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Vítor Garabana Barro: «A minha atitude social cara à língua mudou há poucos anos, quando observei assombrado que os que estão no poder na Galiza deixaram de ser politicamente corretos»

PGL- Vítor Garabana Barro nasceu em Ponte d’Eume mas reside em Madrid, onde a sua galeguidade tem facilitado o seu percurso profissional no ramo das telecomunicações e a informática.  Pensa que a estratégia luso-brasileira deve passar pola sedução e deseja que a nossa sociedade em 2020 saiba tirar partido linguístico da lusofonia.

Como foi o teu contacto com o galego(português)?

Eu nasci e cresci em Ponte d’Eume, vila que se encontra numa das comarcas que mais está a sofrer a substituição linguística desde há décadas. No meu ambiente o predomínio era quase hegemónico do castelhano (família, escola…) e era essa língua a que eu usava principalmente, mas às vezes também usava o galego com os membros mais idosos da família e com alguns vizinhos. O meu uso das duas línguas era portanto claramente diglóssico.

Ora bem, como gosto muito da leitura, já desde rapaz comecei a ler livros em galego, mesmo ensaios clássicos como o “Sempre em Galiza” de Castelao ou alguma coisa de Xohán Vicente Viqueira. Não posso dizer portanto que a reivindicação teórica da unidade linguística de galego e português me fosse desconhecida. Quanto ao reintegracionismo como estratégia e proposta normativa organizadas, a primeira vez que ouvi falar foi a finais dos anos 80.

Acho que na prática muitos galegos sempre foram conhecedores da unidade de galego e português. Por exemplo ninguém ficava espantado porque houvesse portugueses a trabalhar no rural e na construção galegas, ou excursões galegas da terceira idade ao Bom Jesus de Braga, sem grandes problemas de comunicação.

No pessoal lembro uma viagem nos anos 70, ainda criança, quando fui acompanhar um familiar a Lisboa e ele se exprimia lá de jeito natural em galego. Não se fazia perguntas do tipo: Posso usar o galego para me entender com os portugueses? ou, são o galego e o português a mesma língua?. Usava-se, e pronto.

Porém, embora simpatizasse com as ideias de defesa da dignidade do galego, eu não era “militante” da língua: de facto continuei a me exprimir principalmente em espanhol até há poucos anos. Ingenuamente pensava que as leis e a ação da administração galega eram suficientes para a normalização do galego, que era já uma tendência que apanhara o seu carreiro e que não precisava da militância social de todos os que concordamos com ela.

O galego, no teu caso, foi extenso e útil, não é?

Na universidade segui um curso de engenharia. Ao acabar encontrei o meu primeiro emprego em Madrid. Já nesta cidade me apresentei para uma bolsa-estágio de informática do ICEX (“Instituto Español de Comercio Exterior”). Devo dizer que o conhecimento do galego me encorajou a fazer o exame opcional de português e não devi fazer muito mal em comparação dos outros aspirantes pois consegui o estágio em 93 na cidade de Lisboa.

Foi em Lisboa onde descobri que o português é o galego conservado, potenciado e atualizado. Lá descobri as velhas palavras galegas dos avós, que considerava já desaparecidas, vivas e pujantes. E aprendi novas palavras que não conhecia e que estão nos dicionários galegos mas ninguém já usa na Galiza. Uma das melhores sensações é que aos falantes de galego, depois de várias semanas a viverem em Portugal, ninguém nos pergunta de que país estrangeiro vimos, senão de que país (lusófono) é o nosso sotaque.

Nesse tempo desejei alguma vez ter uma varinha mágica para transportar à minha comarca o ambiente linguístico que estava a viver pessoalmente, para que amigos e vizinhos vissem com os seus próprios olhos que o galego é útil e perfeitamente válido para todos os âmbitos da vida moderna.

Após estagiar noutras cidades europeias voltei a Madrid para continuar a trabalhar numa empresa relacionada com a mesma atividade. Mudei varias vezes de empresa e atividade: passei por diferentes firmas de telecomunicações e informática, até hoje.

A minha atitude social cara à língua mudou há poucos anos quando observei, assombrado, que os que estão no poder na Galiza deixaram de ser “politicamente corretos” e deixaram ver às claras a sua estratégia linguística: deixar esmorecer o galego com uma espécie de eutanásia passiva. Decidi envolver-me na medida das minhas possibilidades nos esforços coletivos pela pujança da língua.

Os portais da AGAL na Internet, os cursos aPorto, os concertos da Uxia e amigos em Cantos na Maré ou os Corasons, as publicações de grupos como a Gentalha do Pichel ou a Artábria, acabaram por me seduzir para o reintegracionismo.

Numa área como a informática e as telecomunicações talvez seja mais notória o pouco percurso duma estratégia autonomista para o galego?

Pois, é mesmo assim. Ainda que eu já publiquei na Internet um pequeno guia didático para ajudar as pessoas galegas a porem o seu PC em galego RAG, porque considero que hoje as possibilidades de que as pessoas o leiam são maiores que se eu aconselhar diretamente o uso do software em português.

Mas qualquer um que aprofundar um bocadinho no assunto verá que a opção RAG disponível para o windows é  um “patch” de tradução em cima do windows espanhol que deixa partes importantes sem traduzir. A Junta da Galiza paga por isso e o resultado é parcial. Adicionalmente os vendedores de computadores na Galiza não fazem o trabalho extra de instalarem o patch galego e portanto a maioria dos usuários compram o windows em espanhol e deixam ficar.

Era mais direto e completo que o windows galego fosse um “sabor” do windows em língua portuguesa, como de facto há um sabor português e outro brasileiro.

No que respeita à opção do software livre, com todo o meu respeito e toda a minha admiração para a comunidade de “localização ao galego”, também opino que o seu trabalho seria mais eficiente se juntasse esforços com as comunidades da lusofonia. Acho que se podiam refletir as poucas peculiaridades galegas sobre uma base comum luso-brasileira.

Quanto à Internet, a disponibilidade de aplicações e portais com interface em português padrão evidentemente é muito maior que na norma RAG.

Em Madrid existe um contacto fluído entre a emigração galega interessada nas questões galegas? A distância ajuda a ter uma visão diferente da língua da diretamente emanada das instituições?

Há centenas de milhares de galegos a morar em Madrid: já disse Celso Emílio Ferreiro nos anos 70 que era a cidade do mundo com mais galegos. Mas espalhados e anónimos, poucos mostram publicamente interesse nas questões culturais galegas. Vejo esta cidade como uma máquina de transformar galegos: é muito fácil encontrar segundas e terceiras gerações que nem falam uma palavra na nossa língua nem conhecem a realidade galega.

As exceções que eu conheço são um grupo de escritores de expressão galega (o grupo Bilbao), vários grupos de professores e alunos das instituições que ensinam a nossa língua e também uma associação de mulheres sobrevivente do movimento Lôstrego-Irmandade galega dos anos 70. O conjunto não é muito numeroso mas os seus membros mantêm um contacto fluído.

A visão da língua cá trazemo-la as pessoas connosco de lá e portanto é uma cópia das visões que há na Galiza. Aliás, a Internet faz com que a distância virtual seja menor.

O que eu observo cá de diferente são as pessoas que se interessam pela cultura galego-portuguesa sem contacto prévio com a Galiza. Em geral essas pessoas veem o galego-português como um contínuo mas acham a variante galega ser um “português light” ou “portunhol”. Essa é a imagem que lhes chega da Galiza através dos meios.

Salvo as pessoas que têm um interesse concreto (um namorado galego, a vontade de ir trabalhar à Galiza…) o resto optam por estudarem o português “cerna dura” nas EOI, no Camões ou na Casa do Brasil e acham que, caso precisem ir à Galiza poderão desenvolver-se. Consideram que o contrário (estudarem a língua nas instituições galegas) não lhes daria jeito para se desenvolverem em Portugal ou no Brasil.

Por onde pensas que deve transitar a estratégia luso-brasileira para a nossa língua?

Pela sedução dos muitos milhares de pessoas na Galiza que se encontram atualmente numa fase “transitória”. Quer dizer, aquelas que para a sua vida e planos de futuro têm já como língua o espanhol, mas ainda têm conhecimento ou contacto com o galego porque os pais/mães/avós o falavam. Também se podiam incluir as pessoas que já perderam o contacto com o galego há varias gerações mas não o odeiam.

Um primeiro âmbito de sedução: o lazer, especialmente o da mocidade,  por meio de materiais do mundo português-brasileiro: música, desportos, filmes, meios audiovisuais… etc.

Se qualquer adolescente puder ver na TV o Disney Channel brasileiro além do espanhol, puder comprar no quiosque uma revista de música, moda ou desportos em português além do espanhol, puder ver a sua série americana preferida dobrada ou legendada em português além do espanhol, puder escutar músicas brasileiras e portuguesas junto com as galegas além das espanholas, não mudará a sua visão da língua?… É um objetivo impossível de alcançar? Os materiais já existem, é trazê-los para a Galiza.

O segundo âmbito de sedução, tão difícil de ganhar para o galego: o laboral. Está na moda falar das oportunidades no Brasil e na África, que com certeza há. Que as empresas galegas fossem capazes de tirar partido dos falantes da nossa língua para conquistarem esses mercados se calhar podia tirar preconceitos e ser o germolo para o uso normal também no mercado interno.

Também é pena, por exemplo, que entre empresas e instituições da euro-região a língua de comunicação seja o espanhol porque os galegos pensem que não falam português e os portugueses pensem que não falam galego. Isso decerto prejudica a fluidez dos contactos.

E por falar na indústria do ensino linguístico: é utópico pensar que no futuro  as pessoas interessadas na lusofonia possam vir à Galiza aprender português na variante galega, o mesmo que em qualquer outra variante?

Por que decidiste enrolar-te no navio agálico?

Porque concordo com a visão estratégica da Agal para a língua e quero dar o meu pequeno contributo.

Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2020?

Eu gostava de que a nossa sociedade em 2020 soubesse tirar partido linguístico da lusofonia. Primeiro, para se reconhecer a si própria nos países irmãos e portanto reconhecer a língua e cultura galegas como mundiais. Para depois deixar de ver o mundo exclusivamente através dos olhos dos espanhóis, compreender que outras olhadas são possíveis e portanto chegar a ver com olhos propriamente galegos.

 

Conhecendo Vítor Garabana Barro


  • Um sítio web: Os meios digitais em galego, são a nossa expressão coletiva sem pedirmos licença aos que sempre controlaram a opinião
  • Um invento: Os aparelhos elétricos que melhoram a vida das pessoas, desde a máquina de lavar roupa até os que fazem possível a Internet.
  • Uma música: Muitas! Agora sinto-me fascinado pela canção brasileira atual, por exemplo a que faz a Mariana Aydar.
  • Um livro: Sempre  em Galiza
  • Um facto histórico: A revolução francesa
  • Um prato na mesa: Peixe Grelhado
  • Um desporto: Canoagem em caiaque
  • Um filme: 2001, Uma Odisseia no Espaço
  • Uma maravilha: O mar
  • Além de galega: Europeu atlântico.

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