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Lámpara - Lâmpada

«Fum ao rodízio que abriu na nossa rua, o que tem no logótipo um candeeiro de cor verde muito rechamante. Como estavam de estreia, a cada cliente dérom-lhe um livrinho de apresentaçom em cujas orelhas havia fotografias da equipa do local. Foi um bom detalhe… mágoa de gralhas!». Rodízio? Candeeiro? Orelhas? Gralhas? Estám estas palavras fora de contexto ou mal utilizadas?

Numha situaçom normal, umha língua viva dá novos significados às suas palavras. Porém, o galego da Galiza, devido à histórica pressom do castelhano, mantivo significados restritos para um amplo leque de termos que no resto da Lusofonia designam realidades modernas. E como som designadas tais realidades no berço da língua? Geralmente, em castelhano ou com castelhanismos (tanto fai). Veremos alguns exemplos.

Adubar

A alguém ocorreu alguma vez adubar a terra? «Mas nom é a carne ou peixe que se aduba?», poderá responder-perguntar quem nos lê. Com efeito, adubar é sinónimo de condimentar, de temperar, mas também de estrumar, fertilizar.

Camarões

Na África existe umha antiga colónia francesa que, após alcançar a independência em 1960, adotou como nome o de République du Cameroun. Os primeiros europeus em chegarem ao território foram os portugueses. No ano 1472, Fernando Pó chegou ao estuário do rio Wouri e deu-lhe o nome de «rio dos Camarões», plural de camarom, devido à abundância de crustáceos da espécie Lepidophthalmus turneranus. A partir do nome em português, os ingleses designaram o território Cameroon, os alemães Kamerun e os franceses Cameroun. Na normativa ILG-RAG, apesar de que o esperável seria Camaróns, optou-se pola forma coincidente com o castelhano: Camerún.

Candeeiro

Um candeeiro é um «aparelho que serve para colocar e fixar a vela [ou candeia]», mas, por extensom, «qualquer utensílio que serve para iluminar». Por esta razom, também existem os candeeiros elétricos, designados lámpadas no galego ILG-RAG (como no castelhano lámpara), mesmo apesar de que a lâmpada realmente é o objeto que ilumina o candeeiro (cast. bombilla).

Cobra-capelo

Quando os marinheiros portugueses descobriram este animal na Índia, dérom-lhe o nome de cobra-capelo ou cobra-capuz, porque a sua cabeça se abria como um capucho. Quase todas as línguas europeias pegárom nesta denominaçom mas poupárom o de capelo. Denominar este animal apenas de cobra nom fai muito sentido, porque desta maneira a espécie teria o mesmo nome que a família. Os codificadores da norma ILG-RAG tentárom solucioná-lo alcunhando o nome cobra da India mas, como alerta Carlos Garrido (op. cit.), poderia-se dar o absurdo de falar de cobras da India, por exemplo, na África.

Grade

Provavelmente, a maioria das pessoas da Galiza associarám a palavra grade com um «instrumento de lavoura a modo de reixa ou caixilho com travessas de ferro ou madeira paralelas, providas de puas para esterroar e aplainar a terra depois de lavrada». Durante séculos, este foi o significado principal, com ligeiras incorporações de matizes em vários âmbitos industriais (que o dicionário da RAG nem sequer recolhe) para se referir a utensílios com forma de grelha. Precisamente, o termo grade é utilizado na Lusofonia para quase qualquer realidade que lembre a umha grelha, a um cruzamento de linhas verticais e horizontais. É o caso, por exemplo, na ofimática, das celas de umha folha de cálculo: também isso é umha grade!

Gralha

Umha gralha é umha ave da família dos corvídeos. Porém, atualmente também designa um erro tipográfico, umha errata. Na variante isolacionista do galego, porém, desterra-se esta aceçom, utilizando exclusivamente errata, forma coincidente com o castelhano.

Orelha

Além de um apêndice do corpo de alguns animais e de um saboroso doce, umha orelha é também a «dobra na capa de um livro». Mais umha vez, no galego ILG-RAG renunciou-se a umha soluçom de continuidade lusófona e optou-se por lapela, decalque do castelhano solapa.

Passeio

Além do «ato ou efeito de passear» ou do «local destinado a passear», o dicionário e-Estraviz também define passeio como a «beira, parte lateral ordinariarnente um pouco elevada de muitas ruas, destinada aos peões […]». Para esta última aceçom o castelhano possui o termo acera e o Instituto da Lingua Galega criou o termo beirarrúa, reconhecendo a inspiraçom no catalám voravia (literalmente, ‘beira-via’).

Pisca-pisca

O verbo piscar, que na Galiza também tem como variante chiscar, choscar ou chuscar, tem como significado único fechar um pouco os olhos ou bem fechá-los e abri-los repetidamente. Deste significado e da própria palavra deriva umha outra, pisca-pisca, que se utiliza nos países lusófonos para designar o «acessório dos veículos com uma lâmpada que se acende e apaga intermitentemente». Apesar da inequívoca galeguidade do termo, por sinal muito expressivo, para esta realidade o dicionário da RAG recomenda a voz espanhola intermitente: «dispositivo dos vehículos que acende e apaga a intervalos unhas luces, para indicar certas manobras».

Rodízio

O dicionário da Real Academia Galega define rodicio [sic] apenas como a «peza do muíño semellante a unha nora, que xira ao recibir a auga da cal, pondo en movemento a moa». Nem seque recolhe outras aceções, como umha peça do tear ou umha peça de artilharia, nem muito menos o significado que hoje em dia é mais popular e foi já exportado a outras línguas: um sistema de serviço na restauraçom onde, por um preço fixo, som apresentados rotativamente diversos pratos e especialidades à clientela.

Vaivém

A palavra vaivém é muito clara e expressiva, formada por vai (verbo ir) e vém (verbo vir). O dicionário da RAG unicamente recolhe definições relacionadas com um movimento oscilatório e, figurativamente, como sinónimo de variación [sic]. No entanto, em galego-português também designa, entre outras possibilidades, um «veículo espacial recuperável, utilizado para viagens tripuladas entre a Terra e um ponto na órbita terrestre». Para isto, o dicionário da RAG utiliza o termo lanzadeira [sic], já existente no galego, mas com umha aceçom tirada diretamente do castelhano lanzadera.

NOTAS:

  1. Para este artigo utilizei como fontes o manual Léxico Galego. Degradaçom e regeneraçom, da autoria do professor Carlos Garrido (Edições da Galiza, 2011) e os seguintes recursos internéticos: o dicionário da Real Academia Galega (www.realacademiagalega.org), o dicionário Priberam da língua portuguesa (www.priberam.pt/dlpo) e o dicionário galego e-Estraviz (www.estraviz.org).
  2. Artigo publicado orignalmente no Fest-AGAL n.º 5 (julho de 2014)

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