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Dixie Fredberg- entrevista

Para achegar-nos à última publicação de Através, Dixie em Wonderland, só o ciberespaço é que nos permite o acesso. O seu autor, Dixie Fredberg, não concede entrevistas em pessoa a ninguém, nem sequer aos seus editores e nega-se a estar presente nos lançamentos do seu livro. Esta conversa só é possível teclando o seu correio eletrónico: dixie.fredberg@protonmail.com. Graças a ele, atravessamos o outro lado do espelho, caímos polo túnel e entramos em Wonderland com o Dixie Fredberg para falarmos de heterónimos, invisibilidades, transgressões queer e romances policiais que quebram limites.

Citando Foucault, citado, à sua vez, por Elena Ferrante, a escritora mais conhecida atualmente por ter-se ocultado sob pseudónimo como postura pessoal e um autêntico fenómeno editorial mundial apesar do seu mascaramento: “A ausência de um autor é insuportável e só podemos aceitá-lo em forma de enigma”.

***

Dixie Fredberg, tu também és consciente de que escrever de forma anónima suscita uma enorme perturbação e mistério ao redor da tua identidade? Achas que por cima de tudo, só deve ficar constância da tua palavra?

A verdade é que não sabia que poderia causar perturbação não mostrar-me em público, talvez sim curiosidade. Já que a citas, vou plagiar Elena Ferrante e responder que me dou a mim mesmo a liberdade de criar sem dar atenção nem ao meu nome nem à minha biografia, ao mesmo tempo dou à pessoa leitora a oportunidade de focar a sua atenção na obra e não no nome ou biografia da pessoa autora. Depois de ler Dixie em Wonderland podem mesmo batizar-me com o nome que melhor lhes encaixe para descrever a quem imaginam como autora. Não é portanto esta uma obra anónima, é heterónima e aberta, de facto a licença é Creative Commons BY-SA 4.0.

Continuando com o jogo das máscaras e a identidade, os dous protagonistas, sobretudo Dixie, também se tem que agachar para ser ele mesmo e construir-se perante o Outro…

Certo. Sou como tanta outra gente que se disfarça para tentar encaixar e sobreviver. Sou uma dessas pessoas com muitos “eu” entre os quais escolher. Neste livro a máscara que descrevo é a menos evidente, é estar de cara lavada (cousa que se explica bem melhor no próprio romance, não quero fazer spoiler!). Apesar de tudo existem espaços, quase sempre inesperados, que se nos abrem como um país das maravilhas e onde podemos ser como gostarmos. É o que acontece no romance com a Escusalha, antiga pensão portuense que toma o nome duma casa encantada do Xurés que visitei há uns anos. Escondem ambas mistérios que não vou descobrir agora… Esses wonderland são razões para continuar e, às vezes, espaços por realizar.

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Uma das gratificações do teu livro é termos descoberto não só um universo literário da cidade do Porto… mas também um microcosmos com uma energia e uma densidade crítica tão real que quase parece, como se diz nestes casos, um personagem mais… Por que a ambientação nesta cidade do Norte, em certa medida, tão perto e tão longe ao mesmo tempo para @s galeg@s?

É parecido ao da heterenomia, falar desde mui perto pode ser difícil e distorcer o que se quer dizer. Afastar-se de um mesmo pode ajudar a voltar por outra porta, com outra perspetiva, algo semelhante ao que acontece comigo nesta aventura. O Porto apareceu com toda a naturalidade do lugar que está tão próximo que é quase próprio mas que segue a ser externo. Além disso, é uma cidade que adoro por estar cheia de contrastes, pode passar do ultramoderno ao ranço sem quase transição, o qual dá espaço à surpresa e alberga uma diversidade em que me sinto cómodo. Também é certo que os terríveis efeitos da massificação turística estão desgraçadamente a fazer-se sentir, homogeneizando-a e fazendo-a ficar um pouco mais aborrecida. Mas continua a conter tesouros, por exemplo, essas “ilhas” tão invisíveis para os de fora, esses velhos bairros de construção clandestina que se ocultam trás uma única porta que dá à rua. A rua dos Caldeireiros, no romance, sem sê-lo, poderia parecer também uma ilha graças à vida comunitária que a ressuscita e reiventa. Com vida própria, como a Escusalha “xuresiana”.

Muitos dos textos que se tecem nesse intertexto que é o Dixie em Wonderland dão a impressão que existem para libertar-se das angústias e fantasmas que todos levamos dentro… Quanto de falsa impressão pola nossa parte e quanto de certo?

Gosto dessa imagem de exorcismo ou esconjuro! Nada de falsa impressão. Em qualquer caso, quem ler que decida como interpretar esses textos. O meu papel finalizou com a escrita. Fui capaz de escrever este romance porque me libertei da sensação de ter que dizer qualquer cousa interessante. Sentim-me livre à hora de narrar porque esquecim essa obriga de elaborar discursos elaborados, não era essa a minha vontade.

O livro está cheio de referências musicais! A Elza Soares, o Tim Maia, o Fred Martins, Tom Waits, PJ Harvey… Chegache a criar para nós incluso uma playlist para acompanhar o romance:

https://www.youtube.com/playlist?list=PLmUXyMuEq_c0U_CR1tlAkvtQ6URJ-p0kA

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Como explicas a importância da música em Dixie in wonderland ?

Quase sempre escuito música enquanto escrevo e algumas canções conseguem trespassar a fronteira para coar-se nos domínios da escrita. Essas toadas podem matizar o que escrevo, completar certos trechos ou mesmo amplificar os ecos de determinados contextos que quero plasmar. Além disso, para mim este livro imagino-o sem dificuldade como um musical, quer como filme quer como obra de teatro.

Todo aponta no teu romance polos ingredientes que aparecem salientados na contracapa a uma adscrição ao género policial… Nesse sentido, o teu próprio apelido Fredberg remete para nós também à escritora francesa de romances policiais ou de enigmas como ela mesma diz, Fred Vargas… Por que escolheche esse quadro de referência para a tua escrita?

A minha etiqueta favorita para o livro é aventuras. O de romance policial, ajusta-se só a uma parte mas não pretendia ser central. Fred Vargas é uma das minhas autoras de cabeceira! Por certo, o seu nome é um pseudónimo. No meu caso, Fredberg é um apelido norueguês, já que sou filho dum marinheiro norueguês e duma professora galega. O meu nome original era Enar Fredberg Estévez. O de Dixie é outra história e espero contá-la noutra aventura.

Falando de nomes, o protagonista do romance e tu sodes ambos Dixie Estévez. Quer isso dizer que viveste em primeira pessoa todo o que contas ou é que te situas como protagonista da ficção?

Ambos os Dixies somos a mesma pessoa, mas tal e como confesso na biografia que vai no livro: as minhas obras nem refletem as minhas memórias nem o deixam de fazer. O Dixie do livro é um combinado de vários dos meus “eu” possíveis, alguns reais, alguns ficção.

A dissidência erótica e de género do Dixie e Pixie casam bem então com o roman noir e o de aventuras?

Nesse caso eu não falaria em dissidência, falaria em escolha. Sim que poderíamos casar bem com o noir noutras mãos, nas minhas eu não as pensei nem vivim exclusivamente desde aí. Novamente, a leitora deve decidir onde situá-la.

E agora? Tés algum novo projeto literário em processo?

Tenho. É minha mãe, Elisa Estévez, tentarei narrar o melhor possível as suas últimas aventuras. Professora de filosofia reformada, leva uns anos vivendo no rural próximo a Compostela… Já veredes!

E já por último, com certo ânimo de polémica, embora que para nós seja um dos romances mais na onda galego-portuguesa que já lemos, achas que alguns leitores e clubistas da nossa editora poderiam-se mostrar escandalizados por encontrar numa capa de Através tanto anglicismo junto? O topónimo do Carroll, Wonderland, os antropónimos da banda desenhada Pixie, Dixie, o teu próprio nome, Dixie Fredberg…Só falta aqui o Jinks a correr no meio de toda esta história :-)… Tens a oportunidade de te defender aqui perante as possíveis críticas.

Quanto mais me obrigues a pensar, mais parco serei nas respostas!☺Aí vou: Como negar-me a influência de Carroll? Por que não vou homenagear autoras geniais e comprometidas? Como negar-me a liberdade vital que representa a banda desenhada seja qual for a sua origem? Viva a liberdade! (E também a liberdade para nos escandalizar!).

Dixie

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