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Xico Bugueiro: «Se os professores de galego dessem uma visão do galego como língua útil e ponte com Portugal e com Brasil, o galego havia de ser mais valorizado»

PGL – Francisco González Pérez, Xico, é galego-falante de berço e nasceu em Ourense. Tesoureiro da Esmorga, acha melhor primeiro normalizar e depois normativizar. Chegou ao galego extenso e útil através de cursos de português.

PGL: Como e quando chegaste a visionar a tua língua como sendo extensa e útil?

Xico Bugueiro: Eu sempre falei em galego de forma natural. Isso leva consigo o uso de inúmeros decalques do castelhano tão arraigados no nosso idioma. No ano 2004 fiz um curso de 50 horas de português. Quando falava para alguém:

– Estou a fazer um curso de português.

A resposta eram as clássicas:

– Português?? Para ir comprar “toallas” a Valença?

– E porque não fazes um curso de inglês? O inglês é mais importante.

– O português é muito parecido com o galego (mas não é o mesmo)

A verdade e que eu escolhera português simplesmente porque me chamava. Mais fiquei com vontade de mais. Então inscrevi-me na E.O.I. de Ourense e foi lá onde visionei o “galego de Portugal” como familiar do galego da Galiza. Não comecei estudando português com a ideia de que era o mesmo que o galego. Foi uma coisa que caiu pelo seu próprio peso. Quem estudar a olho vivo pode acreditar também.

O Xico numa excursião a Guimarães

PGL: Existe a ideia, talvez preconceito, de que a estratégia luso-brasileira só pode ser entendida e integrada por neo-falantes. Não é o teu caso. Que opinas ao respeito?

XB: Há falantes de berço, coma mim, que temos no interior a matéria-prima mas que não alcançamos a lhe dar forma suficientemente atrativa com o galego da norma RAG-ILGA.

Foi com o reintegracionismo que tornei a minha língua estável e útil. A estratégia luso-brasileira pode ser entendida por qualquer pessoa que ame o nosso idioma e que tenha vontade de fazê-lo universal.

Recentemente, numa visita a um museu em Barcelona ofereceram-me uma áudio-guia. Eu solicitei-na em galego. A resposta, esperada, foi negativa. Então botei mão do galego universal. Esse sim que o tinham. Quer um brasileiro, quer um angolano atopariam-se na mesma situação que a minha, só que eles têm claro que há um idioma que os une. É doado ir pelo mundo com a estratégia luso-brasileira, é impossível com a isolacionista.

PGL: Tiveste na ensino obrigatório algum docente que te mostrasse o potencial da nossa língua?

XB: Dos três professores de galego que tive no Liceu só um pagava a pena, mas não recordo que nos mostrasse a importância do galego e o seu potencial nos países lusófonos. O que sim tinha era um professor de desenho que empregava expressões como HB (agá bê) para referir-se a uma classe de lápis. A turma ficava chocada com essas expressões. É a única experiência lusista que recordo do Liceu.

O professor de galego é uma peça chave na nossa autoestima. Se dessem uma visão do galego como língua útil e ponte com Portugal e com Brasil, o galego havia de ser mais valorizado. Quer dizer, é um facto que Portugal está ao lado e que muito pessoal da Galiza está lá a trabalhar. Há relações interuniversitárias com as Universidades de Minho e com Vila Real. A euroregião do Eixo Atlântico é uma realidade.

Por outro lado, Brasil é um país emergente onde os galegos podem adaptar-se idiomaticamente com facilidade. (Um galego deveria ter as mesmas dificuldades no Brasil ou Portugal que um castelhano na Argentina ou no México). Por contra, no ensino está-se a tratar o galego como algo incómodo, a matéria que temos de cursar por não sermos madrilenos, a matéria onde se nos dá a conhecer como denominavam os nossos avós aos aparelhos de labrança, situando o galego mais perto do latim que das línguas úteis como o inglês ou o castelhano.

Temos a possibilidade de dominar dois idiomas com pouco esforço: O castelhano por imposição e o português (de Portugal) por familiaridade e proximidade geográfica. É para reflexionar como na Extremadura o português está tão presente no ensino e na Galiza é quase inexistente. Eu, pela minha parte,quero agradecer aos meus três professores, Teresa Carro, Felipe Presas e Valentim Fagim, pelo seu trabalho e dedicação.

PGL: Qual seria a melhor forma de fazer chegar esta vivência da língua às pessoas com que te relacionas?

XB: A normalidade é a melhor maneira. Primeiro normalizar e depois normativizar. É necessário que haja  pessoas que defendam a estratégia, mas também são importantes as que simpatizam ou mesmo as que sem estar de acordo a respeitem. As atividades que se estão a organizar desde os distintos centros sociais do país são a melhor forma de diluir-se na estratégia luso-brasileira. Estas podem ser um ponto de encontro para que o pessoal passe da simpatia à defesa e da indiferença-respeito à simpatia.

PGL: Trabalhas de administrativo num escritório de solicitador. Como se vive em galego num contexto deste teor?

XB: Tenho que reconhecer que não é fácil viver o galego em plenitude no âmbito administrativo. Aliás eu falo galego com normalidade no meu trabalho. Bom, com normalidade não. Há palavras que provocam reações no pessoal. Palavras simples e normativas para a RAG como os meses do ano ou computador… É como a dificuldade de pedir uma cerveja ou um café só com gelo ou mesmo pescada na peixaria.

Uma coisa que mudei há uns anos e o facto de falar por telefone em castelhano perante a dúvida de se o outro interlocutor não percebesse o galego. Há pessoas que começam a falar em castelhano e quando eu lhes respondo em galego eles mudam também para o galego. Acho que isso é um duplo triunfo: Primeiro, o interlocutor descobre que há colegas do âmbito a falar em galego e, segundo, ele pode sentir-se cómodo falando no seu idioma.

O Xico de visita em Lisboa

PGL: Xico é o tesoureiro da Esmorga, local social de Ourense, que representa um local social para ti, que oferece à cidade?

XB: Na Esmorga estamos a trabalhar para dar alternativas culturais à cidade. Ao longo do ano oferecemos por volta de 100 atividades diversas: palestras de história e língua, concursos, concertos, conta-contos, ateliês, festas gastronómicas. Isto só se alcança conjugando os esforços duma massa social participativa. Acho que na cidade não há nada igual.

PGL: Xico Bugueiro é como gosta de ser conhecido Francisco González Pérez. Por que Bugueiro?

XB: O nome completo é Francisco José González Pérez. Não te esqueças do José ;). Bugueiro é o segundo apelido do meu pai. Não tenho nada em contra do González mas gostaria mais ter herdado o Bugueiro. Há uns 130 Bugueiro na Galiza e é um apelido localizado na zona entre Carvalhedo (Lugo) e Ceia (Ourense). Hoje há a possibilidade de pôr uma criança o apelido da mãe. Isso é uma opção para preservar apelidos galegos. No meu caso a minha mulher apelida-se Anhel, localizado nos concelhos de Coles e Monterrei (Ourense). A perda de apelidos próprios galegos é outra forma de perda de identidade dos galegos.

PGL: Vens de te associar à AGAL. Que visão tinhas dela e por que te tornaste sócio?

XB: Conheci a existência da AGAL quando comecei a estudar português e ao longo destes anos fui formando uma ideia dos objetivos que persegue. É agora que achei justificada a minha associação a AGAL. A primeira ideia que tive é que AGAL significava Associação Galega de Amigos da Língua. Não estava no certo, mas também não errado. Uma ideia que me ficou clara é que a AGAL engloba um grupo heterogéneo de pessoas unidas pelo amor à sua língua.

É triste ver como elementos oficialistas, veja-se o presidente da RAG, considera AGAL como um algo hostil para o galego e inclusive a coloca no mesmo saco que GB. Grande favor faz a RAG aos sectores afins ao castelhanismo radical, ao não ter em conta a opinião e o imenso trabalho que se está a fazer, não só na AGAL, mas desde diversas associações em defesa da língua, nomeadamente a Academia Galega de Língua Portuguesa que projeta a nossa língua e a coloca no plano internacional.

PGL: Que linhas estratégicas pensas que devia seguir a AGAL e o reintegracionismo em geral?

XB: O mais importante é tentar chegar ao maior número de pessoas possível. Não só as que falem em galego, mas também as que falem castelhano, português, ou russo. O fundamental é dar-se a conhecer e mostrar uma imagem de integração e não sectarismo como “os de sempre” nos querem fazer ver. Neste âmbito valoro muito positivamente o trabalho que se está a realizar na AGAL nos últimos tempos: A criação da Através Editora, o Curso de Português no Porto, a difusão no Festigal….. são apenas exemplos do trabalho bem feito. Acho que não se pode pedir mais.

Conhecendo Xico Bugueiro

  • Um sítio web: O PGL
  • Um invento: Internet
  • Uma música: Bohemian Rhapsody (Queen) (Dentro da lusofonia: Até Quando do Gabriel o Pensador)
  • Um livro: Patas Arriba (Eduardo Galeano) (Dentro da lusofonia: Bichos de Miguel Torga)
  • Um facto histórico: A criação das Irmandades da Fala, em concreto a I Assembleia Nacionalista de 17 e 18 de Novembro de 1918 em Lugo.
  • Um prato na mesa: Bacalhau com batatas e cebola em rodelas, azeitonas pretas e pimentão vermelho e verde.
  • Um desporto: Futebol
  • Um filme: The Outsiders (Francis Ford Coppola)
  • Uma maravilha: Estar no médio do monte, sem autoestradas, sem fios elétricos, sem moinhos de vento, sem ruídos “modernos”….. As Corceriças (por exemplo)
  • Além de galego: Torcedor do Barça.

 

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