Lobos e cães

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Por João Aveledo (*)

A Galiza é o país da Europa Ocidental com maior abundância de lobos. A sua população do Návia ao Minho pode-se estimar numas 100 alcateias ou grupos familiares, sendo a zona de maior densidade a compreendida entre as serras sudorientais e os Montes de Leão.

As intensas e difíceis relações que entre lobos e humanos tem havido, fazem com que o lobo seja um animal muito presente na nossa cultura. Contos, lendas, toponímia, cães (os cães descendem de lobos domesticados há uns 40.000 anos), ‘foxos’ do lobo, lobisomens… Manuel Branco Romasanta, o ‘homem-lobo’ de Alhariz, foi o último europeu continental a ser julgado e condenado por licantropia. Corria o ano 1853.

Na tradição galega, o lobo é a encarnação do mal. Durante milhares de anos, o lobo tem atacado os nossos gados e ainda tem constituído um perigo para nós próprios… No Inverno de 1856, dois Guarda Civis foram devorados por uma alcateia de lobos na comarca de Entre-as-Portelas. Os últimos casos de ataques mortais aconteceram em Julho de 74, quando uma loba matou em Rante (S. Cibrão das Vinhas) um pequeno de 11 meses e 6 dias mais tarde outro de 3 anos. É indiscutível que o lobo, como predador que está no nível mais alto da pirâmide ecológica, é um animal muito conflituoso e nem tanto por estes raríssimos ataques às pessoas, mas sim pelos frequentes danos aos gados.

Para defenderem os seus rebanhos dos lobos, os pastores foram seleccionando diferentes raças de cães de grande fortaleza, os mastins. Na freguesia raiana de Castro Laboreiro (ou Crasto como a designam os seus naturais) tem o seu solar uma destas raças. O cão de Castro Laboreiro é um cão amastinado, lupoide, ágil, vigoroso e rústico; sentinela ideal de gados e propriedades.

Esta raça portuguesa, hoje ameaçada de extinção polas profundas transformações que as áreas rurais têm sofrido nas últimas décadas, pode ser considerada in lato sensu como a única raça galaica, que goza do reconhecimento da Federação Canina Internacional.

Desde 1988, o Grupo Lobo tem impulsionado em Portugal a utilização de raças autóctones de cães de gado (Cão de Castro Laboreiro, Cão da Serra da Estrela e Rafeiro do Alentejo) como uma medida prática para a protecção dos rebanhos e a conservação do lobo. Com a entrega de cachorros destas raças aos pastores, tenta-se conseguir um duplo objectivo: conservar o lobo, conservando as raças nacionais de mastins.

Dezassete anos mais tarde[1], o governo galego está a ensaiar uma medida similar, só que aqui a raça eleita foi… o mastim espanhol. Como é natural!

 


(*) Artigo publicado originalmente no n.º 37 do Novas da Galiza

[1] O artigo publicou-se em Dezembro de 2005