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Elias Torres Feijó: “Eu hoje prefiro trabalhar porque sejam admissíveis e praticáveis “todas as opções” para o galego”

elias-torresNeste ano 2021 há 40 anos desde que o galego passou a ser considerada língua co-oficial na Galiza, passando a ter um estatus legal que permitiria sair dos espaços informais e íntimos aos que fora relegada pola ditadura franquista. Para analisar este período, estamos a realizar ao longo de todo o ano, umha série de entrevistas a diferentes agentes sociais para darem-nos a sua avaliaçom a respeito do processo, e também abrir possíveis novas vias de intervençom de cara o futuro.
Desta volta entrevistamos Elias Torres Feijó, professor de Literaturas de língua portuguesa e metodologia da análise da literatura e da cultura na Universidade de Santiago de Compostela, e também Diretor do Grupo Galabra.

Qual foi a melhor iniciativa nestes quarenta anos para melhorar o status do galego?
Se falarmos em termos de “estatuto”, de condição, portanto, e entendermos por “melhor” a iniciativa que mais elevou essa condição, devo citar, entre outras, a insistência no vínculo com o mundo de língua portuguesa, quer seja através de leis, ainda que bastante vazias, de associações, de práticas, de declarações, etc. Essa insistência, por interesses de diversa ordem, contagiou, contagia agentes dumha ou doutra maneira, na Galiza; e atua, para algumhas pessoas como motor, para outras como desiderato, mesmo para algumhas como ameaça de perda, precisamente, de estatuto próprio (ganho pola força de tentar identificar o estatuto do objeto língua com o estatuto que o sujeito pretende para si).
Claro, que a introdução na escola, o minguado uso público prestigiado, meios de comunicação e o Xabarín são valorizáveis nas suas conjunturas. Mas, estruturalmente, como longue durée, só a pertença ao mundo de língua portuguesa elevou e poderá ainda elevar esse estatuto. Bastará ver agentes, razões e modos que sei ou intuo se produzem no precário, ainda, docência  da língua portuguesa, no ensino secundário para perceber isso. Aquelas iniciativas não conseguirom reverter a perda. Poderá dizer-se que contribuirom para não aumentá-la; mas veja-se que isso mesmo é já um assomo de fracasso. A geração daquele primeiro  Xabarín tem hoje entre trinta e quarenta anos; as pessoas que receberom galego na escola como matérias tem hoje entre 5 e 55 anos: as faixas de idade mais castelhanizadas.

Estruturalmente, como longue durée, só a pertença ao mundo de língua portuguesa elevou e poderá ainda elevar esse estatuto. Bastará ver agentes, razões e modos que sei ou intuo se produzem no precário, ainda, docência  da língua portuguesa, no ensino secundário para perceber isso.

Se pudesses recuar no tempo, que mudarias para que a situação na atualidade fosse melhor?
Relacionado com o anterior, temos um problema de orientação: para onde vamos? Qual o horizonte que desejamos para o galego? Eu desejo mantermos com nitidez tudo o que é genuíno galego e aprofundar em tudo o que nos une com o restante mundo do galego que no mundo é conhecido como português. Recuperar e potenciar todo o nosso corpus expressivo é tarefa fascinante, prioritária, aliciante e isso só pode ser feito no quadro dessa consideração de pertença, que permita identificar o nosso contributo a esse mundo e depurar o espúrio.
Portanto, o que mudaria seria a orientação cultural. É terrível que a língua tenha que aprender-se complementarmente através de Português como língua estrangeira e não dentro das matérias de Língua e Literatura Galegas, onde a presença desse nosso mundo próprio e/ou acessível, deveria ter presença relevante; que os nossos meios de comunicação públicos não estejam inseridos nesse quadro cultural e até o alienem; que a nossa história e realidade culturais esteja ou preterida ou desprezada, no grosseiro e populacheiro; que a nossa norma linguística não ofereça (espelhar) um rumo certo, otimista e enxebre para a nossa língua em comunhão com todas as variantes desse mundo fora. E que, através dela, não esteja maioritariamente presente essas culturas. Se tivermos um povo que olhe o mundo de língua portuguesa como próprio e próximo, se estivermos conscientes dos nossos problemas e insuficiências para polir melhor os nossos instrumentos mas, ao mesmo tempo, também de toda a nossa potencialidade, poderemos enxergar de modo bem diferente o futuro, em todos os âmbitos, no económico, no político, no social, no cultural stricto sensu…
Enquanto não mudarmos o rumo, continuaremos empobrecid@s.

É terrível que a língua tenha que aprender-se complementarmente através de Português como língua estrangeira e não dentro das matérias de Língua e Literatura Galegas, onde a presença desse nosso mundo próprio e/ou acessível, deveria ter presença relevante; que os nossos meios de comunicação públicos não estejam inseridos nesse quadro cultural e até o alienem; que a nossa história e realidade culturais esteja ou preterida ou desprezada, no grosseiro e populacheiro; que a nossa norma linguística não ofereça (espelhar) um rumo certo, otimista e enxebre para a nossa língua em comunhão com todas as variantes desse mundo fora.

A respeito da oferta institucional e de domínio social feita durante todo este tempo (linguística, cultural, social, interna e internacionalmente), o povo já decidiu: não quer, não gosta, não lhe interessa, maioritariamente; a cada passo, menos lhe interessa. Claro que há fatores de fortíssimo desequilíbrio e inferioridade que explicam o declínio; mas isso não deve obscurecer a análise: a perda maciça de utentes indica claramente que essa oferta não satisfizo; e essa oferta foi feita a custo de espanholização e  linguística e cultural, com o que a nossa precariedade, fragilidade e vulnerabilidade aumentarom. Tudo o que se mover nas coordenadas desse mainstream, não presta nem nada fará avançar; reforçará toda a nossa fraqueza.
Com um acréscimo nada desprezível: a energia e os recursos materiais investidos numha tarefa que se determinava à coesão social da Galiza e ao desenvolvimento de identidade coletiva frustrados. Atenção a essa frustração, no duplo sentido, da eficácia dos investimentos e recursos e do seu impacto moral.
Em geral, o investimento feito na língua, provavelmente inevitável, descurou outros âmbitos e não conseguiu os objetivos enunciados.

 
Que haveria que mudar a partir de agora para tentar minimizar e reverter a perda de falantes?
selic_mesaredonda_eliastorresfeijo_12outPrimeiro, termos dados: fazem-se muitos inquéritos sobre a língua mas não temos dados valiosos sobre disposições, impedimentos, condições que favoreçam ou atrapalhem… As minhas respostas são, pois, intuitivas, opiniões…
Em termos globais, acho ser preciso trocar reclamação de uso por proposta de apoio. Os dados de uso na mocidade urbana e vilega são eloquentes: o galego perde-se; não lhes resulta útil. Mas tenho a impressão de que, em geral, não tenhem nada contra o galego; polo contrário. É importante a sua existência; para essa juventude e para muitos setores da população. Mas existe umha distância enorme entre essa importância e o seu uso (e isso tem muitas razões que não poderei desenvolver aqui, porque algumhas são longas de desenvolver e outras nem as conheço cabalmente). Se centrarmos ser favorável ao galego apenas no uso, se situarmos o “ser bom/a galeg@” no uso, esse enorme contingente, que não o usa, sentirá-se traidor aos olhos de quem centre ou situe assim as cousas. E, nesse caso, ninguém gosta de atraiçoar gratuitamente; solução: sair, indiferença, não ter a ver, não sentir-se interpelad@.

Os dados de uso na mocidade urbana e vilega são eloquentes: o galego perde-se; não lhes resulta útil. Mas tenho a impressão de que, em geral, não tenhem nada contra o galego; polo contrário.

Frente a isso, devem buscar-se espaços de contribuição positiva, que não passem pola exigência dum uso sistemático e sim pola facilitação da transição, por pouca que for, e do fomento de atitudes favoráveis ao galego. Programar festas em galego; desejar que umha filha poda estudar galego; oferecer um livro em galego; recomendar dicas valiosas na nossa língua para umha empresária; recuperar a forma correta dum apelido são passos decisivos de apoio ao projeto comum da galeguidade na Galiza.
Há outras grandes proclamas, propostas de modificação sistémica. Mas acho que devemos procuar soluções que salvem algumha cousa além do nosso imaginário. Falta é reparar nisto, superar conceitos obsoletos, errados ou feridores  (“normalização linguística, auto-ódio, minifundismo…) e planificar com capacidade integradora a coesão social.

Frente a isso, devem buscar-se espaços de contribuição positiva, que não passem pola exigência dum uso sistemático e sim pola facilitação da transição, por pouca que for, e do fomento de atitudes favoráveis ao galego. Programar festas em galego; desejar que umha filha poda estudar galego; oferecer um livro em galego; recomendar dicas valiosas na nossa língua para umha empresária; recuperar a forma correta dum apelido são passos decisivos de apoio ao projeto comum da galeguidade na Galiza.

Achas que seria possível que a nossa língua tivesse duas normas oficiais, uma similar à atual e outra ligada com as suas variedades internacionais?
E será…
Possível é. Provável e desejável, eis o debate.
Continuo olhando a questão normativa desde a atalaia da Norma histórica da AGAL, que me parece a mais adequada como proposta  para o galego, ao lado das tímidas orientações que as Normas do ano oitenta da Comissão a que Carvalho Calero presidiu apresentavam. Desde ali poderia ter-se ido avançando na convergência e na preservação da nossa autonomia expressiva no conjunto do que no mundo é conhecido como língua portuguesa.
Mas a política tem que ser a arte do possível e a melancolia não resolve problemas. De facto, por exemplo, há anos que venho usando o -ão, de que não sou fã, nem na sua constituição histórica nem nesta sua sincronia mas fago- com o intuito de contribuir para popularizar e fazer pontes, do mesmo modo que me conservo no meu modo de falar galego perante qualquer auditório de língua portuguesa, aqui ou acolá, na Galiza ou fora dela.

A política tem que ser a arte do possível e a melancolia não resolve problemas. De facto, por exemplo, há anos que venho usando o -ão, de que não sou fã, nem na sua constituição histórica nem nesta sua sincronia mas fago- com o intuito de contribuir para popularizar e fazer pontes, do mesmo modo que me conservo no meu modo de falar galego perante qualquer auditório de língua portuguesa, aqui ou acolá, na Galiza ou fora dela.

Polo caminho que vamos, o tal binormativismo provavelmente, de diversas maneiras, será aceite por algumhas pessoas como último recurso, se forem generosas e não pretenderem entupir soluções.  Sinto-me verdadeiramente muito mais próximo da norma corrente em Portugal, em Moçambique ou no Brasil, com ou sem Acordo, do que da da RAG . E esse binormativismo ao menos permitir(i)á que setores populacionais da Galiza podam/pudessem fazer umha escolha mais enxebre.
Não me agrada a proposta mas não sei se já estamos na altura de trabalharmos nessa hipótese, abandonando outras e se teremos ou não que aceitar algumhas formas (na morfologia verbal, por caso, ou em determinadas contrações…).
De todos os modos, preservando âmbitos em que o conflito pode ser superior ao remédio proposto, eu hoje prefiro trabalhar porque sejam admissíveis e praticáveis “todas as opções” para o galego. Que todo o mundo que se expressar em galego, poda fazê-lo livremente, fomentando a correção e a coerência interna das escolhas, no possível. Se o galego é tão importante, então teremos que convir em que estamos perante umha situação de emergência relevante e que o preciso é fomentar todo o tipo de atitudes e usos favoráveis, investindo energia na cordialidade, integração e  satisfação do objetivo comum (similar em alguns aspetos ao vivido nos últimos anos do franquismo); e que seja a gente quem decida e selecione rumos, oportunidades, propostas…

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