Partilhar

José Alberte Corral: «Nengum poeta galego com empatia e raizames com os humildes pode deixar de constatar a dor e o sofrimento em que estám mergulhados»

Gume de Navalha é a mais recente obra poética de José Alberte Corral. Alma e dinamizador da Agrupaçom Cultural ‘O Facho’, incansável denunciador das injustiças do mundo, achega-nos matéria poética para avivar o lume da indignaçom, nas nom só.

Afirma Xulio López Valcárcel no prefácio que Gume de Navalha é «um desabafo nascido da “necessidade”». É tanto assim?

José Alberte Corral | Foto: Eduardo Castro Bal (arquivo AELG)
José Alberte Corral | Foto: Eduardo Castro Bal (arquivo AELG)

É. Gume de Navalha nasce da necessidade de me objetivar na veracidade existencial em que me encontrava nos momentos da sua escrita. Na iniludível olhada às esperanças, derrotas, vivências, experimentadas por mim desde as mais fundas cicatrizes que me conformam.

Mais umha vez, o neoliberalismo selvagem e o imperialismo som alvo das tuas críticas, e um dos termos que mais se repete no texto é «infámia»…

O neoliberalismo é em si mesmo a barbárie mais absoluta em que estamos envolvidos. É a ferramenta ideológica, política e económica do imperialismo anglo-sionista com a qual nom só nos escravizam, senom que também nos conformam na resignaçom e na cegueira. Infámia é a palavra com que descrevo a realidade perversa em que nos mergulham e ainda se chacoteiam de nós. Através dessa expressom pocuro dar um urro de arrebato pola nossa dignidade em tanto que povo e em tanto que classe.

Ligado com a pergunta anterior, nom parece casualidade começares Gume de Navalha com uma citaçom de Curros Henriques contra a exploraçom do povo galego. Ainda estamos a ser explorados?

Respondo-che com outra pergunta. A que conduta económica estamos obrigados os galegos para sobreviver desde há séculos? A resposta é bem dada só com observar nom apenas o nosso passado coletivo e familiar, mas também o presente: nom é outra que a emigraçom. Quem toma as decisons económicas e políticas que nos obrigam a viver desgarrados, pais sem filhos, avós sem netos…? A resposta é bem nídia: nom somos nós, historicamente som os altos cortesaos residenciados na cidade-Estado de Madrid, hoje alicerçados polos poderes financeiros e económicos da mal chamada Uniom Europeia.

Nengum poeta galego com empatia e raizames com os humildes pode deixar de constatar a dor e o sofrimento em que estám mergulhados os humildes, sofrimento induzido polos banqueiros e os seus agentes. Daí, ao meu modesto entender, que a poesia civil galega seja a mais vigorosa deste território que nomeiam Espanha.

Nom podemos esquecer que os meios de comunicaçom
conformam o imaginário coletivo e som direta ou indiretamente
propriedade dos grandes grupos financeiros

Os dous primeiros poemas de Gume de Navalha referem-se aos banqueiros e ao Clube Bildelberg. Quanta responsabilidade tenhem na crise que padecemos? Estám a sair impunes?

Gume de Navalha (capa)Em primeiro lugar temos que negar que padecemos umha crise; esta expressom é o permanente discurso recorrente dos poderosos desde a origem da humanidade. Se os povos e as classes trabalhadoras estám obrigadas a padecerem a morte por fame, a miséria, é por causa da estrutura social; nom é um castigo dos deuses, de uns poderes esotéricos nos quais nom podemos intervir. Isto é o que acocha o termo «crise».

Agora, esses poderes mágicos som chamados mercados, quando por trás dessa palavra existe umha classe, umhas famílias —bem conhecidas—, que componhem a oligarquia que subjugam os povos e países. Se nom lhes vale a persuasom, é com a guerra como constróem o seu poder e domínio. A situaçom em que nos mergulhárom é um saqueio puro e duro,  vém dado pola composiçom orgánica do capital. Ao baixar a taxa de ganhos, os donos da riqueza produzida por todos nós nom recomponhem o capital constante e fam tudo por recuperar essa taxa de ganhos a conta do capital variável, a força do trabalho, os trabalhadores e trabalhadoras. Nom é umha crise, é umha miserabilidade das maiorias para se enriquecerem os poderosos. A riqueza de todos, os bens públicos fulcrais para o bem-estar da cidadania fôrom saqueados: caixas de aforro, Campsa, Telefónica, Ibéria, Endesa, Argentaria, Banesto, etc… Todas elas, dominantes nas áreas decisórias na economia moderna: finanças, telecomunicaçons, energia, transportes…  Ou nom é por acaso o incremento de cinqüenta mil milionários na Espanha neste último ano umha amostra do que estou a dizer? Estamos obrigados a desmascarar o calote que nos vendem com palavras e imagens através dos média. Nom podemos esquecer que os meios de comunicaçom conformam o imaginário coletivo e som direta ou indiretamente propriedade dos grandes grupos financeiros. A mentira permanente é a sua única constante.

Importo-me pouco com que me apelidem de «conspiranóico», por sinal, um dos termos utilizado para desqualificar quem procurar o urdume oculto dos acontecimentos. É no clube Bildeberg, junto com outros organismos, onde se desenham as políticas económicas e militares para aplicar sobre os povos e conjunto dos trabalhadores. Nesta instituiçom do terror estám organizados os grandes poderes económicos, militares, e mediáticos, com os seus gestores, os executivos e políticos ao seu serviço.

Moloch, umha insaciável divindade, é umha referência que aparece nos teus versos. O que simboliza?

Moloch é o nome de um deus mesopotámico que demandava sacrifícios humanos, principalmente naipelos, atirando-os vivos numha fogueira. Identifico os mercados com esta divindade, posto que em funçom dos mesmos o ser humano é escravizado e destruído para enriquecimento dos seus sacerdotes, os banqueiros; e os seus acólitos, os executivos e políticos que ponhem em prática as politicas económicas genocidas.

Que sociedade é esta na qual, como dizes no livro, o sofrimento humano só se traduz em décimas à alça ou à baixa nos mercados bolsistas?

Umha sociedade do terror em que os humildes som submetidos —ou por ferro ou por fame—. Já Maquiavel o expressou n’O Príncipe. Para subjugar os habitantes de umha cidadela, esta assedia-se por lume e ferro ou por fame. É por todos conhecido que o coltám é um mineral essencial para a telefonia móvel e o controle sobre este recurso significa grandes ganhos para as transnacionais mineiras. Para ter a propriedade sobre esse bem, calcula-se que já morrêrom uns seis milhons de seres humanos na guerra da República Democrática do Congo. Este genocídio nom significa nada na Bolsa de Wall-Street, o importante é o mercado do coltám. A destruiçom da Líbia pola NATO… Que casualidade! O estrago levado contra os líbios foi depois de que Kadafi propugera a criaçom de umha moeda comum africana, dinar-ouro, para a venda de petróleo e matérias primas africanas em vez dos atuais dólares ou euros.

O xílgaro é umha ave silvestre, pequeninha,
e livre, de canto formoso.
Existe melhor símbolo para a liberdade
do que este passarinho?

Pássaros (nomeadamente o xílgaro), flores e cantos, som também outras figuras recorrentes no poemário. Existe esperança?

Sim, existe esperança, sempre que tenhamos em conta os seguintes pilares: audácia, dignidade e inteligência. É preciso que a dignidade seja alicerce da existência das classes populares, somada à inteligência de que nas sociedades de relaçons técnicas e sociais complexas, só existe um caminho: a rebeldia cívica e pacífica. Todo aquele que preconizar outra alternativa, ou é um parvo, ou um iluminado, ou um infiltrado, que só nos conduz à derrota.

Agora bem, temos de saber da resposta que o Estado ao serviço dos grandes capitais nos vai aplicar por colher o caminho da rebeldia cívica e pacífica: tortura, repressom, cadeia e fame, ademais da expulsom da actividade produtiva. A chamada Lei de Segurança Cidadá que promove o PP, as leis laborais atuais, som todas bem ilustrativas de por onde vam os tiros. Só podemos ser audazes se estivermos imergidos no tecido cívico ou político de um espaço concreto e num tempo concreto. Estarmos afastados do real-concreto bloqueará-nos a capacidade de perceçom de como se manifestam as contradiçons nesse quadro social, de qual é a contradiçom dominante nesse momento e lugar. Todos sabemos que atualmente nada do económico, político, social, existe isolado; que o mal-estar num País determinado está articulado com as grandes contradiçons geo-políticas e de classe mundiais. Como diz um clássico: pensar globalmente para agir localmente.

Os grandes financeiros e os seus acólitos som conscientes de que se apropriam de toda a riqueza, criada à mercê da força do trabalho: nom vam querer que mude o sistema. Sempre gosto de lembrar deste poema de Beltolm Brecht: «Quem construiu Tebas a das sete portas?/ Nos livros vem o nome dos reis/ Mas fôrom os reis que transportárom as pedras?/ Babilónia. Tantas vezes destruída/ Quem outras tantas a reconstruiu?/…../ Em cada década um grande homem/ Quem pagava as despesas?/….».

Temos a obriga de saber quem é quem e de optar pola liberdade ou polo escravismo. A nossa existência só é possível se todos os dias comemos: quando digo comer, nom quero referir-me só ao jantar, senom a todo o que implica numha sociedade desenvolvida: trabalho, teito, comida, educaçom, sanidade. Se este direito a viver depende da arbitrariedade de que umha minoria te contrate ou nom, este sistema de organizaçom económica e social nom serve, temos que o mudar.

O xílgaro é umha ave silvestre, pequeninha e livre, de canto formoso. Existe melhor símbolo para a liberdade do que este passarinho?

A voz lírica de Gume de Navalha afirma que a sua vida decorreu «a golpes de cinzel». É umha mensagem autobiográfica?

José Alberte Corral | Foto: Eduardo Castro Bal (arquivo AELG)
José Alberte Corral | Foto: Eduardo Castro Bal (arquivo AELG)

Todo ser humano existe nom só por razons biológicas, senom também por razons sociais e culturais. Somos em tanto que conhecemos e produzimos. Para conhecer é precisa a «palavra», é o instrumento que nos permite fazê-lo. E estes apetrechos venhem-nos dados de graça polos homens e mulheres que nos precedêrom e com os quais convivemos. Só podemos ser em tanto que é com os demais e nos demais; se nom, nom pode ser.

O que som atualmente é como conseqüência das minhas experiências com os outros e nos outros, das minhas vivências. Por razons que nom venhem ao caso, conhecim grandes traiçons e extraordinárias generosidades. O vivido, o compartido com os demais no transcurso do tempo fai-me ser o que som hoje, e isto manifesta-se na minha poesia e muito mais em Gume de Navalha, que é um livro de olhadas e de reflexons sobre o sonhado e vivido.

Onde mais claramente se vê a mensagem autobiográfica é neste outro poema: «Bebim em grolos de vida, os pélagos da morte, / cruzei Amazonas para os vencer, / e… nos vougos desertos da desesperança / fazer possível o canto / contra a invernia escura dos banqueiros». Com efeito, boa parte da tua vida passou na Venezuela (um dos países da bacia amazónica), passagem vital para a sua conceçom do mundo…

O Amazonas é umha metáfora para expressar a dureza de muitas experiências vividas por mim junto com outros companheiros para derrotar a barbárie que significa o capitalismo. Este poema é um urro de dor e de lembrança polos amigos, muitos deles desaparecidos. É óbvio que o sofrimento e as alegrias vividas forma parte da minha bagagem existencial e manifesta-se em todo o que escrevo. Ainda que estes versos som, como disse antes, um urro de dor e de lembrança.

Já na parte final do livro aparecem de maneira recorrente conceitos como a soidade, a morte e o amor. Aparecem também como «desabafo nascido da “necessidade”»?

Ao meu entender a generosidade, a bondade… nom é possível sem o amor, entendendo o amor como nom só as vivências —no meu caso— com as mulheres, senom também a harmonia com os demais. A soidade é a ausência do amor, o maior castigo que podem dar os «deuses» aos humanos, é o caminho certo para a tolémia.

Ainda que a minha estampa poda nom reflecti-lo, na realidade tenho umha saúde quebradiça como o cristal. A última e terceira intervençom cirúrgica no meu coraçom foi o detonante para eu voltar umha olhada ao meu passado, daí nasce Gume de Navalha.

AGAL organiza obradoiros de português para centros de ensino primário e secundário em Moanha

Saioa Sánchez, neofalante: “Para mim faz muito sentido falar galego se vais viver na Galiza”

Lançamento do livro “André”, de Óscar Senra, com Susana Arins em Vedra

AGAL e Concelho de Cotobade apresentam Leitura Continuada da República dos Sonhos

Queique de abacate e limão

O 39º COLÓQUIO DA LUSOFONIA decorrerá em Vila do Porto (Santa Maria, Açores) de 3 a 6 de outubro 2024

AGAL organiza obradoiros de português para centros de ensino primário e secundário em Moanha

Saioa Sánchez, neofalante: “Para mim faz muito sentido falar galego se vais viver na Galiza”

Lançamento do livro “André”, de Óscar Senra, com Susana Arins em Vedra

AGAL e Concelho de Cotobade apresentam Leitura Continuada da República dos Sonhos