN de Secundária, na Crunha, mas quis completar os estudos de Galego-Portugués (acho que ainda era essa a titulação) na USC, única existente na CAG. Enquanto Ramón Lorenzo me viu na aula, deveu de sentir um impulso estranho, porque sei que, acabada a sessão, baixou veloz à Secretaria para comprovar se eu estava legalmente matriculado. A anedota tem uma segunda parte. Casualmente coincidimos no elevador, penso que em ocasião próxima, e falamos. Ele me reprovava que não escrevesse em galego. Eu já colaborara em El Ideal Gallego, na secção “Lapela”, de crítica mais ou menos literária, e em A Nosa Terra. Seguiu a conversa, breve, e num momento perguntei-lhe, já que me propunha ser fiel a Rosalia: A que Rosalia devo seguir, à que escreve delor, a que escreve dolor ou a que utiliza dor? Logicamente optou por esta. Repus que eu estava de acordo e que por isso escrevia em reintegrado.
Houve algum outro episódio universitário que evidencia a existência de algum (só?) contubérnio contra o lusismo e os lusistas e complementa os episódios prévios e contrários à implementação (diz-se assim?) da Cátedra de Português ao teu nome e méritos (pp. 123-135 e mais). Aquele intento de conseguir o título de licenciado em Galego-Português deu-me ocasião de conhecer os textos científicos citados pela Prof.ª Rosário Álvarez para as suas aulas. Citava o meu “Comer o caldo ou come-lo caldo“, publicado em O Ensino, (vol. 2, maio-agosto 1981, pp. 39-43), mas curiosamente omitia-o no seu “O artigo en galego. Morfoloxía” (USC, Servicio de Publicaciones, Verba, 1983, pp. 169-182). Curioso e mesmo divertido é o facto de ela admitir a terceira forma do artigo (-no, -na, -nos, -nas), mas entende improdutivo grafá-lo. Por quê?, não mostra a riqueza do galego?
Houve algum outro episódio universitário que evidencia a existência de algum (só?) contubérnio contra o lusismo e os lusistas e complementa os episódios prévios e contrários à implementação (diz-se assim?) da Cátedra de Português ao teu nome e méritos.
A Prof.ª Vázquez Cuesta foi a primeira presidenta da Associação / Asociación de Amizade Galiza-Portugal, de que abjurou em carta muito triste, acho, enviada ao ativista persistente José Luís Fontenla. Talvez essa fosse uma das condições, ainda remotas, para ela passar a Catedrática de Português na USC. Seria bom contrastar datas. Apesar de tudo, os Ramón García (que recolhes de Carvalho Calero), mais os García do que os Ramón, porque nos feitos controlavam de mais as movimentações galeguistas desde a política nacional mais do que desde a estritamente autonómica e sobretudo desde os jornais sobrealimentados com os nossos impostos.
Rafael González (DEP), diretor de El Ideal Gallego (entre 1972-1980), em que eu colaborava na secção Lapela, comentou-me que recebera pressões para eu ser … reduzido. E assim acabou sendo até ser de facto demitido. Tivemos conversas justamente sobre língua e sobre ortografia. Ele era andaluz, de Osuna, disse-me, confessou-me que os filhos, quando iam à Andaluzia natal do pai, se queixavam porque não entendiam a fala da gente. Por sinal, foi Moncho Pena, que fora estudante meu no C.U. da Crunha e amigo então, quem me indicou que colaborasse nesse jornal, pois ele passava a La Voz de Galicia.


Permite que, à margem, lembre que, ao dia seguinte das manifestações maciças contra o aldraxe (4 de dezembro de 1977?) da elaboração do Estatuto de Autonomía para Galicia, o jornal El País, BOE oficioso, lançou um esclarecedor artigo editorial, em que advertia às fuerzas vivas do Reino del Bourbon que o nacionalismo galego era potencialmente muito mais perigoso do que os outros nacionalismos, dado que a Galiza já tem conformado e instaurado o seu estado natural, que é a República Portuguesa. Não o dizia assim, mas dizia-o2.
Continuemos com a AGAL e com o reintegracionismo que enraizas em Carvalho (Ideal, patriotismo, amor à verdade, eis as linhas programáticas gravadas no seu ADN, p. 71) e em Lapa (O que Lapa nunca foi: um oportunista. […] No fim de contas, um perfil, o de Lapa, nom tam diferente ao de Carvalho Calero, cada um segundo a sua idiossincrasia evidentemente, ambos insubornáveis, mas só subordinados ao império da verdade […] mais frontal Lapa […]: ambos profundamente idealistas, e portanto radicais, no sentido etimológico de ir à raiz, desconsiderando as conseqüências. (pp. 74-75) Excelente programa que guiou, apesar de todos os pesares, a organização e atividades da AGAL, pelo menos, durante o tempo em que eu participei nela. Confio em que continue pelos mesmos trilhos.
Deixo de parte outros comentos teus e vou ao grão que acho muito pertinente. Dizes (p. 140): Neste sentido fundacional, sim me reconheço umha espécie de pai da AGAL, reconhecendo contudo que tem mais de um. Tens toda a razão, embora com bastante frequência, desculpa, te retraísses, recuasses … ou mo parecesse. Seja como for, havia pessoas como tu que estimavam urgente fazer como uma divisão de atividades e atuações, umas teorizantes (digamos), outras práticas e mesmo catequéticas (sic). Mas não se logrou. Acaso nestes tempos …
Continuas: Quanto ao cenário de atuaçom da Associaçom, o preferencial é, logicamente, a Galiza, porque o problema crítico da língua está aqui […] A AGAL contou desde os eus inícios com umha Comissom Lingüística. à qual pertencim sempre, cujo primeiro trabalho foi elaborar umha crítica dos pontos em que discrepávamos da normativa do Instituto da Lingua Galega e da Real Academia Galega, as Normas ILGA-RAG. Daqui saiu o Estudo crítico das Normas ortográficas e morfolóxicas do idioma galego, publicado em 1983 (p. 140)3. Foi quase um ano de trabalho sabático , sábado trás sábados, no local que nos cedia, da sua livraria, a excelente pessoa de Jesus Couceiro, na Rua de EL Salvador, da capitalina Compostela de Prisciliano.
Tenho à vista a primeira edição. A capa foi de Amado L. Caeiro, como o foi a de Dialéctica do Desenvolvimento: Naçom, Língua, Classes Sociais, do Prof. Lopes-Suevos. Conhecerás que o Conselho tentou daquela começar as publicações da AGAL por Da Fala e da Escrita, do Prof. Carvalho Calero, em Galiza Editora. Mas não pôde ser, após episódios tristes que não vale a pena recordar.
O Estudo Crítico (1983), segundo lembras, nom pretendia ser umha contra-normativa, mas tornou-se tam exaustivo que se acabou por ver como umha proposta alternativa, a normativa da AGAL. Nas suas páginas desenvolveu-se umha crítica da filosofia isolacionista, como se dizia entom, e ao mesmo tempo umha crítica técnica, quase parágrafo por parágrafo, dessa normativa. Foi um esforço encomiável, em circunstâncias muito adversas, físicas e psicológicas, mas também um genuºino produto do entusiasmo que nos possuía. Aprendemos muito uns dos outros, e entre todos fomos desvendando, aos poucos. o que nos parecia ser o autêntico rosto do idioma dos galegos, o galego-português. (pp. 140-141)
Permite duas precisões, a meu ver, da minha só colheita:
1. O idioma das pessoas galego-utentes hoje deveria ter o nome de Português galego ou Português da Galiza, dado que o Galego nascido na Gallæcia acabou sendo língua da Corte Portuguesa e daí o Português extenso e útil, como tal idioma e como base de muitos dos crioulos espalhados por mares dantes conhecidos.
2. Na realidade, nos feitos, a crítica à filosofia isolacionista, que dizes, foi e é tão certa, do lado da teoria e da história e mesmo do folclore, que os isoladores ILGa-Ragaeiros sempre se negaram a confrontar a sua ideologia (mais política do que filológica ou mesmo linguística) com as razões reintegracionistas. Cobardia? Soberba?
Em junho de 1983, aos Primeiros Encontros Labaca (Crunha), sob o título Que galego na escola?, nenhum membro do ILG nem da RAG se atreveu a discutir perante um grupo de mestres sobre Orthographia e, em particular, sobre as NOMIGa que eles, ILG e RAG, aprovaram em reunião anti-estatutária no ano 1982. Só as defendeu um segundo deles e a título oficioso, o Sr, Ferro Ruibal, pouco depois premiado com uma cadeira na RAG. Presencialmente sustivemos a Tese reintegracionista Maria das Dores Arribe Dopico (DEP), Joám Carlos Rábade Castinheira e mais eu. Pode ler-se a minha intervenção em academia.edu.
Como bem afirmas, [a] publicaçom do Estudo crítico das Normas ILGa-RAG, em 1983, por parte de Associaçom Galega da Língua (AGAL) foi a primeira resposta organizada à onda de oficialismo monolítico imperante a partir da jubilaçom do Prof. Carvalho Calero. (p. 141) Organizada e bem formulada, ainda que em aparência os frutos não foram muitos, só em aparência. Por quê?
Porque desde então as/os isoladora/es, “bien pagás y bien pagaos” começaram a viajar mais ao Brasil do que a Portugal para neutralizar en tierra extranjera o reintegracionismo. Começaram por insultar e manobrar dentro da CAGa, mas não lhes bastou. Viajaram e viajam ao Brasil, faziam e fazem anti-a-boa-nova de o Galego ser língua transmacional.
E porque, quando souberam, por sopro de alguma gente portuguesa, que os reintegracionistas da Fundação Academia Galega da Língua Portuguesa (F-AGLP) já foram admitidos como observadores consultivos da CPLP, houve imediatamente um espantoso contubérnio que logrou desaprovar o acordo já aprovado. E persistiram no intento de apagar qualquer presença de reintegracionistas na CPLP, introduzindo-se o ConCulGa, entidade oficial no RbE, entre as entidade não governamentais, observadoras consultivas na CPLP.
Apesar dos seus intentos, a F-AGLP já é observadora consultiva junto da Associação de Professores de Português.
Penso, José Luís que por hoje pode valer. Prometo continuar esta carta aberta em breve tempo e com a permissão do PGL, cuja acolhida agradeço imenso. Nela comentarei como é que os Países de Língua Oficial Portuguesa convidaram e receberam os delegados da Galiza.
Abraço, António Gil Hernández
1 Villar Palasí, el padre de la EGB, hablaba 15 idiomas. // Valenciano de Ruzafa, el ministro que creó la «valiente» Ley General de Educación se opuso a los sectores más conservadores tras una «feroz crítica» al sistema de enseñanza del régimen. // “No, no hablaba 8 idiomas; hablaba 15 ó 16: chino, japonés, árabe, polaco…», explica José Luis Villar Ezcurra, hijo de José Luis Villar Palasí, el ministro de Educación y Ciencia que escribió, literalmente, la Ley General de Educación de 1970. / El padre de la EGB, a diferencia de la mayoría de ministros y presidentes posteriores, gozaba de «una facilidad innata para los idiomas. Era un autodidacta, se aprendía los diccionarios». Entre las lenguas extranjeras «normales» su hijo incluye el holandés, «la primera que aprendió en Valencia porque no encontraron profesor de las otras: inglés, italiano, alemán…». Usaba el valenciano, «no sólo con la familia, sino también en discursos. Su madre, mi abuela, hablaba mal el castellano».
2 Isso eu tinnha escrito. Consultei ao José António Gaciño que me responde:
O 4 de dezembro do 1977 celebráronse manifestacions pola autonomía. As mobilizacions polo aldraxe foron no 1979 e promovidas principalmente desde os concellos progresistas, nos que se fixeron encierros na noite do 21 ao 22 de novembro. O 22 pola tarde houbo manifestacions, que se repetiron o 4 de dezembro, por aquilo de aproveitar a conmemoración da manifestación do 77. Creo que en novembro do 79, nos momentos mais polémicos do debate sobre o proxecto de Estatuto, El País si publicou informacions e un editorial, no que creo recordar que cualificaba as protestas como maniobras caciquiles.
Se alguma pessoa pode e quiser precisar datas e dados, agradecer-lho-ei bem. Obrigado!
3 A AGAL (Associçom Galega da Língua) continua co Estudo crítico das Normas ortográficas e morfolóxicas do Idioma Galego (ILG-RAG), preparado pola Comissom Lingüística da Associaçom, as publicaçons que, sob o nome genérico de “Univesalia”, procuram contribuir à normalizaçom da cultura galega.
A seguir assinala:
Para informar-se sobre a AGAL, pode acudir-se a … E dão-se os endereços da Presidéncia, em Ourense; da Secretaria, em Corunha; e da Tesouraria, em Ferrol.