Música brasileira no cinema

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Talvez a passeata contra a guitarra elétrica seja junto com a proclamação da independência e a construção da Fordlândia dos acontecimentos históricos mais originais do Brasil.

O Brasil é o único país do mundo que conseguiu convencer o monarca da metrópole para independentizar a colónia. Dom Pedro I passou de rei de Portugal a imperador do Brasil a partir do conhecido Dia do Fico em que se recusou a voltar a terras lusitanas. Pouco depois, a 7 de setembro de 1822, foi proclamada a independência do maior estado da América do Sul.

A Fordlândia foi uma cidade mandada construir no estado do Pará polo magnata estadunidense Henry Ford. Porém, o sonho Americano de fornecer látex para o fabrico de pneus e impor uma American way of life aos milhares de operários trazidos do nordeste fracassou. Obrigados a comerem hambúrgueres, sem arroz e feijão, iniciaram uma revolta que acabou com os ianques escondidos na selva amazónica até o exército brasileiro restabelecer a ordem.

Já agora, a passeata contra a guitarra elétrica, acontecida em 1967 na cidade de São Paulo, foi um protesto contra este instrumento, símbolo de dominação cultural norte-americana. Comandada pola cantora Elis Regina, mobilizou centos de pessoas que lançaram palavras de ordem contra as guitarras elétricas e a invasão da música em inglês.

musica_br_cinemaRenato Terra e Ricardo Calil resgatam a atmosfera desse episódio histórico no documentário de 2010, Uma noite em 67. Com depoimentos dos principais músicos da MPB, o filme conta a história da final do 3º Festival da Música Popular Brasileira ganho por Edu Lobo com Ponteio e onde se deram a conhecer clássicos da música brasileira como Roda Viva, de Chico Buarque.

Falando em vidas de músicos do Brasil, Vinícius de Moraes e Tim Maia têm sem dúvida as biografias mais empolgantes.

Realizado em 2005, Vinícius, de Miguel Faria Jr., retrata a história do poetinha, enganoso nome com que é conhecido este autêntico polímata carioca, quem para além de poeta foi músico-compositor, dramaturgo, diplomata e jornalista. Bem badalada a sua fama de mulherengo, casou-se nove vezes. Fumante, bebedor de uísque, boêmio e de ideias comunistas, Vinícius frequentava o Antonio’s do Leblon, cujo dono, Manuel Rieiro, galego de Santa Comba, era o seu garçom de confiança.

raul_cartaz__rgbNão foi menos intenso o percurso vital do pai do soul brasileiro, Tim Maia. Quem se interessar pola vida deste tijucano rebelde e polémico que gostava de dizer “eu não fumo, não bebo e não cheiro. Meu único defeito é que minto um pouquinho”, recomendo o especial que o programa Por toda a minha vida lhe dedicou em 2007. Aliás, o ano passado foi a estreia da longa-metragem de Mauro Lima, Tim Maia. O síndico do Brasil, que afirmava “Este país não pode dar certo. Aqui prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e pobre é de direita” compôs melodias inesquecíveis como Azul da cor do mar.

Não podia faltar nesta seleção um dos pioneiros do rock brasileiro, o baiano Raul Seixas. Na cinebiografia Raul. O início, o fim e o meio, lançada em 2012 e dirigida por Walter Carvalho, Maluco Beleza mostra-se como uma figura excêntrica e atraente, criador de músicas preciosas como Gita, cujo refrão dá título a este trabalho.

Também de 2012, A música segundo Tom Jobim de Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim aborda a dimensão do autor de Garota de Ipanema e parceiro de Vinícius de Moraes. Ícone da bossa nova, Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim é o mais internacional dos compositores brasileiros, quiçá por isso o aeroporto da cidade do Rio de Janeiro foi batizado com o nome deste grande maestro.

O Brasil, ótimo meio de cultivo de artistas e ritmos musicais, não podia deixar de refletir os seus músicos no cinema. Há vários dramas biográficos sobre intérpretes de diferentes estilos. Desde o rock em Cazuza, o tempo não para (2004), a música sertaneja de Os dois filhos de Francisco (2005), passando polo samba em Noel – Poeta da Vila (2006) o baião de Gonzaga, de pai para filho (2012) e o punk-rock de Renato Russo em Somos tão jovens (2013).

Por último, Faroeste Caboclo, do realizador René Sampaio, é um drama de 2013 inspirado na música homónima de Legião Urbana, no álbum Que País É Este 1978/1987, de 1987. Descrito polo diretor como uma tragédia grega, conta a história de um nordestino que ao chegar a Brasília se torna traficante e se apaixona por uma jovem chamada Maria Lúcia.

Cinema e música é uma magnífica combinação cultural. A grande qualidade do cinema brasileiro não pode continuar a passar desapercebida para o povo galego pois como afirmava o ferrolano Guerra da Cal “O verdadeiro meridiano espiritual da Galiza passa por Lisboa e polo Rio de Janeiro”.