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Borxa Colmenero: “Sem dúvida, a Espanha é uma mostra clara deste fenómeno social-penal de convivência normalizada do direito e a exceção, quando os seus consensos forem postos em causa”

02_borxa-colmeneroVitor Giadás entrevista para o PGL, Borxa Colmenero, doutor em direito e investigador da Universidade da Corunha.

Advogado especialista em direito penal e laboral, acaba de publicar ‘Vidas Culpáveis. O controlo neoliberal do crime‘, na editorial Laiovento.

O dia 3 de novembro apresenta o seu livro em Vigo, na Cova dos Ratos, numa charla-colóquio, organizada pelo Grupo de Axitación Social, ODS-Coia e Lapsus.

Aproveitamos a apresentação para falar com ele, sobre o livro e sobre a atualidade

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O que são as “Vidas culpáveis” como conceito?

As vidas culpáveis são a contracapa das formas de controlo contemporâneo, a armadilha imprescindível em que ele se sustenta. E se bem este livro não aprofunda numa necessária análise genealógica do conceito, sim procura realizar uma primeira aproximação à estrutura jurídica e política que hoje administra a vida. Pois, ela é o verdadeiro objeto da política: a política da vida.

Este balizamento teórico, poderíamos sintetizá-lo, com Benjamin  no pêndulo que vai desde a violência até ao poder e desde o poder até a violência, na procura de um crime que ainda não se cometeu e de vidas responsáveis por factos que não aconteceram, pois, em última análise, a vida não é julgada por ser culpável, mas é culpável para ser julgada.

 

A sociedade disciplinar quer indivíduos com trabalho. A Estratégia Europeia de Emprego, abriu as portas a uma conceção nova do emprego, baseada na “empregabilidade, flexibilidade” Quais são os mecanismos de coerção para o desempregado?

Para percebermos esse processo, devemos observar o deslocamento que se produziu do sujeito submisso e passivo da sociedade industrial e opulenta posterior à II Guerra Mundial, para o sujeito neoliberal, ativo e adaptativo da sociedade do presente, caracterizada tanto pela ausência de um Estado que o proteja, quanto pela escassez de recursos. Foucault advertiu, nesta mudança, a emergência de um indivíduo empresário de si, gestor dos seus recursos e das suas competências como meios para realizar-se a si mesmo.

Por conseguinte, o desempregado seria hoje um sujeito falhado, fracassado na sua obriga de viver livremente, de realizar-se a si mesmo e adaptar-se às novas realidades flexíveis. No entanto, essas transformações não implicam o desaparecimento das disciplinas, mas agora encaminhados apenas para o controlo das vidas mais precárias, a fim de submetê-las aos estratos mais baixos de mercado de trabalho, entanto única forma de subsistir. Como acontece, por exemplo, com as sucedidas políticas de workfare ou mais cruamente com as formas de trabalho informal ou mesmo ilegal a que são enviados, nomeadamente, os migrantes irregulares.

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Existe uma dualidade entre política penal e política social para tratar a pobreza, como diz Wacquant?

Segundo Wacquant, desde argumentos como a insustentabilidade do Estado de bem-estar à ineficácia do modelo assistencial ou à passividade da sociedade, normaliza-se a existência de segmentos sociais permanentemente excluídos e marginados. Conquanto, de forma paralela, o Estado reduz drasticamente a sua esfera do social, alargando a sua intervenção punitiva com a mesma finalidade, a gestão da pobreza. Isto coloca-nos, para o sociólogo francês, num contexto caracterizado por uma atrofia do Estado Social, evidenciado no enfraquecer da institucionalidade assistencial, ao tempo que uma hipertrofia do Estado Penal, a partir do recurso sistemático ao sistema punitivo para administrar as vidas mais precárias e frágeis.

Ora, essa tese apresenta uma série de eivas importantes que tornam difícil sustentar essa análise sem matizações. Em primeiro lugar, trata-se de uma análise excessivamente limitada às chamadas políticas de “tolerância zero” e a uma resposta penal numa conjuntura de crescimento económico concentrada em países como os EUA. Em segundo lugar, após a Grande Recessão do ano 2008 estas dinâmicas começam a mudar notavelmente, com uma contração sem precedentes do sistema penal e penitenciário.

No livro tratas a ideia do Estado neoliberal, um Estado Pequeno (em fuga) que se sustenta num questionamento da idoneidade do Estado para gerir o “problema social”. Antecipando a criminalização da pobreza e a desaparição dos princípios republicanos da Revolução Francesa. É um processo que se pode subverter? 

O primeiro que devemos assinalar é que o neoliberalismo é mais do que um simples recuo do Estado. Na lógica neoliberal a vida é gerida além do direito, dilui-se num quadro mais alargado do poder. Trata-se de um modo de controlo assente na liberdade, ontologicamente considerada, como um mandado de otimização dos recursos do Estado, acompanhando a máxima de governar menos para governar melhor.

Esta mudança, antes do que uma transformação no plano económico e social, é uma transformação no modo de governo, quer dizer, na forma em como o poder administra a vida. Para Laval e Dardot, entre outros, assumir isto é fulcral para tentar reverter esta situação, pois a prática totalidade das propostas dos movimentos contestatários centram-se unicamente numa mudança no modelo socioeconómico, quando o neoliberalismo é, acima de tudo, uma experiência existencial. Esse é, na minha opinião, o autêntico campo de batalha onde temos que subverter o neoliberalismo.

 

As Humanidades na lógica neoliberal são um ponto fraco para a sociedade de controlo já que mostram a utilidade do inútil, seguindo o título do livro de Ordine, e um espírito crítico.  São os estudos das ciências humanas o ponto de fuga à lógica neoliberal do trabalho imaterial? 

Eu diria, utilizando um conceito foucaultiano, que as humanidades e as ciências sociais são a “caixa de ferramentas” do pensamento crítico, ora também tenhamos claro que não existe um caminho certo. Não basta com formação em filosofia, teoria crítica, direito ou ciências políticas, sem uma atitude vital transformadora para fugirmos da lógica neoliberal.

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Segue a Razão Instrumental sendo o mecanismo mais poderoso para uma Universidade técnica? E portanto sendo um mecanismo coercitivo para a Universidade?

Acho que, mais do que nunca, hoje se evidencia a tensão entre a razão ilustrada e a razão instrumental preconizada por Adorno e Horkheimer em todos os âmbitos da institucionalidade. Os grandes ideais emancipatórios que inspiraram a modernidade foram submetidos aos propósitos do poder económico até serem eles quem racionalizam as nossas próprias vidas.

Neste sentido, a Universidade não só não se pode subtrair desse processo, como tem sido um verdadeiro laboratório de aproveitamento político-económico do saber, vejamos, como exemplo, o interesse da banca e da empresa privada por penetrar em praticamente todos os âmbitos do mundo universitário. Por conseguinte, hoje o campo do pensamento crítico e as hipóteses de transformação situam-se necessariamente por fora da Universidade, nas margens da academia. Em suma, não cabe pensamento dissidente dentro da oficialidade.

 

Vendo as novas de este último mês e tendo em conta o que diz Agamben utilizou-se o Estado de exceção como arma do Estado Moderno?

Se olharmos para o ocidente aquilo que observamos é um autêntico arquipélago de excecionalidades que diria Bauman, desde as políticas da UE ou dos EUA com os refugiados da Síria, as políticas de expulsão de migrantes, os cárceres secretos, os CIES, as medidas antiterroristas em espaços públicos, a vigilância policial na Internet, etc., a exceção é a norma. Esta é a tese de Agamben. A excecionalidade é, deste modo, o dispositivo por excelência do Estado moderno para defender os seus consensos, a sua ordem e a sua legitimidade.

A excecionalidade não pode ser, então, entendida a partir da perspetiva do direito constitucional, como um regime de exceção para situações especiais numa espécie de “Constituição da emergência”, mas uma técnica de governo encaminhada a revitalizar a legitimidade do Estado. E ela dirige-se contra aqueles indivíduos declarados inimigos, mas não visando qualquer reintegração na legalidade, mas a sua simples exclusão da sociedade.

 

A “pena por sedicion” responde a uma conceção moderna do Estado?

À vista do exposto na pergunta anterior, podemos afirmar que, os modos de governo próprios das sociedades de soberania e, em concreto, os seus modos de punição, não foram nunca suprimidos. Eles ficaram ocultos nos confins do Estado de direito. Neste sentido, a “pena por sedición” é um magnífica mostra da persistência no Estado contemporâneo de formas de punição pré-modernas que são plenamente vigentes. Mas não como produto de uma ação de irracionalidade ou da brutalidade ideológica, mas decorrente de uma operação política, em que o Estado de exceção convive com o Estado de direito.

Sem dúvida, a Espanha é uma mostra clara deste fenómeno social-penal de convivência normalizada do direito e a exceção, quando os seus consensos forem postos em causa, como acontece agora na Catalunha ou outros territórios.

 

Vidas Culpáveis. O controlo neoliberal do crime

 Santiago de Compostela: Laiovento (2007) .- Nº cat 349vidas-culpaveis-r-30

ISBN: 978-84-8487-374-7
14,90 €
180 p.

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