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ORLANDO DA COSTA, ESCRITOR TAGOREANO DE GOA

Dentro da série que estou a dedicar às mais importantes personalidades da Lusofonia, onde a nossa língua internacional tem uma presença destacada, e, por sorte, está presente em mais de doze países, sendo oficial em oito, dedico o presente depoimento, que faz o número 127 da série geral, a um escritor goês tagoreano, que nasceu em Moçambique, embora morasse em criança e jovem em Goa e mais tarde viesse para Portugal. Chamado Orlando da Costa foi ademais o pai do atual primeiro-ministro português António Costa, e do jornalista Ricardo Costa. Com este depoimento, a ele dedicado, completo o número quinze da série lusófona.

PEQUENA BIOGRAFIA

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De nome completo Orlando António Fernandes da Costa, poeta, ficcionista e autor dramático português nascido em 1929, em Lourenço Marques (hoje Maputo), em Moçambique, no seio de uma família goesa, de brâmanes católicos, e falecido, com 76 anos de idade, a 27 de janeiro de 2006, em Lisboa, tendo vivido a infância e a adolescência em Goa (antiga Índia Portuguesa), criado na localidade de Margão, de onde partiu muito do perfume e sabor de seus escritos. Era filho de Luís Afonso Maria da Costa, goês católico, descendente direto por varonia de Marada Poi, Brâmane Gaud Saraswat do século XVI. A sua mãe era Amélia Fréchaut Fernandes, nascida em Moçambique de mãe francesa. Em Goa estudou o secundário no Liceu Nacional Afonso de Albuquerque, onde teve como companheiro de estudos Fernando do Rego, o qual publicou um lindo perfil biográfico de Orlando, quando este faleceu.

Licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras da universidade de Lisboa, cidade a que chegou com 18 anos e onde exerceu a profissão de técnico de publicidade, que foi o seu percurso profissional, atividade que ele denominava “poesia por encomenda”. Integrou durante vários anos a agência Marca, dos irmãos Anahory, onde ascendeu a diretor-geral. Trabalhou para a Ford, a Volkswagen, a Miele, a Nestlé, as Páginas Amarelas e a Mabor. Escrevia também os guiões para os anúncios filmados, por exemplo, por José Fonseca e Costa. Dele foi o simpático slogan da TAP “Através do mundo em boa companhia”. Durante os anos 50 passou a maior parte de seu tempo na Casa dos Estudantes do Império, uma instituição criada principalmente para estudantes de casas das colónias que estavam a estudar na metrópole. Lá, ele entrou em contacto com muitos dos futuros líderes dos movimentos nacionalistas das colónias, como o MPLA, a FRELIMO e o PAIGC. Entre 1950 e 1953 ele foi preso três vezes pelo governo de Salazar. Em 1954 juntou-se ao Partido Comunista Português (PCP) durante o regime ditatorial, quando ainda o partido estava proscrito, e ele desenvolveu o seu trabalho político na região de Lisboa. Poucos dias antes de falecer, a 5 de janeiro de 2006, recebeu das mãos de Jorge Sampaio o grau de Comendador da Ordem da Liberdade. À data da sua morte, desenvolvia no PCP atividade na área da cultura literária.

Casou pela primeira vez com a jornalista Maria Antónia de Assis dos Santos, duma família laica, republicana e liberal do Seixal, que pertencia ao conselho geral da Fundação Mário Soares. O casal teve uma filha, Isabel dos Santos da Costa, que com três anos, faleceu num acidente de viação, e um filho, o político António Costa, hoje primeiro-ministro do governo português. Em 1962 divorciaram-se, e Orlando casou de novo com Inácia Martins Ramalho de Paiva, da qual teve um filho, o jornalista Ricardo Costa do jornal Expresso.

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Iniciou a sua carreira literária com a publicação de obras de poesia situadas no contexto de uma segunda geração neorrealista, afirmada nos anos 50, sendo os seus primeiros três livros de poesia, A Estrada e a Voz (1951), Os Olhos sem Fronteira (1953) e Sete Odes do Canto Comum (1955), todos editados pela coleção “Cancioneiro Geral” e proibida a sua difusão pela PIDE. Nessas coletâneas, dá continuidade a uma poesia empenhada, de exortação fraterna e de esperança, evocando os “homens que a estrada juntou” e “que a estrada batizou” (Batismo), caminhando para um “horizonte (que) será de espigas” (“Vertente”). Afirmou-se, na década seguinte, no domínio da ficção com O Signo da Ira (1961) e Podem Chamar-me Eurídice (1964), romances de intenção social que seriam proibidos pela censura, sendo, ao primeiro romance, só levantada a sua proibição após ter recebido o Prémio Ricardo Malheiros, em 1962. As mesmas dificuldades seriam levantadas a Podem Chamar-me Eurídice, apenas amplamente difundido em 1974.

“Foi preso três vezes pela Pide. Da última vez, permaneceu no cárcere em Caxias por cinco meses e uma semana, acusado de militar em defesa da paz”

Apaziguador no uso da palavra, não alheado da ação cívica, pulsou na sua obra uma consciência social e política lado a lado com um olhar minucioso sobre o coração dos homens nos seus amores e desamores, na alegria, no sonho, no deserto da solidão. Colega de Maria Barroso, de Augusto Abelaira e de Jacinto Baptista, Orlando da Costa, militante do PCP, apoiou a candidatura de Norton de Matos e foi preso três vezes pela Pide (1950-1953). Da última vez, permaneceu no cárcere em Caxias por cinco meses e uma semana (acusado de militar em defesa da paz). Aí escreverá a sua tese. Passou pelo ensino particular até ser proibido de ensinar e trabalhou na publicidade.

Os seus livros de poesia, como A Estrada e a Voz, Os Olhos sem Fronteira e Sete Odes do Canto Comum circularam amiúde entre os amigos e os intelectuais, mas O Signo da Ira, totalmente passado em Goa (Prémio Ricardo Malheiros, Academia das Ciências de Lisboa, 1961), vendeu dez mil exemplares, apesar de a PIDE o ter proibido de circular. A mulher, em seus anseios, fragilidades e força, esteve sempre no centro da sua prosa, como em Podem Chamar-me Eurídice (outro dos seus livros que foram proibidos pela polícia política portuguesa) ou em Os Netos de Norton, livro que lhe valeu o Prémio Eça de Queiroz, da Câmara Municipal de Lisboa. Orlando converteu-se no sétimo autor português com mais livros proibidos pela censura do Estado Novo (cinco no total).

Mário de Carvalho destacou a “humanidade e companheirismo” de Orlando da Costa, classificando a sua prosa como “muito apurada”. Para José Manuel Mendes, presidente da Associação Portuguesa de Escritores, de que Orlando da Costa foi vice-presidente, a obra do romancista é “um dos momentos mais relevantes da ficção portuguesa”.

FICHAS DOS DOCUMENTÁRIOS

  1. Homenagem ao escritor Orlando da Costa na Casa Fernando Pessoa.

     Duração: 16 minutos. Ano 2013.

     

  1. As origens indianas de António Costa.

     Duração: 5 minutos. Ano 2017.

    Argumento: As origens indianas de António Costa provêm do pai, Orlando da Costa, que foi poeta e escritor. Orlando da Costa estudou, formou-se e trabalhou em Portugal, onde foi várias vezes detido pela PIDE antes do 25 de Abril. Português, militante do PCP, grande parte da obra de Orlando da Costa tem por temática o então estado português da Índia, onde passou a infância e a juventude. A última entrevista que deu antes de morrer foi à TVI, em 2005.

      Ver aqui.

 

DEPOIMENTO DEDICADO A TAGORE

Tagore, por Orlando da Costa. Publicado no jornal A Vida, de Margão-Goa, o 4 de junho de 1961, páginas 1 e 4.

Agosto de 1941. Quando me encaminhei nessa tarde luminosa e triste para a Câmara Municipal de Margão, onde se realizava uma homenagem ao poeta acabado de falecer, levava eu o coração ansioso e confundido. Era a primeira vez que ia ouvir falar de um grande poeta indiano contemporâneo, que até dias antes eu ignorara. Ignorara sem pecado, porque as seletas e os livros de história que então me instruíam, não falavam em Tagore, como nunca falaram em Vyassa, Valmiki ou Kalidasa. E, no entanto, vinte e oito anos atrás, em 1913, o poeta Rabindranath Tagore fora mundialmente consagrado com o Prémio Nobel da Literatura.

Apesar dos meus treze anos incompletos, assisti àquela sessão nos Paços Municipais da minha terra com uma angustiada consciência adulta, em que um súbito e indefinível sentimento de culpa agravava a minha comoção. Era como se assistisse ao funeral de meu avô, que teria desesperadamente desejado amar em vida. É essa sensação diluída que ainda hoje revive em mim, quando leio páginas de Rabindranath Tagore ou contemplo com orgulho e inexplicável satisfação o seu semblante de profeta, admirável de serenidade. Essa mesma sensação, a que hoje se alia uma capacidade interpretativa dos destinos do Homem diferente da que está contida no idealismo tagoreano, que me detém a mão ao escrever estas linhas, que apesar de curtas e despretensiosas não deixam de ser uma homenagem ao grande poeta, pedagogo, pensador e infatigável paladino da compreensão e convívio entre os homens e os povos do Oriente e do Ocidente que foi Rabindranath Tagore.

Ao lembrar a passagem do 1º centenário do nascimento de Tagore não podemos esquecer a prodigiosa riqueza da sua personalidade de artista e pensador, cuja vida e obra se fundem num mesmo gesto, humilde e soberano, de coerente procura da verdadeira felicidade, da defesa do património comum da humanidade, para além de fronteiras e religiões, da aproximação das culturas dos continentes do nosso mundo – mensagem de espiritualidade e universalidade.

Há cem anos nascia Rabindranath Tagore, no seio de uma família aristocrática e culta da província de Bengala, no nordeste do subcontinente indiano. Do meu familiar especialíssimo que envolveu a sua infância e particularmente de seu pai, Devendranath Tagore, cognominado ‘Maha-Rishi’ (Grande Santo), que foi um homem de afirmada personalidade mística e continuador do sociólogo brahmo Ram Mohan Roy, o jovem Tagore recebeu as primeiras influências.

Educado, com os seus irmãos mais velhos, pelos preceptores da família, cedo sente nascer em si o inconformismo em relação aos sistemas tradicionais de ensino e a rebeldia contra a disciplina e a reclusão que lhe são impostas. De longe, através de uma janela que se abria para o exterior, contemplava ele sem fadiga a mais direta e imediata lição da vida – a natureza, que veio preencher a sua solidão e primeiras meditações, como uma lição de plenitude e liberdade, como um fim com o qual o homem, na realização do seu destino, deve comungar. “Das minhas mais longínquas recordações, amava apaixonadamente a Natureza”.

Dotado de uma sensibilidade invulgar, desde muito novo cultivava a poesia, com uma admirável espontaneidade. Aos 12 anos publica os primeiros poemas e aos 16 escreve para o jornal Barathi fundado por um dos seus irmãos. Teria 18 anos de idade quando, para cursar Direito, pois a família destinava-o à carreira de advogado, partiu para Inglaterra, de onde regressa aos 20 anos com os estudos por concluir.

O contacto inteligente e sentido com os poetas bengalis, seus antepassados inconformistas de entre os séculos XIV e XVI, Chandi Das, Kabir, Chaitanya, Vidyapati, que, num plano literário, haviam concorrido para afirmar a vitalidade da língua do seu povo, marca na obra de Rabindranath Tagore os primeiros frutos de uma herança nacional, da qual a sua poesia, em particular, e a restante obra, em geral, irá influir, numa fase de amadurecimento da sua personalidade, para caminhos de um mais amplo e profundo significado humano.

É, porém, o encontro com a mensagem quotidiana dos cantores vagabundos da sua terra, os “Bhauls”, a aproximação com o povo trabalhador e a vida rural, a compreensão subtil da Natureza que floresce na planície indo-gangética, que vai determinar a fisionomia última do seu lirismo, o fundo místico de coordenadas livres do seu pensamento, o ideal de amor da poesia de Tagore. Os poetas-cantores “Bhauls”, nome que vem do sânscrito “vayu” e significa “excêntrico”, caracterizam-se pela sua não sujeição aos costumes sociais correntes, pela adotação de uma como que religião de consciência que desconhece ritos ou sacerdotes e não se submete a um Deus particular (“se Deus está no templo, então a quem pertence o Mundo? Se Rama está na imagem que tu adoras, o que se passa onde não há imagens?” Kabir), pela aceitação da liberdade de espírito, do amor por todos os seres, da alegria do corpo e do espírito, do respeito pela natureza e pela personalidade humana.

É nesses princípios ativos que mergulham, com efeito, as raízes da universidade do espírito tagoreano. É também na conjugação rítmica imediata da recitação e do canto – forma de expressão “bhaul” – que poderemos encontrar a sua mais autêntica forma de culto, espontâneo e livre, culto da vida, culto da unidade de todas as coisas: “Tudo o que existe vibra com a vida, porque saiu da vida”.

Quando aos 40 anos de idade, retirando-se para Shantiniketan (O Asilo de Paz), o “ashram” (eremitério) criado por seu pai a cerca de cem milhas de Calcutá, Tagore funda, em pleno contacto com a Natureza, a sua famosa escola, começa a sua invulgar experiência de pedagogo, a que a Índia desde logo ficou a dever uma obra de notável alcance educativo e social. É com o dinheiro do Prémio Nobel da Literatura, que em 1913 obteve o seu belo livro de poemas “Gitanjali” (A Oferenda Lírica), que Tagore cria, anexa a Shantiniketan, a universidade internacional Visvabarathi, aberta a estudantes e mestres de todos os países, que por este meio procurava realizar um dos objectivos do internacionalismo e pacifismo da mensagem de Tagore – a união do pensamento oriental e ocidental, a aproximação dos valores culturais do Ocidente e do Oriente.

A personalidade de Rabindranath Tagore – cuja ação encontra de certo modo, em Romain Rolland um equivalente no mundo ocidental – através da sua vasta e riquíssima obra artística, de poeta e de músico, é um dos poucos exemplos do nosso século, em que um lirismo de inspiração autêntica e consumando-se num profundo e continuo sentido da beleza visível, se alia a um pensamento filosófico-místico assenta numa perene e universal liberdade de espírito, a uma verdade pedagógica liberal e progressiva, a um sentimento enraizado de amor e fraternidade humanos, onde não cabe, como princípio teórico e prático das relações humanas, qualquer forma de submissão ou lei de sujeição de um homem a outro homem ou de um povo a outro povo.

É essa mensagem de Paz e Amor que, com 54 anos de idade e durante vinte anos de espantosa atividade de conferencista, Radindranath Tagore, como um autêntico poeta “Bhaul” em peregrinação pelo mundo, trouxe, ele próprio, aos distantes países da Europa, da América e do Extremo-Oriente. E essa mensagem que para além das contradições do seu idealismo filosófico, face a uma consciência coletiva surgida da evolução histórica das sociedades atuais dos dois hemisférios se mantém, quase sagrada para nós com a singular herança espiritual legada aos homens do mundo pelo maior poeta da Índia contemporânea.

(Nota: Este depoimento foi enviado ao jornal A Vida pelo autor, desde a cidade de Lisboa, onde na altura morava, e foi escrito com motivo da comemoração no ano 1961 do Centenário do nascimento de Robindronath Tagore. Foi recolhido pelo leitor de português da Universidade de Glasgow, Paul de Melo e Castro, e incluído no seu importante arquivo dedicado aos escritores em português de Goa).

SOBRE O SEU LIVRO O SIGNO DA IRA

Com motivo da apresentação em 1962 do seu livro O signo da ira, do qual Orlando da Costa chegou a dizer que “ao escrever esta obra paguei uma dívida para com a minha terra e a minha gente”, publicou-se na imprensa na altura uma resenha, da qual apresento a seguir o texto da mesma:

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“Com numerosa assistência, mas sem desnecessários formalismos, o que veio sem dúvida propiciar o alegre convívio e a excelente camaradagem reinantes no jantar na “Cozinha Alentejana”, realizou-se a anunciada homenagem ao escritor Dr. Orlando da Costa, recentemente distinguido com o Prémio Ricardo Malheiros, atribuído pela Academia das Ciências ao seu livro O Signo da Ira.

À direita e à esquerda do homenageado sentara-se, respetivamente, a senhora de Massaud Moisés, o professor catedrático e escritor de origem brasileira em visita ao nosso pais e especialmente convidado a participar deste jantar, e a escritora Lília da Fonseca.

Entre os assistentes, encontravam-se alguns destacados vultos das letras e artes portuguesas, além dos amigos e admiradores de Orlando da Costa, que lhe promoveram esta tão simpática quanto merecida prova de apreço.

No final, o escritor Urbano Tavares Rodrigues, que em belo improviso traçou o perfil psicológico e criador de Orlando da Costa disse calorosamente: “O Signo da Ira é um livro forte e puro onde se verificam indissociáveis a qualidade literária e a qualidade humana do seu autor; porque seja qual for o modelo estético ou a conceção sociológica adotada pelo escritor, através do realismo critico, do realismo socialista ou do “nouveau roman”, o essencial para se conseguir um bom romance é ter talento. Mas – acentuou – algumas obras transcendem esse acabamento artístico, na medida em que se tornam, palpitantes documentos de comunicação humana – é o caso de “O Signo da Ira” que, paradoxalmente, apesar do seu título, se revela um livro de comunhão entre os homens, um livro do amor”.

Concluiu afirmando que a Academia das Ciências, ao honrar com o prémio “Ricardo Malheiros” O Signo da Ira, se honrara a si própria, assumindo uma nobre função reveladora dos valores do espírito nem sempre respeitados entre nós.

Falou, a seguir, o homenageado: “penso que incondicionalmente devo e posso repartir a minha alegria, a intocável serenidade interior deste momento com todos os presentes e com muitos ausentes”.

Referindo-se, depois, às suas ligações com o “Cancioneiro Geral”, prosseguiu: “No entendimento da confusão achei a clareza e na coragem a única virtude combativa. Nos meus tempos de juventude, dei tudo quanto podia dar em provas de atitude e em provas de testemunho e guardo para sempre a consciência serena de não ter mentido e de não me ter traído”.

Continuando a falar sobre o neorrealismo, disse ter-lhe ficado a dever a sua maturidade de escritor. Mais adiante, observou: “Tal como nas genealogias das famílias, os movimentos não se repetem; nenhuma aquisição sua se repete. Tudo se repercute. Tal como alguns outros autores e livros ultimamente publicados, considero-me e ao meu romance “O Signo da Ira”, uma repercussão atual, direta e conscientemente, do neorrealismo, na literatura de língua portuguesa”.

Aludindo, seguidamente, à liberdade de expressão, Orlando da Costa declarou: “Desejaria prestar a minha admiração aos intelectuais e escritores portugueses aqui presentes e aos ausentes que têm incansavelmente defendido, como algo de sagrado e indiscutível, o direito à livre expressão e à livre criação artística”.

AS SUAS REFLEXÕES SOBRE A LIBERDADE DE CRIAÇÃO

Orlando da Costa apresentou em 1975 ao Iº Congresso dos Escritores Portugueses a seguinte comunicação intitulada “Reflexões sobre a Liberdade de Criação, Condicionamentos e Liberdades Concretas”:

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1. Ao abordar o tema proposto “Criação Literária, Sua Especificidade ou Instrumentalidade”, apontaria desde já uma pequena mas significante correção. “Criação Literária, Sua Especificidade e/ou Instrumentalidade”.

Esta correção assenta no facto de a alternativa criar uma falsa proposta de problema e por isso – mesmo admitindo-se a situação de alternativa – não se pode admitir a fórmula copulativa. Se a especificidade de criação literária pertence ao domínio da própria definição e expressão da criatividade do escritor, a sua instrumentalidade é uma característica, um valor, decorrente dela.

Assim, penso que abordar o problema da especificidade da criação literária é ter que chegar, necessariamente aos domínios da sua instrumentalidade, considerando que a atividade criadora do escritor envolve dois sujeitos e dois tempos necessários do conhecimento e da transmissão: e eu e o outro, o a seguir, o necessário e o urgente.

2. A criação literária, no âmbito da sua originalidade, é um ato privado, não deixando de ser um facto social. Um ato privado depende da consciência de um homem – neste caso do escritor – e esta consciência, por sua vez, depende de uma vida real, da sua vida quotidiana.

Ora, a vida quotidiana traduz uma “condição” subjacente: condição humana, condição social, não obstante fatores específicos temperamentais de índole e carácter que são, sem dúvida, intervenientes na criação e porventura dos mais importantes e que dão o “tonus” àquilo que poderíamos chamar corretamente “a individualidade da criação na liberdade de criação”.

Todos têm a sua “condição”. Os escritores também. A sua criação literária depende da consciência privada – dos seus limites – e da sua “condição” – contexto básico em que interferem fatores mutáveis socioeconómicos e políticos. Na antinomia entre estas duas realidades, definem-se, efetivamente, as fronteiras mais ou menos estáveis do campo onde, com maior ou menor exercício de liberdade, se exprime a capacidade criadora do escritor, como homem “situado” que é.

E aqui convém frisar que esta capacidade do escritor e o seu conhecimento das necessidades apontadas pela sua “condição” são, além de tudo o mais, dentro do âmbito das condições de criação literária, responsáveis pela conquista incessante da liberdade – a liberdade daquilo que escreve e como escreve, das opções temáticas e dos modos de comunicação.

A especificidade da criação literária radica-se nessa liberdade de opções e capacidades individuais e, ao exprimir-se, essa criação passa de um nível de ato de responsabilidade privada a um nível de facto de responsabilidade social, tanto quanto provoca uma participação do público com que comunica.

3. Mas a liberdade que a criação literária reclama e que um escritor a todo o momento tem de conquistar como é que é assumida? Isoladamente? Individualmente? Isoladamente, não. Individualmente, sim, mas não apenas, porquanto a sua perspetiva – com todo o respeito pela sinceridade, coragem e coerência do escritor consigo próprio – está comprometida no exercício de uma liberdade que, quer queira ou não, o ultrapassa como sujeito individual. A liberdade de criação não é mais do que a consciência e conhecimento da própria necessidade de criar e comunicar, que, por sua vez, ao transformar-se em atividade participa de um conjunto social.

E a necessidade de criar contém em si os gérmenes combináveis de observação e da participação. Quando refletimos e imaginamos não estaremos já a ser mais participantes do que apenas espectadores? Sem dúvida. Um escritor é, por natureza, um espectador observador. A sua capacidade criadora, porém (de descobridor, de recriador – que é afinal toda a sua possibilidade inventiva de perspetivar a realidade), acaba por se revelar um instrumento mais ou menos ativo na transformação do conhecimento do real.

Entenda se por real humano o mundo interior que todos temos e carregamos ao longo dos dias e dos anos e o mundo exterior, que aquele reflete, e em que inseridos, marginalizados ou não, mas sempre “situados”, nós atravessamos ao longo dos mesmos dias e dos mesmos anos.

4. No plano da criação literária esse real humano poderá ser definido como o convívio entre a consciência privada do escritor e as motivações e solicitações da realidade circundante – física e social, sensível, inteligível e transformável.

Ao falar em realidade social convém salientar o que anteriormente já se apontou como sendo a “condição” do escritor numa dada sociedade. Não se está a referir ao escritor como classe profissional, mas como homem social, isto é, como “parte de um processo social”. Da sua inevitável inserção numa dada estrutura em que relações sociais de um certo tipo dominam os fluxos da história, resulta que a sua atividade criadora acarreta inevitavelmente consigo aquilo a que poderíamos chamar uma provocação de instrumentalidade no seio da sociedade, na medida em que não se pode abstrair a criação literária das vias de comunicação. A criação literária envolve indissociavelmente “aquilo que se comunica, a quem e como se comunica”.

Todo este processo propõe, efetivamente, ao escritor a saída da sua consciência privada, o transpor para um encontro de identificação da sua necessidade criadora com uma determinada ideologia. Projeta-o para uma possível consciência coletiva, para uma aferição constante entre a sua necessária liberdade de criação e as liberdades concretas a que num dado momento histórico o ser social tem acesso ativo, dentro das raízes culturais e dos problemas do povo que o integra, dentro da sua própria nacionalidade – única via profunda para a universalidade.

E na afeição constante entre a liberdade de criação literária – que se exprime por uma linguagem que é um instrumento coletivo vivo – por linguagens novas que só se criam e fecundam em situações novas ou em vias de renovação e as liberdades concretas que se situam em toda a sua extensão a inegavelmente instrumentalidade da criação literária.

Essa instrumentalidade é, pois, técnica e ideológica. Enquanto técnica, sempre necessária e porventura urgente por ser ideológica.

Nas capacidades criativas e expressivas de cada escritor, reside a especificidade da criação literária, ao mesmo tempo que é no conhecimento dinâmico da sua condição social no mundo e da responsabilidade oficinal que assume ao recorrer a uma via de comunicação que é a escrita, que se reconhece a sua instrumentalidade, a um tempo linguística e social.

TEMAS PARA REFLETIR E REALIZAR

Olhamos os documentários citados antes, e depois desenvolvemos um cinema-fórum, para analisar o fundo (mensagem) dos mesmos, assim como os seus conteúdos.

Organizamos nos nossos estabelecimentos de ensino uma amostra-exposição monográfica dedicada a Orlando da Costa, importante literato goês-moçambicano. Na mesma, ademais de trabalhos variados dos escolares, incluiremos desenhos, fotos, murais, frases, textos, lendas, livros e monografias.

Podemos realizar no nosso estabelecimento de ensino um Livro-fórum, em que participem estudantes e docentes. Antes escolhemos para a sua leitura alguns dos livros publicados por Orlando da Costa. Um dos mais interessante é O signo da ira (1961). Também podem ler-se Os netos de Norton (1994) ou O último olhar de Manú Miranda (2000).

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