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MANUEL LUÍS ACUNHA, MESTRE REPUBLICANO E POETA

Dentro da série iniciada com Sócrates que estou a dedicar aos grandes vultos da humanidade, que devem conhecer os escolares dos diferentes níveis do ensino, no presente mês de julho já escrevi sobre três destacados republicanos, dous deles mexicanos (Lázaro Cárdenas e José Vasconcelos) e o galego Roberto Blanco Torres, assassinado pelo fascismo. A razão é que foi em julho quando se produziu o vil golpe de estado contra o governo legítimo da 2ª República, por parte do fascista Franco e dos seus sequazes. Desta vez o meu depoimento, que faz o número 110 da série, está dedicado a outro grande republicano galego, nascido na Póvoa de Trives, que foi mestre e poeta destacado. Trata-se de Manuel Luís Acunha Sarmento (1899-1975).

PEQUENA BIOGRAFIA

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Acunha nasceu a 3 de outubro de 1899 às 8 da tarde em Sobrado de Trives, na chamada casa das Dulas. Era filho de Hermenegildo Acunha Caneiro, natural de Maceda de Trives e mestre desta localidade, e de Emília Sarmento Fernandes, natural do próprio Sobrado. O seu avô paterno, Manuel Acunha Malvar, nascera em Louriçã (Ponte Vedra), aliás, também mestre, e a sua avó Benta Caneiro Fernandes, era de Cima de Vila (S. Martim de Maceda de Trives), aonde no seu dia vieram viver. Os seus avós maternos, Maximino Sarmento Domingues e Mª Luísa Fernandes Sarmento nasceram e moravam em Sobrado. O casal chegou a ter oito filhos, cinco mulheres e três homens.

Entre 1899 e 1919 passa a sua infância e adolescência na sua terra natal, realizando os seus estudos primários no Colégio Santa Leonor dos Irmãos das Escolas Cristãs de La Salle (Póvoa de Trives), fazendo parte da primeira promoção de estudantes deste colégio. Nesta altura vai aparecer nele a curiosidade pela literatura, pelo idioma francês e por outras disciplinas importantes para o seu desenvolvimento intelectual. Da sua mãe vai receber uma grande influência, ao ensinar-lhe esta muitos refrães, lengalengas, anedotas, coplas, lendas, modismos e expressões linguísticas, que depois vai utilizar muito na sua obra literária. A influência do meio rural em que mora tem também muita importância, assim como o poder consultar diaraimente os livros da biblioteca dum crego rural que pertencia à sua família.

Em 1920 desloca-se para a vila de Alharis, junto com a família, ao ser destinado ali seu pai. Ao estar perto da cidade de Ourense, pode realizar como aluno autoproposto os estudos de magistério na Escola Normal ourensana. Onde, ademais, existia um grande ambiente cultural, intelectual e mesmo político, como todos sabemos. Por culpa do obrigatório serviço militar tem que partir para a Corunha, e desde esta cidade tem que incorporar-se às forças expedicionárias que marcham para Marrocos, dentro das denominadas campanhas de pacificação contra Abd-el-Krim. Ali vai ter ocasião de estabelecer relação de amizade com Ben-Cho-Shey e Paz Andrade. Em 31 de março de 1926 volta para a Galiza e publica o seu primeiro depoimento na revista Vida Galega, na qual vai colaborar de forma assídua até 1931. Ao ano seguinte de 1927 mora em Rubiãs dos Mistos-Calvos de Randim, e publica na revista Nós, dentro do volume 40, na secção “Arquivo Filológico e Etnográfico da Galiza”, vários interessantes trabalhos de recolha de cultura popular na área onde mora. Na altura publica também poemas no diário de Lugo La Voz de la Verdad.

Em 1928, em Compostela, com o número 1 da sua promoção, aprova o concurso ao corpo de mestres da escola pública. No ano seguinte inicia as suas múltiplas colaborações no jornal La Zarpa de Ourense. Paralelamente também colabora em El Compostelano da capital galega, em que saem muitos poemas seus até o ano 1941. Desde 27 de fevereiro de 1930 vai dirigir o jornal galeguista O Momento da Corunha, editado nas oficinas de Ângelo Casal, com uma vida efémera, pelos condicionamentos sociopolíticos do momento que determinaram a sua rápida desaparição. Na mesma cidade herculina colabora no lançamento das “Escolas de Ensino Galego” concebidas e planeadas por Casal. Em 10 de novembro de 1930 obtém a primeira nomeação como mestre em propriedade, sendo destinado a Tibiás do concelho de Pereiro de Aguiar, muito perto de Ourense. Cidade em que, na rua de Ervedelo do bairro do Couto, estabelece a sua morada. Onde, depois de casar, vai morar também a sua esposa Amparo Sanches, que era mestra de Câmbeo a dez quilómetros da capital ourensana. Nesta altura entra a militar na Irmandade Galeguista de Ourense.

Em fevereiro de 1931 inicia as suas colaborações no Heraldo da Galiza, publicação dos nacionalistas ourensanos, entre as quais destacam os seus “tri-ki-tra-kes”, poemas em que recria a atualidade política do momento, muitos deles bastante polémicos, porém, lidos por muitas pessoas. Durante o mês de abril deste ano participa ativamente na campanha eleitoral apoiando as candidaturas galeguistas e nacionalistas. No Heraldo da Galiza de 25 de maio aparece uma informação sobre as suas intervenções como orador nos comícios celebrados em Loivos, Castro Caldelas, Gomesende e Vilar de Santos, entre outros lugares, sobre o anticaciquismo, o nacionalismo e os conteúdos a favor dos camponeses. Durante o mês de junho participa também em comícios da Póvoa de Trives, Larouco e Maceda de Trives. E no mês de dezembro passa a afiliar-se ao Partido Galeguista.

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Desde princípios de 1932 começa a colaborar desde o primeiro número da revista pedagógica Escuela del Trabajo da ATEO (Associação de Trabalhadores do Ensino de Ourense). Vai fazer parte do conselho de redação da mesma e mais tarde vai ser o secretário, integrando-se na direção até a sua desaparição em 1936. Dentro da associação citada estabelece amizade com Elígio e Albino Nunes e com Luís Souto. Neste mesmo ano de 1932 casa na igreja da Assunção de Viana do Bolo com a mestra Amparo Sanches Rodrigues, que chegou a ser docente na escola Curros Henriques de Ourense. Em 1933 nasce a sua primeira filha Mª Teresa Acunha Sanches. Nesta altura chega a codirigir com o poeta e notário Luís Ramos Colemám uma página cultural no diário ourensano La Región, sob o título de “Venres Literários”. No número 115 da revista Nós inicia a publicação de poemas de Fírgoas, que vai ser a sua obra mais importante. A primeira edição deste livro sai do prelo da editorial Nós de Ângelo Casal em 6 de setembro de 1933. Antes, com data do 16 de junho, recebeu o primeiro prémio no certame literário em homenagem a Murguia por um dos seus poemas, celebrado no Teatro Lousada de Ourense, com jantar posterior na honra de Acunha celebrado no Hotel Minho ourensano, com a presença de Risco, Outeiro Pedraio, Cunqueiro, Branco Amor, Marcelo Macias, Colemám e outros. Em 5 de dezembro, junto com Armando Fernandes Maças, representa a ATEO na conferência do “Frente Único Revolucionário”.

Em setembro de 1934 foi destinado por concurso à “Casa-Escola Conceição Arenal de Proteção da Criança Delinquente” de Madrid, uma importante instituição para mudar a escola na procura dum espaço de esperança e liberdade para os mais carenciados, e por meio de um ensino diferente. Até o golpe de estado fascista de Franco vai desempenhar o seu labor docente neste centro educativo especial. E vai aproveitar para relacionar-se com os galegos residentes em Madrid e com as grandes figuras da denominada geração do 27, especialmente Lorca, a quem dedica em 1936 um dos seus poemas. Em 1935 tinha colaborado com os seus poemas na revista Resol, subtitulada “Hojilla volandera del pueblo”. No mesmo ano de 1936 promove a criação do Ateneu de Ourense, fazendo parte da sua assembleia como vogal da mesma, e estabelece amizade na nossa cidade com destacadas figuras como o poeta Alcaide, e em Val d’Eorras com Florêncio Delgado Gurriarám. Quando se dá o golpe de estado de 18 de julho está de férias em Ourense, onde é destinado provisoriamente às escolas do hospital velho nas Mercês. Depois da queda de Madrid na guerra é depurado pelos franquistas e assiste com verdadeiro arrepio às brutais repressões exercidas pelos nazi-fascistas na nossa Galiza, levadas a cabo naquela altura com inúmeros assassinatos, ao tempo que recebe ameaças contra a sua integridade física.

Em 1937 nasce o seu filho Ramóm Luís Acunha, que é um dos que melhor conserva a memória de seu pai, e que exerceu de jornalista muitos anos em Paris. Em 18 de fevereiro de 1939 a nefasta “Comissão Depuradora do Pessoal do Magistério Ourensano”, publicou, com infinidade de cargos falsos, contra ele uma “Comunicação de objeções”. Por culpa da qual em 25 de março de 1941 foi destituído como docente e riscado do quadro de mestres nacionais por uma portaria do ministério. Por isto, em 1942 tem que desenvolver, para sobreviver, o seu labor docente de forma privada na Academia Mercantil de Ourense. E a seguir no Centro de Ensino Bóveda na Alameda do Cruzeiro, do qual foi coproprietário e diretor, e a que não pôde dar o seu nome por causa da sua destituição profissional. Neste estabelecimento levou a cabo de forma exemplar durante décadas a formação de numerosos ourensanos e ourensanas.

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Em 1945 inicia a sua colaboração com um poema de Fírgoas na revista El Orensano de B. Aires. Cinco anos mais tarde, em 1950, assiste ao Dia da Galiza em Compostela e com a sua mulher participa na assembleia fundacional de Galáxia em Vigo. Entre 1950 e 1970 colabora nas tertúlias literárias e debates-papo do Café Minho, hotel Roma, hotel Parque e outras. E aconselha aos novos escritores, entre eles a Casares. Também viaja a outros lugares como Paris, Port-Louis (perto de Lorient, na Bretanha francesa) e Portugal, países que sempre admirou. Em 1955 é incluído por Fernandes del Riego na Escolma de Poesia Galega, vol. 4 de Os Contemporâneos. Durante a etapa franquista, porém, por não existir liberdade, negou-se a publicar livros poéticos. Em 1959 aparece o seu nome na revista Vieiros, editada pelo Padroado da Cultura Galega do México, criada entre outros por Carlos Velo e o seu grande amigo Luís Soto. Em 1961 algumas das suas poesias aparecem no volume publicado por Alexandre Finisterre no México, sob o título de Poesia da Galiza Contemporânea. Em 1962 colabora numa página literária de La Región de Ourense.

Em 1966, com data de 28 de dezembro, reingressa de novo no Corpo de Mestres Nacionais, três anos antes de reformar-se. E dous anos mais tarde, em 1968, fecha-se o Centro de Ensino Bóveda. Neste mesmo ano participa no programa de Rádio Nacional da Corunha “Poetas da Galiza” onde se lhe faz uma ampla entrevista, em que recita um poema seu e graças à qual conservamos a sua própria voz. Em agosto do ano 1975 aparece o seu poema “Segador” no Almanaque Galáxia. Às cinco da manhã de 19 de agosto falece em Ourense, sendo soterrado no cemitério de S. Francisco da cidade das Burgas.

A partir de 1979 volta a reeditar-se o seu poemário Fírgoas, com desenhos de Prego, numa edição muito formosa e cuidada, que recebeu muitos elogios. Em 1983 a Câmara Municipal de Ourense decide dar o seu nome à escola pública da Carvalheira. O promotor foi outro grande mestre republicano que estava na altura como vereador, José Sueiro, e como presidente da câmara municipal Francisco Rodrigues, também docente. Em 1999 na sua vila natal de Trives organiza-se uma homenagem à sua figura com um ciclo de palestras. Desde o ano 2000, na mesma vila, celebram-se diversos congressos dedicados à sua obra e figura, com publicação posterior das atas dos mesmos: 1º (ano 2000), 2º (2003), 3º (2006), 4º (2009) e 5º (2013).

FICHAS TÉCNICAS DOS DOCUMENTÁRIOS

  1. Janeiras Manuel Luís Acunha.

     Duração: 4 minutos. Ano 2017.

     

  1. Da ilusão à depuração. O ensino na 2ª República e o franquismo.

     Duração: 52 minutos. Ano 2012.

     

  1. Barricada: Os Mestres.

     Duração: 4 minutos. Ano 2009.

     

  1. O Mestre (a última lição). O dia do mestre.

     Duração: 4 minutos. Ano 2017.

     

  1. Póvoa de Trives, uma olhada ao passado.

     Duração: 4 minutos. Ano 2012.

     

  1. Poesia galega durante a Ditadura.

     Duração: 10 minutos. Ano 2018.

     

  1. Antologia sonora de poesia em galego para crianças.

     Duração: 12 minutos. Ano 2017.

     

  1. O entroido no CEIP M. Luís Acunha.

     Duração: 15 minutos. Ano 2010.

     Ver em: https://www.dailymotion.com/video/xd82eg

FÍRGOAS, O SEU LINDO POEMÁRIO

O seu livro fundamental é sem dúvida Fírgoas, um poemário renovador e singular escrito nos anos 1930-31, e publicado pela primeira vez em 1933, com grande influência do ambiente e da realidade do momento e também dos clássicos da poesia galega como Rosália, Curros, Carvajal, Amado Carvalho, Manuel António ou Cunqueiro, e mesmo dos da castelhana Machado, Jiménez, Alberti, Lorca e os da geração do 27.

O livro abre-se com a epígrafe “Poema do alalá” dedicado a Outeiro Pedraio, junto com várias poesias. A seguir, sob a palavra “Caminhantes” dedica a Vicente Risco cinco poemas. Com o nome de “Gris” aparecem enseguida sete poesias dedicadas a Augusto Mª Casas. Álvaro Cunqueiro é agasalhado com o poema intitulado “Regueifa”. A João Luís Ramos dedica o poema “O neno” (A criança). Para Amparinho Sanches, a sua esposa, compõe os poemas “Segredo”, “Arela” e “Bodas”. Sob a epígrafe “Mais” aparecem ao final da obra nove poemas.

Apresento a seguir dous poemas desta obra, a melhor maneira de desfrutar das palavras do próprio poeta, escritas com rima:

Alalá 

   Frecha de vento aceirado

– cantar que canta nos dedos -.

Davam as doze na lua

Ailalala!… Ailalelo!

    Luzada na meia noite

– língua de lume no peto -,

Cantar que canta no sangue.

Ailalala!…Ailalelo!

    O vento ciscou estrelas.

Escorrentaram os medos.

Esta noite noite noite…

Ailalala!…Ailalelo!

Os Nenos (As crianças)

    Todos os nenos do mundo são meus.

         Brancos e pretos.

         Todos os nenos.

    Todos os nenos são anjos de Deus.

         Os nenos, os nenos…

         Ceibade pássaros,

         guindade luzeiros.

         Porque estou muito canso,

          porque sinto medo,

          porque já vou velho.

          Traede-me os anjos!

          Traede-me os nenos!

 

TEMAS PARA REFLETIR E REALIZAR

Vemos os documentários citados antes, e depois desenvolvemos um Cinema-fórum, para analisar a forma (linguagem fílmica) e o fundo (conteúdos e mensagem) dos mesmos.

Organizamos nos nossos estabelecimentos de ensino uma amostra-exposição monográfica dedicada a Manuel Luís Acunha, mestre de Trives e poeta, que pertenceu à Associação de Trabalhadores do Ensino de Ourense (ATEO), organização republicana de docentes. Na mesma, ademais de trabalhos variados dos escolares, incluiremos desenhos, fotos, murais, frases, textos, lendas, livros e monografias.

Podemos realizar no nosso estabelecimento de ensino um Livro-Fórum, em que participem estudantes e professores. Fírgoas, o seu livro de poemas publicado pela primeira vez em 1933, e do qual existem muitas edições posteriores, é obra mais adequada que podemos utilizar. Neste poemário existem lindos poemas dedicados a muitas das nossas figuras: Risco, Outeiro Pedraio, Augusto Casas, Cunqueiro, João Luís Ramos e mesmo à sua esposa Amparo Sanches, que foi uma excelente mestra do colégio Curros Henriques de Ourense.

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