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Paulo Esperança: «O triángulo mágico do Zeca foi: África, Portugal e a Galiza»

Eduardo Maragoto (*) – Portugal celebra, desde o dia 2 de Agosto, a vida e a obra do Zeca Afonso, nascido há oitenta anos na vila portuguesa de Ílhavo, perto do Aveiro que o viu crescer. A iniciativa, ideada polo núcleo do Norte da Associaçom José Afonso (AJA), mas organizada por dezenas de colectivos, vai prolongar-se durante um ano, até o dia 1 de Agosto de 2010, e leva por nome ’80 anos de José Afonso’.

O mote tem a sua explicaçom. Polas palavras de Paulo Esperança, dirigente da AJA e membro do núcleo do Norte, nom se trata de «cantar os parabéns ao Zeca no dia dous de Agosto, porque o Zeca já está enterrado em Setúbal. Queremos celebrar que temos o Zeca connosco há 80 anos, e por isso dizemos ’80 anos de Zeca’ e nom ’80 anos do Zeca’». A Galiza que «lhe deu guarida», como salienta o manifesto, também terá o seu protagonismo. Nom podia ser de outro modo, sendo tal o amor que por esta terra sentiu o ‘poeta, andarilho e cantor’.

 

Paulo Esperança forma parte do Núcleo do Norte da AJA

 

Paulo Esperança, da direcçom da AJA e membro do Núcleo do Norte

P: O Zeca ficou mais conhecido na Galiza que outros cantores igualmente amantes desta terra, como o Adriano Correia de Oliveira…

R: O Zeca tinha umha capacidade de comunicaçom com as pessoas muito grande. Além disso, teve a possibilidade, por intemédio nomeadamente do Benedito, de ter as portas abertas para cantar na Galiza. Isto não quer dizer que o Adriano nom seja um dos cantores incontornáveis da música de intervençom, muito tendo contribuído para «avisar a malta». O Zeca nunca existiria sozinho.

P: Continua a ser o principal vínculo musical entre a Galiza e Portugal?

R: Nom é bem assim. Hoje já há homens e mulheres em Portugal, que som do tempo do Zeca e mais novos, que tenhem umha grande vinculaçom à Galiza: Vitorino, Janita Salomé, Filipa Pais, João Afonso… O Zeca deixou um legado importantíssimo, mas já há muitos portugueses que vam cantar à Galiza e que se situam um pouco na área da intervençom musical do Zeca. O problema é ao contrário: a Uxia, os Milhadoiro ou a A Quenlha som conhecidos por um leque muito reduzido de pessoas em Portugal e as pessoas de uma faixa acima dos 60 anos lembram-se dos Fujam os Ventos, e pouco mais.

P: Ultimamente a AJA, em especial o núcleo do Norte, tem andado muito por terras galegas…

R: Isto surge de umha ligaçom que alguns membros da AJA tenhem à Galiza e até porque havia gente, que canta e toca no núcleo do Norte, que nom fazia ideia de como era o ambiente galego. O concerto que a AJA deu na Gentalha do Pichel marcou as pessoas pola afectividade e pola forma como houvo umha reacçom aos textos ditos. Nós gostamos de ir a qualquer terra que fosse marcante para o Zeca e só nom vamos a África porque nom podemos; é o triángulo mágico do Zeca: África, Portugal, Galiza.

Na imagem da direita o Zeca num concerto na Corunha, com Xico de Carinho à harmónica.
Noutro concerto na Galiza, em Compostela, foi cantada pola primeira
vez a mais conhecida música do cantor português: ‘Grándola, vila morena’

A Gentalha do Pichel é umha das quase quarenta entidades que figuram como assinantes do manifesto que comemora os ’80 anos de Zeca’. Ao longo dos últimos meses, este centro social já recebeu duas visitas de membros da AJA-Norte, na festa do 25 de Abril que se fijo no 10 de Maio, e por ocasiom do Dia da Pátria. Em ambos os dias, o espectáculo musical oferecido polos portuenses, acompanhados por galegos o 25 de Julho, prolongou- se até as tantas, com galegos e portugueses a trautear cada música do José Afonso, um autor que move verdadeiras paixons tanto em Portugal como deste lado da fronteira. Por isso, é previsível que ao longo do ano venham a unir-se mais associaçons de aquém- Minho.

A forma de participar é tam simples como ir fazendo cousas com o Zeca de protagonista, levando esta figura à rua, do ponto de vista que cada colectivo entenda. Na organizaçom já se envolvêrom sindicatos, coperativas culturais, cafés, grupos teatrais e musicais e até escolas que pretendem aproveitar didacticamente a enorme qualidade dos textos das músicas do Zeca.

«Aqui nom me sinto só»

A relaçom do Zeca com a Galiza teceu-se através de fortes amizades geradas ao redor da chamada música de intervençom. Benedito ou Bibiano fôrom algumhas das pessoas que acompanhárom o Zeca nas viagens e concertos em que participou na Galiza. Num deles, em Compostela, perto do lugar que em Maio foi baptizado ‘Parque José Afonso’, foi cantada pola primeira vez a mais conhecida música do cantor português: ‘Grándola, vila morena’, utilizada como senha para o golpe militar do 25 de Abril anos mais tarde. Foi precisamente Bibiano quem apresentou o Xico de Carinho ao Zeca num recital em Paris, em 1971.

Para o Xico, que chegou a visitar o Zeca em duas ocasions na vila em que residiu nos últimos anos da sua vida, Azeitão, as amizades dérom passo a umha grande «identificaçom com a cultura e o idioma galego» que o Zeca tentava explicar no seu país: «Há umha grande confusom em Portugal sobre a Galiza. Estou farto de explicar por todo o lado que a Galiza nom é Espanha». Esta identificaçom levaria-o a compor umha das mais belas melodias do seu repertório: ‘Achega-te a nim, Maruxa’, tirada do cancioneiro limiao. Em Agosto de 1985, no parque de Castrelos de Vigo, realizou-se o concerto-recital ‘Galiza ao José Afonso’, umha das mais emotivas homenagens que recebeu o cantor português, já gravemente doente na altura.

 


(*) Reportagem e entrevista publicadas originalmente no n.º 81 do Novas da Galiza.

 

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