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Paulo Fernández Mirás : “gostaria de falar de recuperaçom da língua, mas dependemos de que a gente acorde e veja para onde nos levam as políticas atuais”

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Paulo Fernández Mirás, ainda que de pais galego-falantes, foi educado em castelhano. Estudou no Colégio Castelao e depois no IES1, ambos em Ordes, e era quase o único que falava castelhano nestes lugares. Começou a falar em galego porque o cliente sempre tem a razom. Atualmente é um feliz estudante de Filologia galego-portuguesa na Corunha onde o seu TFG (trabalho fim de grau) está focado na poesia de Carvalho Calero, de quem é um admirador. Na sua fotografia de futuro gostava que o português fosse ensinado em todas as escolas do país.

A tua biografia linguística é assim um bocado complexa, não é?

Sim, é complexa porque a vida dos meus pais também o foi. O meu pai, ainda sendo nascido em Frades, tivo que viver grande parte da sua infância e juventude em internados de Santiago de Compostela devido a que meus avós, pola sua parte, migrárom a Alemanha e estivérom lá durante dez anos. Nos internados era obrigatório o uso do castelhano e todos os cativos o falavam, deste jeito o meu pai passou a ter como língua habitual o castelhano. Polo contrário, a minha mae, nasceu e viveu em Ordes toda a vida, assim que a sua língua habitual é o galego.

Após explicar as situaçom de cada um deles, comentarei a minha. Ao nascer os meus pais decidírom, como outros muitos pais galegos, que o castelhano era umha língua “mais útil” que o galego, polo que o castelhano foi a minha primeira língua desde criança. Por sorte, em Ordes quase todos os meus colegas falavam em galego, e, apesar de nom o falar eu, a facilidade para fazề-lo estava presente. Quando tivem a idade suficiente comecei a ajudar o meu pai com a sua loja de roupa e educou-me em falar na língua que falasse o cliente. Deste jeito, comecei a falar as duas línguas com normalidade, mas só neste âmbito, nom nos outros. No familiar (com os meus pais) continuava e continua a ser o castelhano.

Chegada a adolescência, fum estudar à Corunha e depois de um par de anos lá decidi mudar de língua para o galego, já que sentia morrinha da gente da vila e do ambiente em que fum criado. Comecei a falar galego com a gente que ia conhecendo ou com a das lojas, depois mudei para o galego com todos os meus colegas até utilizá-lo em todos os âmbitos salvo o familiar. Deixando a um lado a minha mudança linguística e centrando-nos nos meus traços dialetais, cabe mencionar que já quase eliminei completamente a gheada. Nom só porque estivesse mal vista socialmente, acho que atualmente há umha grande resistência social a perdê-la fomentada polo isolacionismo santiaguês, fago-o porque som consciente graças aos meus estudos da existência da tese castelhanista (descartada polos “académicos” da UDC/UdV) e tenho a total certeza de esta ser a acertada e mais razoável. Mantenho as terminaçons próprias da minha zona “camios, cabros…” e o sesseio implosivo. Além disto, começo a modificar a minha fala para eliminar o ditongo castelhano “io” das terminaçons que já apaguei na minha escrita.

Que é o que favoreceu essa mudança para o galego?

Acho que umha das chaves desta mudança foi aprender sobre os preconceitos que sofre o galego constantemente e sobretodo o maltrato institucional fomentado polo “Ilga-RAGa”. Surpreendentemente, estas entidades som capazes de manter o desconhecimento e a ignorância sobre a nossa língua, de invisibilizar figuras da máxima importância histórica como o senhor Carvalho Calero ou de agochar/selecionar o que dizer ou o nom das figuras da nossa literatura segundo lhes convêm. Estabelecem que a “”ideologia política” está só do lado do Calero e dos reintegracionistas e nom dos que aceitam os castelhanismos na nossa língua e fomentam as alternativas mais achegadas ao castelhano. Esses, capazes de diluir as ideias políticas dos nossos intelectuais do Ressurgimento e de criar umha história plástica e amoldada às suas “inexistentes” ideias políticas, favorecem à colonizaçom castelhana do galego a todos os níveis.

Em resumo, aprofundar no conhecimento e achar que um sistema corrompido tem o poder para eliminar as letras da nossa língua, de criar umha escrita em base ao castelhano (língua culpável de todos os problemas linguísticos que temos), ignorar propositadamente que umha escrita própria ajuda a afastar-nos da diluiçom na língua colonizadora e que cria identidade e um longo etc… todo isto leva-me a lutar contra a opressom e ajudar no possível para que esta panda perda a cadeira em que o poder franquista os subiu e ajudar à gente a desfazer-se dos preconceitos criados polas instituçons, entre eles o que continua a fomentar-se na Espanha e na própria Academia, preconceitos como que o castelhano é bom para o galego e o português é mau (sendo conscientes da irmandade galego-portuguesa desde tempos remotos, a atual massa lexical compartilhada e o bem que nos ia fazer colar palavras do galego do sul em vez do castelhano).

Paulo rumou pola Filologia inglesa e galego-portuguesa na Universidade da Corunha. Qual foi a tua motivaçom e que expetativas laborais e profissionais tens ao respeito? Como valorizarias a formação recebida?

A motivaçom para começar com o inglês foi a facilidade que tinha com esta língua e a necessidade de ter um cartom que acreditasse o meu conhecimento em algo para poder trabalhar num futuro. Foi nesta cadeira quando comecei a interessar-me no galego e quando decidim que ao concluir inglês ia fazer galego-português (que espero finalizar este ano). Vejo na atual cadeira mais do que um modo de viver, sinto a necessidade de ajudar a nossa gente a compreender a sua história e a sua língua e tenho a intençom de ser docente e investigador neste campo. A formaçom recebida está sendo bastante boa, como sabemos há muitos tipos de docentes e na UDC os professores de galego-português som pessoas realmente eruditas e entregadas ao seu trabalho. Estou aprendendo muito e a intençom e nom deixar de fazê-lo nunca.

Quais pensas que podem ser as vias para pessoas da tua idade e expetativas podam chegar ao lado escuro da norma? Ou, dito de outra forma, como argumentarias com um colega para ele/ela virar reintegracionista?

O primeiro é que sintam a sua galeguidade e gostem de aprender cousas novas. Nom todo o mundo é propenso a entrar no lado escuro da norma. Para que umha pessoa pense entrar neste mundo há que explicar-lhe como é que chegamos a ele. É fundamental ensinar a história e sobretodo a história da nossa língua para que compreendam o rumo que seguimos e que pode ser alterável, que nada nos impede seguir o nosso próprio caminho. A seguir, devemos mostrar com provas claras como galego e português som a mesma língua dividida por umha faixa política, é dizer, pôr exemplos com textos antigos e com os diferentes dialectalismos atuais, para que vejam que isto nom é cousa do passado, para que vejam que o rumo da Academia (pós-franquista) é distanciar em vez de unir, política contrária à dos seus criadores

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Paulo é um apreciador da poesia de Carvalho Calero e poeta. De facto, vai ser o foco do seu TFG (trabalho fim de grau). Que nos ensinou Carvalho Calero? Para que serve a literatura e que função atribuis à poesia?

Carvalho Calero foi um autêntico génio e devemos-lhe muito. De ele podemos aprender muitas cousas:

  • A mudança é possível. Começou escrevendo castelhano, depois o galego que puido (já que nom se conhecia o passado da nossa língua), a seguir, o “oficial” (que se aceitava nesse momento) e, finalmente, compreendendo o rumo que levava o galego com essa escrita, começou com a criaçom dumha nova ortografia, a ortografia que poderia manter vivo e independente do estado espanhol e do castelhano a nossa língua, que nos devolveria as nossas raízes e junto a elas a irmandade com Portugal, país com o nosso sangue, cultura e língua.
  • Nom render-se. Ser fortes nas nossas decisons e nom vender-nos ainda sabendo que levamos as de perder. Ele perdeu a sua liberdade e a possibilidade de exercer como docente durante 12 anos, tudo por seguir as suas ideias, mas finalmente voltou a onde lhe correspondia, deu aulas na USC e foi semente de vencer para todas as instituiçons independentes do poder estatal que lutam por ter umha língua própria e independente, que atenda ao seu rigor histórico e que beba do caminho começado por Murguia e seguido por outros tantos como Castelao, Manuel Maria, Pondal, Pintos… Inclusive depois de ser censurado polas editoriais que primeiro gabaram os seus trabalhos, essas editoriais com fama, mas que ideologicamente continuam no passado e que se negam a publicar aos que nom sigam o credo “ilgaraigano”.
  • A nossa literatura. Foi criador do primeiro livro de literatura galega, ainda que o “Ilga-RAGa” nom o lembre. Ainda que nom lhe dedicassem o dia das Letras GaLLegas (que acho que a ele importaria bem pouco e que inclusive preferiria que nom aparecesse o seu nome ao lado de indivíduos como o Filgueira Valverde). A grande quantidade de obras de ensaio baixo o seu nome é suficiente indicativo da sua dedicaçom à nossa língua e aos nossos intelectuais (mais de umha vintena). A sua gramática, com sete ediçons (o último que lhe publicou a Editorial Galáxia, se mal nom lembro), foi o livro com que aprendêrom os alicerces da nossa língua os docentes do tempo dos meus pais.

Poderia continuar a gabar os seus trabalhos e toda umha vida de dedicaçom para com o galego, mas nom é a intençom desta entrevista, polo que deixarei isto aqui. Continuarei com a segunda pergunta:

A literatura é elementar para compreender a situaçom do seu povo, é totalmente necessária para que a gente se identifique, para que conheçam o seu passado, para criar identidade. A castraçom da nossa língua, da nossa literatura, da nossa história leva-nos à desapariçom, à completa diluiçom no estado que nos oprime. Desde o momento em que perdemos o direito a conhecer-nos, perdemos o direito como povo a viver com igualdade ao resto das naçons.

A poesia, como primeira representaçom da nossa arte literária, é a base em que apoiar-nos para expressar os nossos sentimentos e para (re)cria-nos. Como dizia Castelao: “a nossa língua é matriz inesgotável de arte”, por isso devemos mantê-la viva, por isso devemos continuar a alçar a voz e gritando os nossos versos, para que vejam que continuamos vivos, que prosseguirmos a lutar, que isto ainda nom acabou.

Paulo começou o ano passado a escrever em galego internacional. Como está a ser o processo? Achas que deveria haver mais materiais para facilitar esta passagem ortográfica?

O processo leva-se bem e aos poucos fai-se o caminho. De momento estou aplicando as cousas que ficam na minha cabeça, eu som das pessoas que aprendem sobre tudo, escrevendo e lendo. Gosto de aprender aos poucos e perguntando-me o porquê das cousas. Sei que cometo muitos erros e espero que sejam leves e poucos em comparaçom com a extensom do texto. Sei que há materiais diversos para a aprendizagem desta norma, tanto em livros de exercícios físicos como pola rede. Acho que o problema agora é a visibilizaçom desta, nom tanto a passagem em si mesma. Creio que só com um pulo institucional, conseguindo a “oficialidade” desta segunda norma, conseguiríamos umha mudança autêntica. Todo o trabalho é apreçado, todo material é bem-vindo, mas é necessário um movimento do poder que lhe dê a importância que tem a esta trabalheira que se está a fazer.

Que te motivou a te tornar sócio da Agal. Que esperas da associaçom?

Decidim apoiar esta instituiçom porque creio no seu trabalho e na gente que a conforma, creio nos seus valores e na sua atitude. Creio que o seu trabalho é de um valor incalculável e que, deste, depende o futuro da nossa língua. Espero desta associaçom que mantenha o seu trabalho, que nunca se renda e que apoie a toda essa gente que se vê marginada por nom seguir o estabelecido pola “oficialidade” e polo poder político que a apoia.

Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2040?

Gostaria em primeiro lugar de um aumento de falantes, que se invertesse a atual tendência de desapariçom da língua e também, por que nom, que a escrita própria do galego ganhasse “oficialidade” ou polo menos, que o português fosse ensinado em todas as escolas, facilitando o processo de mudança para o galego internacional. Em resumo, gostaria de falar de recuperaçom da língua, mas dependemos de que a gente acorde e veja para onde nos levam as políticas atuais.

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Conhecendo o Paulo

Um sítio web: A web de Sermos Galiza, um lugar de visita obrigada para, de quando em vez, ler um artigo num galego-castelhano correto e nom ter que passar por imprensa em castelhano ou num galego descuidado. Desconheço se há algum outro jornal digital com qualidade que esteja em galego internacional.

Um invento: O carro, sem ele nom poderia ter viajado pola Galiza e Portugal. É a minha liberdade, o transporte ao conhecimento, a maquina que me ajuda a trespassar as barreiras políticas.

Umha música: “Rebeliom do Inframundo” e “Dios ke te crew” entre outros. Som consciente de que utilizam um galego pouco cuidado, mas há que pôr em valor a sua criatividade e o uso da nossa língua.

Um livro: “Pretérito imperfeito” com este livro começou a minha viagem pola reintegraçom, agora já manjei toda a obra do senhor Calero e estou aberto a consumir mais literatura nesta norma. Nom podo esquecer tampouco clássicos como “Queixumes dos pinos” ou “Da terra asoballada”. Textos que me marcaram muito.

Um facto histórico: A disoluçom do Partido Galeguista em 1950, trágicos acontecimentos começam a partir dessa data. Grande erro e fatal sina depararam tal decisom.

Um prato na mesa: Empanada de chouriço com grelos, desde que a comim por Tui, nom som a mesma pessoa.

Um desporto: Correr, para libertar o espírito ou para conservar o corpo. A dualidade mantêm-se nos elementos alimentando-se com a inércia própria. É o único desporto que pratico de quando em vez. Quando moço fazia Taekwondo.

Um filme: “Estômago”, gosto de filmes pouco comerciais e que cheguem a surpreender-me.

Umha maravilha: As cantigas galego-portuguesas, umha maravilha e umha obra de arte incomensurável. Quando as lim fiquei abraiado e sempre que as leio volto a abraiar-me.

Além de galego/a: Português, porque ainda sendo palavras diferentes contenhem o mesmo: Umha língua, uns costumes, umha música… em resumo, umha única cultura separada por umha barreira política imposta pola história.

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