Partilhar

CECÍLIA MEIRELES, A MAIS IMPORTANTE TAGOREANA DO BRASIL

Com o número 91 da série que estou a dedicar a grandes vultos da humanidade, que os escolares dos diferentes níveis devem conhecer, e que iniciei com Sócrates, desta vez escolhi a figura de uma grande poeta da nossa língua internacional, cuja família procedia dos Açores e os seus antepassados da Galiza, Cecília Meireles, que também admirou Tagore e lhe dedicou numerosos depoimentos e poemas e traduziu vários dos seus livros para a nossa língua e depoimentos em vários jornais. Eu considero-a como a maior tagoreana desse grande país que é o Brasil, e também uma das tagoreanas mais importantes do mundo, tema sobre o qual não tenho qualquer dúvida. Escolhi-a também porque foi uma importante feminista e defensora dos direitos das mulheres e, como o passado 8 de março viemos de celebrar o Dia Internacional da Mulher, a sua pessoa é adequada para comemorar a data, sobre a qual sempre é fundamental organizar nas aulas dos diferentes níveis do ensino, atividades educativo-didáticas, artísticas e lúdicas, sobre este tema, que mesmo na atualidade está a ter verdadeira transcendência social.

PEQUENA BIOGRAFIA

Cecilia Meireles 2

Por considerá-la muito acertada, como todas as biografias que chegou a redigir, apresento a seguir a elaborada pela brasileira Dilva Frazão dedicada a Cecília Meireles.

Cecília Meireles (1901-1964) foi uma poetisa, professora, jornalista e pintora brasileira. Foi a primeira voz feminina de grande expressão na literatura brasileira, com mais de 50 obras publicadas. Com 18 anos estreia na literatura com o livro Espectros. Participou do grupo literário da Revista Festa, grupo católico, conservador. Dessa vinculação herdou a tendência espiritualista que percorre seus trabalhos com frequência. Embora mais conhecida como poetisa, deixou contribuições no domínio do conto, da crônica, da literatura infantil e do folclore. Cecília Benevides de Carvalho Meireles (1901-1964) nasceu no Rio de Janeiro no dia 7 de novembro de 1901. Perdeu o pai poucos meses antes de seu nascimento e a mãe logo depois de completar 3 anos. Foi criada por sua avó materna, Jacinta Garcia Benevides. Fez o curso primário na Escola Estácio de Sá, onde recebeu das mãos de Olavo Bilac a medalha do ouro por ter feito o curso com louvor e distinção. Em 1917 formou-se professora na Escola Normal do Rio de Janeiro. Estudou música e línguas. Passou a exercer o magistério em escolas oficiais do Rio de Janeiro.

Carreira literária

Em 1919, Cecília Meireles lançou seu primeiro livro de poemas, Espectros com 17 sonetos de temas históricos. Em 1922, por ocasião da Semana de Arte Moderna ela participou do grupo da revista Festa, ao lado de Tasso da Silveira, Andrade Muricy e outros, que defendia o universalismo e a preservação de certos valores tradicionais da poesia. Nesse mesmo ano, casa-se com o artista plástico português Fernando Correia Dias, com quem teve três filhas. Cecília Meireles estudou literatura, folclore e teoria educacional. Colaborou na imprensa carioca escrevendo sobre folclore. Atuou como jornalista entre 1930 e 1931, publicou vários artigos sobre os problemas na educação. Fundou em 1934 a primeira biblioteca infantil no Rio de Janeiro. O interesse de Cecília pela educação se transformou em livros didáticos e poemas infantis.

Entre 1936 e 1938, Cecília lecionou Literatura Luso-Brasileira na Universidade do Distrito Federal. Depois da morte de seu marido em 1935, Cecília se casa com o professor e engenheiro agrônomo Heitor Grilo, em 1940. Nesse mesmo ano, lecionou Literatura e Cultura Brasileira na Universidade do Texas. Profere em Lisboa e Coimbra, conferências sobre Literatura Brasileira. Publica em Lisboa o ensaio Batuque, Samba e Macumba, com ilustrações de sua autoria. Em 1942 torna-se sócia honorária do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro. Realiza várias viagens aos Estados Unidos, Europa, Ásia e África, fazendo conferências sobre Literatura, Educação e Folclore.

Caraterísticas da sua obra

A rigor, Cecília Meireles nunca esteve filiada a nenhum movimento literário. Sua poesia, de modo geral, filia-se às tradições da lírica luso-brasileira. Uma das marcas do lirismo de Cecília Meireles é a musicalidade de seus versos. Alguns poemas como “Canteiros” e “Motivo” foram musicados pelo cantor Fagner. Suas obras iniciais evidenciam certa inclinação pelo Simbolismo. Somente com o livro Viagem (1939), obra premiada pela Academia Brasileira de Letras, é que a poetisa ingressa no espírito poético da escola modernista. A princípio, Cecília Meireles reúne religiosidade, desespero e certo individualismo. Cultivou uma poesia reflexiva, de fundo filosófico, que abordou temas como a transitoriedade da vida, o tempo, o amor, o infinito e a natureza. O espiritualismo e o orientalismo, tão prezados pelos simbolistas, também se fez presente na poesia de Cecília, que sempre se interessou pela cultura oriental. Cecília foi admiradora e traduziu obras do poeta indiano Robindronath Tagore.

Cecília Meireles faleceu no Rio de Janeiro, no dia 9 de novembro de 1964. Seu corpo foi velado no Ministério da Educação e Cultura. Cecília Meireles foi homenageada pelo Banco Central, em 1989, com sua efígie na cédula de cem cruzados novos.

CECILIA MEIRELES Foto

A sua obra literária

Espectros, poesia, 1919. Nunca Mais… e Poema dos Poemas, 1923. Baladas Para El-Rei, poesia, 1925. Viagem, poesia, 1925 e 1939. Vaga Música, poesia, 1942. Mar Absoluto, poesia, 1945. Evocação Lírica de Lisboa, prosa, 1948. Retrato Natural, poesia, 1949. Amor em Leonoreta, poesia, 1952. Doze Noturnos de Holanda e o Aeronauta, poesia, 1952. Romanceiro da Inconfidência, poesia, 1953. Pequeno Oratório de Santa Clara, poesia, 1955. Pístoia, Cemitério Militar Brasileiro, poesia, 1955. Canção, poesia, 1956. Giroflê, Giroflá, prosa, 1956. Romance de Santa Cecília, poesia, 1957. A Rosa, poesia, 1957. Eternidade em Israel, prosa, 1959. Metal Rosicler, poesia, 1960. Poemas Escritos na Índia, 1962. Antologia Poética, poesia, 1963. Ou Isto Ou Aquilo, poesia, 1965. Escolha o Seu Sonho, crônica, 1964.  Crônica Trovoada da Cidade de S. Sebastião, poesia, 1965. Poemas Italianos, poesia, 1968. Inéditos, crônica, 1968. Posteriormente, em vários volumes, foram publicadas as suas Crônicas de educação e a Obra em prosa.

FICHAS TÉCNICAS DOS DOCUMENTÁRIOS

  1. Cecília Meireles (1901-1964).

     Duração: 26 minutos. Ano 2011.

     

  1. Cecília Meireles na lembrança.

     Duração: 4 minutos. Fala: Ignácio de Loyola Brandão (ano 2018)

     Produtora: Editora Global.

     

  1. Cecília Meireles: A sua voz em disco.

     Duração: 2 minutos.

     

  1. As meninas: Poema infantil de Cecília Meireles.

     Duração: 2 minutos.

     

  1. Cecília Meireles: O amor.

     Duração: 2 minutos.

     

  1. Pescaria: Poema de Cecília Meireles.

     Duração: 2 minutos.

     Ver em: http://www.portugues.seed.pr.gov.br/modules/video/showVideo.php?video=8286

  1. Retrato: Poema de Cecília Meireles.

     Duração: 2 minutos.

     Ver em: http://www.portugues.seed.pr.gov.br/modules/video/showVideo.php?video=8288

COLETÂNEA DE TEXTOS DE CECÍLIA MEIRELES DEDICADOS A TAGORE

Cecília Meireles como grande admiradora que era de Robindronath Tagore, ademais de traduzir vários dos seus livros para a nossa língua, dedicou-lhe lindos poemas e depoimentos, exaltando a sua obra e figura. Apresentamos a seguir uma coletânea de textos, e entre eles as traduções de alguns poemas tagoreanos, incluído o hino da Índia, do qual Tagore é autor da sua letra e da sua música.

Dous Poemas da autoria de Cecília Meireles:

  • Cançãozinha para Tagore

 

    Àquele lado do tempo

onde abre a rosa da aurora,

chegaremos de mãos dadas,

cantando canções de roda

com palavras encantadas.

    Para além de hoje e de outrora,

veremos os Reis ocultos

senhores da Vida toda,

em cuja etérea Cidade

fomos lágrima e saudade

por seus nomes e seus vultos.

    Àquele lado do tempo

onde abre a rosa da aurora,

e onde mais do que a ventura

e dor é perfeita e pura,

chegaremos de mãos dadas.

    Chegaremos de mãos dadas,

Tagore, ao divino mundo

em que o amor eterno mora

e onde a alma é o sonho profundo

da rosa dentro da aurora.

    Chegaremos de mãos dadas

cantando canções de roda.

e então nossa vida toda

será das coisas amadas.

     (Antologia poética. 3ª edição, Ed.do autor 1963)

  • O DIVINÍSSIMO POETA. Por Cecília Meireles (1953). Poema nº 61 do livro Poemas escritos na Índia (1961)

 

    Rabindranath! Rabindranath! Rabindranath!

Porque deixas a luz mística do teu Oriente,

que é o corpo de ouro dos ídolos de lá

onde os ídolos são a luz do Sol de toda a gente!

    Há tão profundo e tão vasto e tão lânguido encanto

nos teus poemas sagrados, pairando como luas

sobre o Mundo, que eu nunca soube, do teu canto,

se as palavras eram de Deus ou se eram tuas…

    E tu estavas perdido no prestígio glorioso da ausência…

Penso que vais aparecer… Meus olhos andam tristes…

Os tempos não têm clemência! Os homens não têm Clemência!

E todos vão saber que vives, que és, que existes!…

    Sofro porque eras o Todo-Longe, o Todo-Altura,

O criador, que ninguém sabe como será…

É muito, é enormemente doloroso ser criatura…

Rabindranath! Rabindranath! Rabindranath!

(Do livro Poemas escritos na Índia, escritos em 1953, durante a sua visita ao grande país asiático, e publicados em 1ª edição pela Livraria São José de Rio de Janeiro em 1953. A 2ª edição é de 2014, pela editora Global, que fez outra em 2018)

TRADUÇÕES DE POEMAS TAGOREANOS

FLOR ESTRANGEIRA. Poema de R. Tagore. Do livro Purobi, dedicado a Victoria Ocampo, 1925. Tradução de Cecília Meireles.

    Ó flor, flor estrangeira,

quando te perguntei

teu nome,

abanaste a cabeça,

brincando.

    E disse comigo:

Que pode haver num nome?

Pelo teu sorriso és conhecida

e somente por ele.

    Ó flor, flor estrangeira,

quando te apertei ao meu coração

e perguntei:

– Dize-me, onde moras?

Abanaste a cabeça,

brincando.

– Não sei onde é,

respondeste.

    E eu disse comigo:

Era inútil perguntar

de onde vinhas.

Tua casa está

no amoroso coração daquele

que te conhece

e apenas lá.

    Ó flor, flor estrangeira,

quando te perguntei num suspiro:

– Que idioma falas?

Abanaste a cabeça, brincando,

enquanto as folhas

se punham a murmurar.

    E comigo disse:

Agora sei

que a mensagem do teu perfume

transporta tua esperança sem palavras

e teu teu alento

é a minha própria vida.

    Ó flor, flor estrangeira,

quando te perguntei,

a primeira vez que vim

de madrugada:

– Sabes quem sou?

Abanaste a cabeça,

brincando.

    E disse comigo:

Não tem grande importância.

Se soubesses

que meu coração fica

cheio de alegria

perto de ti,

então, ninguém me conheceria melhor,

ó flor, flor estrangeira.

    Ó flor, flor estrangeira,

quando te perguntei:

– Algum dia me esquecerás?

Abanaste a cabeça,

brincando.

    E senti no meu coração

que me recordarias

muitas e muitas vezes, quando eu te deixasse

por uma outra terra.

A distância virá

aproximar-nos

em sonho

e não me hás de esquecer.

(In: TAGORE, R. Rabindranath Tagore. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1961.- P. 106-108).

ÚLTIMA PRIMAVERA. Poema de Robindronath Tagore, do seu livro Purobi (1925), dedicado a Victoria Ocampo. Tradução de Cecília Meireles.

    Antes que o dia termine,

consente-me este desejo:

vamos colher

flores da primavera

pela última vez.

    Das muitas primaveras

que ainda visitarão

tua morada,

concede-me uma,

   – implorei.

    Todo este tempo,

não prestei atenção

às horas,

perdidas e gastas à-toa.

Num lampejo

de um crepúsculo,

li nos teus olhos agora

que meu tempo está próximo

e devo partir.

    Assim, ávido, ansioso,

conto um por um

– como o avarento o seu ouro –

os últimos poucos dias de primavera

que ainda me restam.

    Não tenhas medo.

Não me demorarei muito

no teu jardim florido,

quando tiver de partir,

no fim do dia.

Não procurarei lágrimas

nos teus olhos

para banhar minhas lembranças

no orvalho da piedade.

    Ah, escuta-me,

não te vás.

O sol ainda não se esconde.

Podemos permitir que o tempo

se prolongue.

Não tenhas medo.

Deixa que o sol da tarde

olhe por entre a folhagem

e se detenha um momento

brilhando no mesmo rio

do teu cabelo.

    Faze o tímido esquilo,

perto do lago,

fugir de repente

ao estrépito de teu riso

que irrompe

com descuidosa alegria.

Não procurarei

retardar teus rápidos passos,

sussurrando esquecidas lembranças

aos teus ouvidos.

    Segue teu caminho depois,

se teu dever é seguir, se tens de seguir

calcando folhas caídas

com teu andar apressado,

enquanto as aves que voltam

povoam o fim do dia

com o clamor de seus gritos.

Na escuridão crescente,

tua distante figura

irá fugindo e apagando-se

como as últimas frágeis notas

do cântico da tarde.

    Na noite escura,

senta-te à tua janela,

que eu passarei pela estrada,

seguindo o meu trajeto,

deixando tudo para trás.

Se te aprouver,

atira-me

as flores que te dei

pela manhã,

murchas agora ao fim do dia.

Isso vai ser

o último e supremo presente:

tua homenagem

de despedida.

    (Nota: Este poema foi traduzido do inglês por Cecília Meireles. Robindronath Tagore esteve na casa de Victoria Ocampo em S. Isidro-Aires (Argentina), por mais de dois meses a finais de 1924. Entre ambos estabeleceu-se um amor profundo, apesar da distância em idade. As muitas cartas que entre eles há assim o confirmam).

HINO NACIONAL DA ÍNDIA. JANA GANA MANA (em Bangla: Jono Gono Mono)

    O Espírito de todo o povo, por Robindronath Tagore (letra e música)

     (Tradução da versão inglesa por Cecília Meireles)

    Tu és o que comandas o espírito do povo

Tu, o Dispensador do destino da Índia.

Teu nome anima o coração do Penjab, do Sind,

Gujerate e Marata, de Dravid, Orissa e Bengala;

Ecoa nos montes dos Vindias e Himalaias,

mistura-se à música do Jamuna e do Gangues,

e transforma-se em ondas do Oceano Índico.

Eles imploram tuas bençãos e entoam-te louvores:

A Ti, ó Dispensador do destino da Índia,

Vitória, Vitória, Vitória!

    Tua voz, noite e dia, viaja de terra em terra,

convocando Indus, Budistas, Sikhis e Jainas em redor do teu trono.

e Parsis, Muçulmanos e Cristãos.

Ao teu santuário vêm oferendas, de Leste e Oeste,

Para serem tecidas numa coroa de amor.

Tu reúnes os corações dos povos na harmonia de uma só vida:

Vitória, Vitória, Vitória!

Eterno condutor, guias o carro da história humana

pela estrada revolta por grandeza e decadência das Nações.

Em meio de todas as atribulações e terrores,

soa tua trombeta, para animar os que despertam e desfalecem

e conduzir todos os povos por seus caminhos de perigos e peregrinação.

A Ti, ó Dispensador do Destino da Índia,

Vitória, Vitória, Vitória!

    Quando a longa terrível noite era de treva espessa,

e a pátria ainda jazia num torpor,

teus braços maternais a sustentaram,

teus olhos vigilantes se inclinaram para o seu rosto

até que ela se libertasse dos negros sonhos maléficos

que oprimem o espírito.

A Ti, ó Dispensador do destino da Índia,

Vitória, Vitória, Vitória!

A noite clareia, o sol levanta-se no Oriente,

cantam os pássaros, a brisa matinal traz um bulício de vida nova.

Tocada pelos raios de ouro do teu amor,

a Índia desperta e inclina a cabeça a teus pés:

A Ti, ó Rei dos reis, a Ti, ó Dispensador do destino da Índia,

Vitória, Vitória, Vitória!”

…………………………………………………..

    Notas aclaratórias sobre este Poema-Canção elaboradas pelo Prof. José Paz, da Galiza:

  1. Onde aparece a letra “j” deve-se ler sempre como o nosso “lh”
  2. Fez algumas correções para a pronúncia certa de nomes e palavras indianos. (ex. Gangues)
  3. Este poema-canção de Tagore foi adotado como Hino oficial da Índia em 1950, após a independência.

Quando também foi aprovado o escudo e a bandeira. Nehru foi um dos que mais apoiou que fora este poema tagoreano, no lugar de Vande Mataram de Bonkim Chondro Chottopadhyay. Que fora o cântico de luita durante anos dos indianos pela independência da Índia, do jugo britânico.

O dia 27 de dezembro de 1911, no Congresso Nacional Indiano foi interpretada esta canção pela primeira vez, e em idioma Bangla (bengali). Nos seguintes dias foi adotada já como canção oficial do Congresso. Infelizmente, hoje já não é este o partido maioritário que governa na República da Índia, com apoio de outros partidos. O líder do mesmo é Rahul Gandhi, filho de Sónia Gandhi, esposa de Rajiv Gandhi (filho de Indira e neto de Nehru), que falecera num atentado.

Existiu certa polémica por ter adotado o poema de Tagore como hino, pois parece ser que este poema fora escrito para uma receção ao vice-rei britânico. Mas afinal foi aceite por todos, dado que nele se reflete a irmandade e solidariedade entre os diferentes povos, estados, culturas e religiões do subcontinente indiano. No qual, dentro da sua grande diversidade, existe uma grande unidade entre todos (por exemplo: só existe uma bandeira, a laranja, branca e verde). Na Índia é muito importante que, dada a grande diversidade, todas as pessoas se respeitem, à margem de ideias, credos, idiomas e filosofias. Por isso, normalmente triunfam nas eleições os partidos laicos, como o do Congresso, para evitar conflitos inter-religiosos, que seriam muito graves neste imenso país que é a Índia. O país da Paz, das cores, de Gandhi e Tagore (como o denomino eu).

Dous depoimentos de Cecília Meireles dedicados a Tagore

  • CANÇÕES DE TAGORE. Por Cecília MEIRELES

    (Crônica do livro O que se diz e o que se entende)

Uma noite, na Índia, éramos quatro pessoas numa praia absolutamente deserta, iluminada apenas pela claridade do céu. Íamos andando em direção ao mar, sem sabermos bem dos limites da areia e das águas. O som das ondas e o pequeno arabesco branco da espuma conduziam nossos lentos passos: e era como se fôssemos pouco a pouco saindo deste mundo.

Foi quando Maria, minha amiga recente, que aparecia na noite envolta em seu sári branco e azul como uma pequena santa; Maria – minha amiga cristã que devia casar uma semana depois, sem que eu a pudesse ver no dia do seu casamento – perguntou-me por que não cantávamos um pouco: a noite era bela, a solidão profunda, e nós estávamos felizes naquele instante, como se desde sempre nos tivéssemos conhecido e tivéssemos sido amigos desde sempre.

(Neste lugar só de areia,

já não terra, ainda não mar,

poderíamos cantar.)

A Índia é um país de ritmos lentos e versos longos. Suas extensões convidam a uma fala poética vagarosa; mesmo quando as palavras são rápidas, a frase é prolongada e sustentada; as imagens acorrem, deslumbradas; como os grandes rios, como as árvores compactas, a poesia indiana e a sua música têm uma densidade interminável. Como o próprio giro da vida, não parece haver, para elas, terminação, conclusão, fim – mas sempre e sempre continuação, encadeamento, num movimento circular sem interrupção.

Embora sentindo tudo isso, animei-me a cantar pequenas canções populares, coisas despretensiosas do nosso folclore, simples amostras do nosso ritmo e da nossa melodia.

Depois, Maria começou a cantar. Cantava em bengali, com aquela emoção que faz parte da música oriental: sua voz tênue, vaporosa, incorporava-se ao mar, às estrelas. E ali sentados na areia, longe de casas, de ruas, de todas as presenças, íamos sendo levados pela sua voz ao longo da noite, ao longo do céu, ao longo do mar.

Eu tinha traduzido as minhas simples canções. Ela traduziu-nos as suas. As suas eram de tagore. Falavam do amor humano e divino, e guardavam sempre nas palavras aquela dignidade religiosa que caracteriza a obra do poeta. Ele escreveu a letra e a música de tantas canções, que parece impossível a riqueza criadora do seu espírito. E essas canções circulam pela Índia toda, de tal maneira o poeta estava identificado com a sua terra. Talvez muita gente nem saiba de quem é a canção que está cantando, aqui e ali, na imensidão da Índia. Mas todos encontram nas suas palavras a expressão da sua vida.

Recordei tudo isto agora porque, entre as celebrações do centenário de Tagore, ocorrido há dois anos, figura uma edição de cem das suas cantigas, acompanhadas da tradução inglesa e em notação ocidental. “Bendita é a noite; bela, a natureza…” diz uma delas. E ouço muito longe a voz de Maria,

na praia do fim do mundo

que não guardará de nós

sombra nem voz.

 

    (Nota: Esta crônica foi publicada o 15 de janeiro de 1964 no jornal Folha de São Paulo).

 

          O GURUDEV. Por Cecília Meireles

    (Crônica do livro O que se diz e o que se entende)

Como a Gandhi se impôs o título de Mahatma, a “Grande Alma”, por sua dedicação à Verdade e à salvação de seu povo, a Rabindranath Tagore se chamou o Gurudev, o “Professor”- não no sentido mais ou menos aleatório de mero transmissor de conhecimentos, mas com o significado profundo de um formador de almas, de um Poeta atuante, capaz de abrir para os discípulos – ou simples leitores – caminhos largos e claros de pensamento, de sentimento, de compreensão da vida, de entendimento das nações, com o instrumento da Beleza, que também não é mais que o esplendor da Verdade. Foi por isso mesmo que, embora profundamente diferentes, num dado momento Gandhi e Tagore coincidiram, como diversos mas igualmente admiráveis representantes da Índia, aos olhos de seu país e diante do mundo. E foi assim que, atuando cada um no seu setor, contribuíram ambos para transformar a sorte de seu povo.

Rabindranath Tagore é conhecido no estrangeiro principalmente como Poeta. O prêmio Nobel de 1913 e as numerosas traduções de sua obra em vários idiomas ocidentais concorreram para fazê-lo admirado por toda parte. Pouco tempo depois, Gandhi observaria que “o poeta da Índia” estava a ponto de se tornar “o poeta do mundo”. E na verdade, se recordarmos os poetas da Europa que se comoveram com sua pessoa e com seus poemas, sentimos que ele foi o grande intérprete de sua terra, naquele momento, e do que ela possui de mais alto e puro, em força delicada, poder espiritual, serenidade e inspiração.

Mas Tagore não foi apenas esse imenso Poeta que se nos tornou familiar mediante traduções – pois apenas uma parte de sua obra foi escrita diretamente em inglês, ou por ele traduzida do bengali. Foi dramaturgo, romancista e contista, para falarmos apenas da sua atividade literária. Em todos os gêneros, sua sensibilidade poética permanece a mesma; no entanto, há páginas suas de leve malícia, com certa sutil penetração satírica, especialmente as de memórias, quando se refere a seus tempos de estudo e primeiras experiências. Em muitos casos, é um precursor, segundo a crítica de seu país, quanto aos gêneros, e um grande estilista em seu idioma.

Seu teatro não é fácil de definir: o gosto ocidental reclamará, no texto, os conflitos a que está acostumado. O texto tagoreano é muito depurado, quase puramente lírico, sem a movimentação dos diálogos ocidentais. Como se em lugar de conflitos houvesse apenas aspirações, inquietações, e cada personagem se desenvolvesse numa atitude isolada – como coreograficamente, e num mundo de outras dimensões, de outros dramas – diante de um acontecimento, um mistério, uma revelação que ardentemente se espera, se contempla ou se recebe. Essa obra teatral, literariamente, pode ser considerada como uma série de poemas dramáticos, muitas vezes enriquecidos com música, dança, canto, coros, também de Tagore.

Assim como a pintura e a poesia, a música da Índia é cheia de sutileza, com modos peculiares de expressão, obediente a cânones tradicionais que a tornam pouco acessível a um auditório não familiarizado com a estética indiana e o sentido das ragas. No entanto, as canções de Tagore são tão difundidas, em sua terra, que certa noite, num grupo de pessoas do oriente e do Ocidente que cantavam canções populares, a moça indiana que cantou também uma saudosa melodia estava cantando uma canção do grande Poeta. Suas palavras e sua música circulavam assim como a voz do próprio povo, quase com a glória do anonimato.

Poemas, contos, canções, romances, teatro, música, tudo converge para um fim superior, na obra de Tagore. É uma obra altamente educativa, sem nenhuma aparência ou intenção didática. Ele não acreditava, aliás, em métodos de educação que não fossem inspirados em grandes sentimentos. Os pedagogos deixavam-no apreensivo. Queria educadores capazes de amar seu ofício e seus discípulos, de amar a vida em sua totalidade. E, sem desconhecer os sofrimentos deste mundo, gostava de mostrar caminhos de alegria, esses caminhos por onde os corações felizes e agradecidos vão sem medo ao encontro do seu Amor. Caminhos do fim do mundo, onde todos se reconhecerão.

TEMAS PARA REFLETIR E REALIZAR

Vemos os filmes e documentários citados antes, e depois desenvolvemos um Cinema-fórum, para analisar a forma (linguagem fílmica) e o fundo (conteúdos e mensagem) dos mesmos.

Organizamos nos nossos estabelecimentos de ensino uma amostra-exposição monográfica dedicada a Cecília Meireles, a sua obra literária, as suas ideias sociais e especialmente a sua defesa da mulher, da sua igualdade e da sua educação. Na mesma, ademais de trabalhos variados dos escolares, incluiremos desenhos, fotos, murais, frases, textos, lendas, livros e monografias.

Podemos organizar no nosso estabelecimento de ensino um Livro-fórum, lendo antes todos, estudantes e docentes, um dos livros escrito por Cecília Meireles. Dentre eles podemos escolher o intitulado Poemas escritos na Índia, publicado em 1953 pela brasileira editora livraria São José. Pela editora Global existem novas edições deste livro nos anos 2014 e 2018. Poderiam valer também os seus livros Problemas da literatura infantil e O que se diz e o que se entende e mesmo as Crônicas de Educação (3 volumes).

A Mesa tramitou mais de um milhar de expedientes em 2023

Areias de Portonovo, uma jornada atlântica da Galiza ao Brasil

A USC comemora os 50 anos da revolução de 25 de Abril que deu início à democracia contemporânea em Portugal

Sónia Engroba: ‘Não somos conscientes nem conhecedores do poder da nossa própria língua’

Novidades Através: 50 anos de Abril na Galiza

Lançamento do livro González-Millán, a projeção de um pensamento crítico, em Braga

A Mesa tramitou mais de um milhar de expedientes em 2023

Areias de Portonovo, uma jornada atlântica da Galiza ao Brasil

A USC comemora os 50 anos da revolução de 25 de Abril que deu início à democracia contemporânea em Portugal

Sónia Engroba: ‘Não somos conscientes nem conhecedores do poder da nossa própria língua’