Robindronath Tagore e o cinema

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Por José Paz Rodrigues (*)

Eu, que levo desde o ano 1964 lendo sem parar Tagore, e também pescudando sobre a sua vida, obra e pensamento, estou muito surpreendido polo que estou a descobrir sobre a sua faceta cinematográfica, mais importante do que imaginava. Mesmo venho de inteirar-me, para redigir este artigo, que chegou a dirigir algum filme, baseado, naturalmente, em obras literárias e musicais suas. Durante mais de 46 anos da minha vida configurei a que pode ser considerada melhor biblioteca do mundo dedicada à sua figura, com livros de ele e sobre ele, dos seus colaboradores, tradutores e admiradores, em todas as línguas do planeta, incluído o esperanto.

Acho que, com grande acerto, os gestores do Festival de Cinema de Ourense, na sua ediçom décimo quinta do presente ano de 2010, dedicárom uma importante secçom como homenagem à grande figura mundial de Tagore. Do qual o próximo 2011 será o “Ano Tagore”, ao cumprirem-se no dia 7 de maio os 150 anos do seu nascimento, e no dia 7 de agosto os 70 anos da sua morte física. Tagore, a quem os tagoreanos consideramos como o “Leonardo da Vinci” do passado século, foi uma figura multifacetada e completíssima, embora em Ocidente, por ter levado o Nobel de Literatura em 1913, seja muito mais conhecido como literato. Que ainda hoje, de tanto que escreveu, e em todos os géneros, nom está publicada a sua obra literária completa, nem no seu idioma materno bengali, denominado Bangla.

Há uns poucos anos, em Compostela, tomando um café com o meu amigo e diretor de Le Monde Diplomatique, Ignácio Ramonet, este opinava (e eu concordo com ele) que os contos e relatos curtos de Tagore eram formosíssimos e, infelizmente pouco conhecidos. Escreveu mais de douscentos e os mais interessantes serviram para guiões cinematográficos de vários filmes indianos, nomeadamente bengalis, das duas Bengalas, a ocidental e a oriental ou Bangladesh. Dirigidos por grandes diretores como Sotyojit Ray, considerado como o melhor da história do cinema da Índia, aluno de Robindronath da Faculdade de Belas Artes de Santiniketon, e que levou o Óscar por toda a sua obra em 1992, Mrinal Sen, Rituparno Ghosh, Ajay Kar e Tapan Sinha, entre outros. Os que também tomaram, para outros dos seus estupendos filmes, como base cinematográfica, lindos romances tagoreanos, em que as mulheres som sempre as protagonistas fundamentais.

Porque Tagore, que, igual que toda a sua família, e a de Ray, nom era hindu, mas da sócio-religiom denominada Brahmo-Somaj, foi um grande defensor da mulher e sempre esteve a favor da igualdade de género e da educaçom feminina. Os seus excelentes romances Gora, A casa e o mundo, A quatro vozes, Binodini, Uma areia no olho e O Naufrágio, foram levados ao cinema por diferentes autores. No caso deste último, escrito em 1906, foi levado à tela cinematográfica por distintos diretores, no presente ano de 2010, e nos anos 1932, 1947 e 1979. O que nada admira, porque para o meu gosto particular, é a melhor novela que lim na minha vida, e que denuncia com grande sensibilidade, sem ferir ninguém, o erro que é que seja o pai que escolhe a noiva para o filho. Costume que ainda acontece hoje na Índia, por ser algo arraigado desde tempos milenários.

Em toda a cinematografia bengali, e também na de outros estados indianos, com outros idiomas, mais de oitenta filmes estám vinculados de uma ou de outra forma a Tagore. Bem por se basearem em textos, contos, romances, relatos, óperas-dramas e poemas seus. Bem porque a sua música acolhe muitos cantares tagoreanos, ou danças, interpretados na maior parte dos casos por Hemonto Mukhopadhyay, pois nom devemos esquecer que Tagore foi um músico excepcional, autor de letra e música de mais de duas mil quinhentas cantigas. Ou bem por serem filmes, a modo de documentários, sobre a sua vida e obra ou sobre as suas instituições educativas, especialmente as de Santiniketon.

Também é muito curioso comprovar várias cousas na vida filmográfica de Tagore. Em primeiro lugar, que o primeiro filme baseado num relato seu foi rodado em 1923 por Naresh Chondro Mitro, com o título de Manbhanjan, que, naturalmente, era mudo. Em segundo lugar, que Tagore atuou como diretor cinematográfico, colaborando com Nitin Bose, em 1932, na realizaçom de Notir Puja, uma das suas obras teatrais. Que em 1947 colaborou também no guiom e adaptaçom cinematográfica da sua obra Giribala, realizada por Modhu Bose. Que A casa e o mundo, com o título de O mundo de Bimala, realizada por Ray, foi projetada a finais dos oitenta polo nosso Cine Clube “Padre Feijóo”, e era distribuída polo carvalhinhês Ismael González. Que um dos mais formosos documentários biográficos sobre Tagore foi realizado por Ray, com o apoio do governo indiano, no ano 1961, com motivo do centenário tagoreano. Finalmente, que em portas do 2011, “Ano Tagore”, durante a década presente, foram realizados os seguintes filmes: Chokher Bali (Uma areia no olho), em 2003 por Rituparno Ghosh; Mon amour Shesher Kobita, em 2008 por Shubrojit Mitro; Choturongo (A quatro vozes), em 2009 por Sumon Mukhopadhyay; Laboratory, no mesmo ano por Raja Sen; The Sound of Silence, sobre o último período da vida de Tagore, por Ujjvwal Chatterji; a ópera-drama Shyama, que teve a sua estreia no nosso país no Festival de Ourense, realizada por Obhi Chatterjee, e interpretada por Kabery Chatterjee; e Noukadubi (O Naufrágio), realizada no presente ano por Rituparno Ghosh.

Na ediçom 2010 do nosso festival foram projetados três filmes de S. Ray, sobre romances e contos de Tagore: Tin Konna (Três irmãs, 1961), Charulota (A mulher solitária, 1964) e Ghore Baire (O mundo de Bimala, 1984), esta última a cores. Espero e desejo que os ourensanos e ourensanas gostassem delas, e que o resto vaiam vê-las quando tiverem oportunidade.


(*) Didacta e Pedagogo tagoreano.