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Carlos Valcárcel: “Há certas coisas para o ensino do galego que devem ser trabalhadas como nas didáticas das línguas estrangeiras”

Valentim R. Fagim – Carlos Valcárcel é professor de didática do francês na Faculdade de Ciências da Educação de Ponte Vedra. Bom conhecedor do mundo do ensino em geral e do ensino de línguas em particular, tivemos com ele para nos abrir a mente com respeito ao panorama linguístico a nível internacional e as estratégias mais adequadas que poderiam ser fomentadas na Galiza, em particular para a recuperação do galego.

Atrás do mote de “plurilinguismo” muitas vezes o que se esconde é só o inglês. Pensas que é a melhor estratégia hoje em dia para o ensino galego?

Já não é que o pense eu, que o penso, primeiro porque sou de francês e é muito latino defendermos a nossa leira, mas para além disso há uma série de relatórios (vários da Uniom Europeia, do Brittish Council, dos quais o último “English Next”) nos quais se fala em que o inglês não está ameaçado, vai ser uma língua de comunicação internacional, uma língua franca, mas quando falarmos em questões de excelência, de qualidade, de competidade nos mercados o plurilinguismo implica o inglês mais uma ou duas línguas estrangeiras.

Ademais essa é a política da União Europeia, que não fala em língua materna ou inicial mais uma, mas em língua materna ou inicial mais duas, no mínimo e mesmo há um programa específico para fomentar a aprendizagem de duas ou três línguas estrangeiras. Portanto, apostar pelo inglês de maneira tão decidida é um erro; não é um erro generalizá-lo como estudo de língua estrangeira mas sim não planificá-lo bem e não fomentar o estudo de uma segunda ou terceira língua estrangeira. É um erro muito gordo.

Atualmente, pegando dados das Escolas de Idiomas, as cinco línguas mais estudadas na Galiza são, por esta ordem: o inglês, a certa distâncias o francês e o alemão, mas perto uma da outra, o italiano às vezes supera o alemão, e o português. Pensas que nos próximos anos veremos uma mudança nesta classificação?

Com respeito ao inglês também não é que o pense eu, há previsões sobre isso a nível internacional, na mesma que se fala no ‘pico do petróleo’ também se fala já no ‘pico do inglês’, quanto ao número de pessoas que estão a estudar essa língua. No caso de Espanha ainda temos uma suba de pessoas que o querem aprender, em parte devido a que no ensino primário e secundário realmente as pessoas não aprendem o inglês que necessitam. O inglês hoje em dia é uma língua franca, já não só para o mundo dos negócios, mas para se comunicar a nível básico no estrangeiro: falar com um taxista, reservar num hotel… para isso queremos basicamente o inglês e para isso parece ser que se vai consolidar como língua franca, a esse nível.

Mas aqui na Galiza ainda o pessoal nem sequer tem as competências básicas a pesar de ser a língua mais conhecida e estudada. Se os compararmos, o nível de inglês não é muito diferente do que apresenta o pessoal que sabe, por ex., também francês (dados da Real Academia, inquérito nível vida das famílias), mesmo com muitos mais anos de estudo o nível é quase similar. Isso leva a que o pessoal fora do ensino obrigatório procure ainda as Escolas de Idiomas e as academias privadas, mas chegará um momento em que o nível seja aceitável para a comunicação de primeiro contato no estrangeiro e então o número de estudantes de inglês descerá. As previsões apontam para que isso talvez aconteça em 10-15 anos, quiçá na Espanha isso ainda demore mais um pouco.

Pelo contrário, outras línguas subirão, porque os relatórios dizem que para entrar no mercado o primeiro contato poderá ser o inglês, mas para a fidelização, para ganhar confiança com o teu fornecedor será fundamental conhecer e usar a língua de quem quer e precisa confiar em ti. Também sabemos que cada vez mais esta crise está a levar à criação de diferentes áreas económicas lideradas por um ou dois países: a área da Ásia-Pacífico, com a China e o Japão; o caso do MercoSul com a Argentina e, sobretodo, o Brasil; a Rússia com a sua área económica; a União Europeia; os EUA e possivelmente também a África, onde todo o mundo está a tentar ganhar posições. Então necessitaremos aprender mais línguas do que o inglês, nomeadamente o russo, o chinês, o japonês, o alemão ao lado francês na União Europeia, o castelhano e o português na lationoamérica.

No caso do português já estamos a ver que o Brasil é a sétima economia mundial e até nas últimas listas de bilionários entraram já um número significativo de brasileiros, o que faz indicar com que nas prospeções demolinguísticas a nossa língua, o português, vai continuar entre as dez mais faladas do planeta e para 2050, no mínimo, vai manter o número de falantes face outras melhor situadas hoje em dia, como o francês, que mesmo poderiam recuar. Isto faze-nos prever que o português vai ser uma língua que vai ser estudada em muitas partes do mundo e com respeito a isso nós na Galiza temos umas potencialidades que, por desgraça, não estão a ser exploradas.

Os estabelecimentos plurilingues são aqueles em que são ensinadas uma série de matérias diferentes da língua castelhana e da língua galega. Pensas que seria estratégico que professores de matemática, de física, ou de outras matérias, dessem as suas aulas em português?

Penso, claro. Por várias razões, entre as quais já acabo de dizer algumas. Neste país vivemos no rendimento imediato, a curto-prazo – eis o exemplo do eucalipto – e com a língua fazemos o mesmo. O curto-prazismo levou-nos à utilização de uma ortografia, fácil para muita gente, mas não rendível economicamente e a médio-longo prazo essa aposta, sobretodo ortográfica fora de outros fatores que também influem, feita no ano 81-82 tem umas consequências económicas que, por ex., já estamos a ver a nível editorial.

Para darmos a volta a isso, e sem entrarmos no conflito, uma das soluções seria criarmos estabelecimentos plurilingues com português pedidos a partir do Conselho Escolar e das famílias, que agora vão ter muito mais poder de decisão sobre as escolas. Penso que já existem alguns que apostam pelo francês e a normativa, embora fale preferentemente do inglês, teoricamente não impede a criação de estabelecimentos plurilingues com português, exceto que haja uma decisão política a esse respeito, pois isso tem que ser aprovado e passar uns determinados protocolos.

Especialmente em estabelecimentos que virem importante um reforço do galego, da utilidade do galego e ao mesmo tempo acreditarem na utilidade de introduzir e conhecer a norma portuguesa e a norma brasileira, isto pode ser feito, mas é preciso o apoio do quadro docente e, sobretodo, das famílias, além da decisão política da Junta. Mas acho que algo que se deveria tentar.

O que pensas que teriam a ganhar os docentes de galego se introduzissem nas suas aulas materiais de português?

Bom, parece-me bem pedir que o português seja uma língua estrangeira, mas penso que é um pouco incongruente por parte da estratégia reintegracionista. Já sei que é uma estratégia prática, mas se dizemos que é a nossa língua, que nós falamos português da Galiza, levá-lo ao ensino como língua estrangeira não é mais do que adaptar-se ao esquema mental que tem a gente. Talvez tivéssemos que tentar umas outras vias, como por exemplo introduzir conteúdos, utilizar novas metodologias como as comparatistas que são utilizadas em escolas como as bressolas, as calandretas… sobretodo para potenciar a compreensão escrita e a expressão escrita. Penso que bem poderiam ser reservadas uma ou duas sessões ao mês para comparar a língua na Galiza com a língua em Portugal ou no Brasil e penso que não haveria grandes oposições por parte das famílias e dos Conselhos Escolares, antes bem ao contrário.

Por outro lado, penso que mudaria a visão do galego, sem entrarmos no conflito em se é português ou não, que penso que não convém avivar. Penso que lhe daria mais utilidade à matéria do galego, algo muito importante quando hoje em dia, tal e como refletem os inquéritos, há uma maioria das famílias, apesar dos apoios que haja de muita gente, e até do professorado que vem a matéria de galego como inútil. Isso tem a ver, penso, com usarmos uma ortografia que fora do Padornelo para o seu domínio é inútil, gostemos ou não só é útil aqui a nível identitário ou de quem gostar usá-la, mas fora daí não dá para muito mais.

Por outro lado as metodologias que estão a ser empregadas para dar galego, na maioria dos casos, são metodologias muito próximas do tradicional. Penso que deveria de haver, igualmente, uma mudança em geral da didática do galego, nomeadamente nas áreas urbanas e periurbanas. Acho que todo isto seria um ponto forte para a valorização do próprio galego e até da própria norma oficial como veículo de achegamento a outras normas ortográficas que são muito mais úteis no nível internacional.

E como pensas que os alunos poderiam viver a introdução de materiais de português nas aulas?

Bem, vós já tendes experiência, poderiais falar mais do que eu nisso. Por que se vê há muito interesse, muito entusiasmo, reforça sentimentos de confiança nos etnofalantes e nos neofalantes, nomeadamente nos novos, ao verem que a sua variedade local está vinculada a uma língua internacional. Portanto, a acolhida por parte do alunado é em geral boa. Uma outra coisa são as famílias, é preciso fazermos ver que isso não é feito por ideologia; eu não me tornei reintegracionista só por acreditar em que, essencialmente, o galego, o que falamos aqui, seja português, ou por gostar da língua medieval… mas sobretodo porque vi que essa é a saída que temos que tomar a nível de supervivência como comunidade linguística e também por ser a saída economicamente mais viável a longo prazo.

Na Galiza o debate sobre o tipo de ensinos (modelo valenciano, basco… com linhas) é um debate que não se tem colocado demasiado, exceto Galicia Bilingue. Mas desde os movimentos de normalização dá-se por descontado que tem que ser como está atualmente… Qual é a tua opinião? Talvez um modelo como o valenciano ou o basco onde os pais pudessm escolher linhas íntegras de imersão?

Bom, é realmente um tema em que a gente deveria parar-se em frio. Não vale o que nós pensemos particularmente, mas temos que trabalhar com toda a população, temos que ter ‘sentido de país’, tanto pola comunidade galego-falante e como pola castelhano-falante, pois parece que vamos para a existência dessas duas comunidades. Temos que nos juntar e vermos qual o melhor modelo, o galeguismo terá que escutar o espanholismo e o espanholismo terá que escutar realmente, não tolerar, as razões do galeguismo.

O sistema que agora tenhamos não é o mais adequado, como demonstram a adquisição atual de competências linguísticas, quer pela didática para o galego e mesmo para o castelhano, quer também pelo próprio sistema de horas, como também pelo difícil entendimento do rejeitamento da imersão para o galego quando esta metodologia se potencia para as línguas estrangeiras e não se mostra essa oposição. Quiçá era bom termos um sistema mais flexível que garanta a aquisição de competências aceitáveis nas duas línguas, não um ‘café para todos’, e de fato penso que acabaremos indo para isso.

Penso também que seja importante que os pais na vez de decidir os contéudos dos colégios possam escolher os colégios onde querem mandar os seus filhos. Estou a falar das escolas públicas, claro, e aí também a esquerda, nomeadamente, tem que rever que a competitividade e a produtividade também são importantes no setor público. Se calhar, o fato de os pais poderem escolher a escola em função do programa educativo que esta propõe poderia ser bom para a família e para a própria escola.

Isto também pode levar a que o Governo aceite isso. O Partido Popular está a favor de que os pais escolham os centros, embora para mim isso implique que os pais não tenham demasiada mão sobre os conteúdos educativos, pois os pais não são pedagogos e mesmo é questionável que a família seja uma instituição sávia para tudo, também erra e deverá deixar autonomia a esse respeito aos centros de ensino.

Desta maneira, com mais autonomia, poderia haver escolas que pudessem ensaiar com o galego-português o mesmo que se está a fazer com o inglês para castelhano-falantes, tirando o preconceito linguístico e permitindo a adquisição de uma boa competência em galego culto ou formal.

Na minha opinião, o Governo galego é aí onde deveria recuar, entretanto que a esquerda, acho, deveria adoptar uma posição mais liberal neste assunto; as famílias, por seu lado, deveriam ficar com a decisão da escolha do centro, mas sem terem um peso decisivo na organização e nas programações académicas.

Existem bastantes lugares comuns e muitos preconceitos a respeito da didática da língua galega… muitas piadas, anedotas. Que mudanças pensas tu que deveria ser bom implementar para que fosse mais eficaz?

Bem, não sou professor de língua galega, mas o primeiro que devo dizer é que nos estudos de galego não há nenhuma matéria de didática das línguas, entretanto sim existe isso nas línguas estrangeiras – falo no secundário -. Agora parece que vão ter, mas há nisso um grande défice. No caso de primário sim têm aulas de didática específicas de galego, mas dão muito pouco de didática e muito de língua, gramática e literatura.

O primeiro que eu mudaria seria a própria formação, porque se propusseres uma reforma não poderás fazer nada se o pessoal que vai dar aulas não conhece, não compreende ou não sabe. É certo que também a situação não é fácil, nomeadamente em determinadas zonas com as famílias, e isso muitas vezes leva à acomodação, à resignação e até o escapismo, mas temos que agir com responsabilidade e devemos exigir que os castelhano-falantes tenham o mesmo nível de competências em galego que as que mostramos os galego-falantes, sejamos etnofalantes ou neofalantes.

Os dados demonstram que há uma grande diferença no nível de galego e no nível de castelhano e essa diferença vai acrescentando-se conforme baixamos nas gerações, o que acarreta que algo não se está a fazer bem na questão da didática. Há inquéritos que demonstram que perto do 20% das pessoas novas não sabe expressar-se com fluidez em galego e isso, ao meu ver, é um fracasso em termos gerais do professorado de língua galega. A mim doi-me dizer isto, muitos e muitas são colegas e muito comprometidas, mas devemos ver essa realidade e admiti-la.

Quiçá devamos diferenciar as zonas em que o alunado tem o galego com língua inicial e aquelas em que não, nestes casos pode ser aplicada uma didática especial, se se quer como uma segunda língua, como língua ambiental… Nestes casos a didática não pode ser a mesma, há certas coisas que devem ser trabalhadas como nas didáticas das línguas estrangeiras. Isso também é doloroso dizê-lo, mas devemos conseguir uns resultados, temos uns objetivos que cumprir e aí o fundamental, acho, é trabalharmos a compreensão e especialmente a expressão oral e escrita com atividades adatadas partindo das elaboradas para as línguas estrangeiras.

É preciso aplicar também o tratamento integral das línguas, não entendo por qué hoje em dia são dados os mesmos conteúdos em castelhano e em galego, por ex. na sintaxe (sujeito, verbo, o adjetivo, o complemento direto…). Temos que decidir em que línguas são dadas determinadas coisas (deveriam ser na língua inicial) e quais trabalharmos nas outras. Nas línguas estrangeiras, por ex., não trabalhamos a gramática a esse nível, nomeadamente no primário, pois temos outros objectivos prioritários.

No caso do galgo, penso, essas horas deveriam ser empregadas na familiarização, por ex., com as normas portuguesa e brasileira. Seria bom vermos o que está a ser feito no Canadá, como está a ser dado o inglês no Quebeque, como está a ser dado alô o francês numa zona anglófona. O problema é que o nosso sistema não está a funcionar para o galego… e mesmo até nalguns aspetos essenciais também para o castelhano, como por ex. a compreensão leitora.

Em termos de língua, parece que o atual Governo não liga muito para as diferentes vozes que surgem da sociedade civil. Pensas que o Governo galego ligaria mais para as Câmaras de Comércio, para a economia, para as associações de empresários?

É algo que penso que o reintegracionismo deveria começar a pensar e talvez porque sempre esteve ligado à esquerda, é que sempre viu as Câmaras de Comércios como predadores. Mas há também empresários sem ánimo de depredar, embora tenhamos muitos casos do contrário, e há um comércio exterior que até a crise estava a medrar. Agora o mundo empresarial está a pensar na recuperação, temos um mundo em que entrar e aí termos o conhecimento em línguas estrangeiras, não apenas do inglês, é fundamental.

As empresas terão de ter pessoal plurilingue para serem competitivas e está claro que certos setores estratégicos como o automóvel e mesmo outros como o florestal, a pesca, ou o turismo… terão necessidade desse tipo de pessoal e aprofundar nele, não só chamando o filólogo ou o tradutor, mas tendo também pessoal plurilingue.

Sem dúvida, como já disse antes, um dos mercados a explorarmos é o brasileiro e aí o movimento reintegracionista tem umas competências, uns conhecimentos e umas habilidades que mais ninguém tem nesta altura na sociedade galega. O reintegracionismo tem que oferecer a sua ajuda, não por ideologia, e penso que seria bom começarmos a saber capitalizar e a rentabilizar isso. É essencial e estratégico para o reintegracionismo contatar com as Câmaras de Comércio, aí quando necessitam apostam, e não só pode oferecer formação de língua mas também experiências a nível de mediação intercultural em negociações ou campanhas promocionais.

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