Partilhar

Bruxelas, dezembro de 2016: Crónica

situationQue a cultura galega resiste em meio dum panorama desolador não é um segredo. Nem os poderes públicos a promovem como setor estratégico, nem vivemos tempos favoráveis para a contemplar como uma prioridade: a crise económica é invocada continuamente para justificar a falta de investimentos num campo poliédrico, apresentado perante a sociedade como um luxo e não como um direito fundamental, como se fosse apenas a vontade duma elite em vez do corpo simbólico fundamental duma nação que, ademais, contribui para a transformação social e produz prazer.

A novidade é que entre o 6 e o 8 de dezembro diferentes setores da cultura galega foram reunidos pelo grupo parlamentar de AGE no Parlamento Europeu, para debater os seus problemas, para enxergar soluções, para expor as diferenças de critério e para que se conhecessem entre si as pessoas que lá representavam artes e disciplinas várias. A literatura, a música, a cena, o audiovisual, a antropologia e a arqueologia, as associações culturais de base e até a crítica cultural e os especialistas em captar fundos de financiamento estavam presentes, através de sessenta e cinco pessoas que conviveram numas cumpridas jornadas de trabalho no coração de Bruxelas. De diferentes maneiras, muitos desses participantes expressaram o seu agradecimento pela oportunidade; alguns salientando que faziam parte de coletivos habitualmente ausentes neste tipo de encontros. De facto, quando se pensa na nossa cultura nem sempre se tem em conta, por exemplo, a arqueologia e o património, por estranho que pareça. Nesse grupo de surpreendidos pelo convite estávamos também os reintegracionistas: Jose Ramom Pichel e Sabela Fernández, como autores do documentário Porta para o exterior e Teresa Moure, como escritora e membro do grupo promotor do manifesto O fim do Apartheid. Os três tivemos oportunidade de falar da nossa causa e de expor a nossa produção ou as nossas visões para a cultura galega do presente e do futuro. No panorama atual isso já é um acontecimento significativo.

bruxelas_poesiaO encontro serviu para revistar em profundidade os problemas nos diversos campos, como a necessidade de criar leitor@s ou de organizar um certame internacional de poesia, a precarização em que sobrevivem as artes cénicas, as dificuldades para visualizar os produtos musicais ou a perda do nosso património em benefício do eucalipto. E tudo sobre um dado essencial e frequentemente esquecido nos programas políticos: que a cultura move a economia galega numas cifras semelhantes às da pesca ou da indústria automobilística. De maneira especial, falamos muito no direito das pessoas à cultura, esse artefacto complexo, feito de sensibilidade e de práticas ritualizadas que nos distingue como espécie e que dá perfil a cada povo. Debatemos sobre a mútua necessidade de duas apostas enfrentadas: por um lado, a demanda de a cultura se profissionalizar – porque as pessoas que dedicam a sua vida às artes precisam comer –; por outro, a importância fulcral desse tecido vivo nas práticas associativas, generoso e amador, que cria e cultiva o público que há de sustentar depois aos profissionais. Não se tratava só de aceder aos dinheiros das instituições – mesmo se estas só voltariam o que pagamos com os nossos impostos –, mas também de partilhar experiências de auto-gestão, que viabilizem as nossas criações ou investigações sem dependermos diretamente do poder. E disto o reintegracionismo tem muita experiência desde os anos 80 do passado século.

bruxelas_parlamento

Lídia Senra, a nossa anfitriã, e a sua equipa esmeraram-se para propiciar um ambiente cálido, onde nos expressássemos em liberdade e mesmo concertaram um encontro onde altos funcionários europeus se reuniram connosco para procurar, no intrincado labirinto burocrático de Bruxelas, vias novas de financiamento para as nossas atividades. Talvez fosse esta –a parte burocrática, que não dependia de agentes galeg@s– a mais dececionante: com boas palavras, sugeriram-nos soluções pouco esperançosas, como o crowdfunding. Para a cultura galega, que sobrevive sobre a vontade e a imaginação, uma tal proposta produz certa ironia.

bruxelas_bilharda

Num encontro deste tipo, para além das conversas formais, onde relatoras e relatores dão voz a um coletivo e são interpelados pelo grupo, existem momentos mais distendidos. A convivência continua, as conversas na noite e nos tempos de espera dos aeroportos estabelecem cumplicidades; criam sinergias. A gente tem oportunidade de conhecer-se e de partilhar ideias. Isso é algo que o reintegracionismo pode celebrar porque ajuda ao nosso esforço por sairmos fora das próprias margens e avançar no caminho de sermos interpretados como parte do movimento geral em defesa da língua. Tentamos transmitir que não somos só esse pessoal esquisito que escreve duma outra maneira: somos ativistas da língua e da cultura, menos rígidas do que nos imaginam outros grupos, muito conhecedores dos desafios sociais, com capacidade demonstrada para construir projetos à margem dos poderes. Porta para o exterior, visto em Bruxelas, desenvolvia como em nenhuma outra parte o seu discurso de reclamação da nossa subalternidade e mostrava que os tempos são chegados para remar juntas quando as estatísticas sobre o futuro da língua se revelam desoladoras. De maneira semelhante, o manifesto contra o Apartheid explicava-se sobre a base dos personagens da tragédia grega que carregam com o seu castigo sem terem culpas. Ambas propostas harmonizavam profundamente e pretendiam um apelo decidido para um novo tempo, onde não vejamos mais o reintegracionismo agachado, por muito incómodo que puder resultar.bruxelas01

O futuro não pinta assim tão mal. Regressamos com a sensação de que é possível tecer. Em geral, a cultura galega está habitada por resistentes, pront@s para se dedicar às suas artes e saberes, embora chova lá fora. Em particular, no que respeita à nossa visão da Galiza como pertencente a um sistema cultural internacional e ao modo como vivemos a nossa língua diariamente, observamos respeito nas nossas intervenções e algumas simpatias. Continuaremos a construir dia a dia.

bruxelas_grupo

Já agora, com o Conselho da Cultura Galega como representante da Galiza na CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa), resultado da Lei Paz Andrade, promovida por quem, das margens, trabalhou sempre pela volta à nossa galáxia cultural, talvez fosse conveniente continuar os encontros nessa instituição e encetar um novo caminho para a cultura galega do século XXI.

José Ramom Pichel

Sabela Fernández

Teresa Moure

 

Lançamento do livro 50 anos de Abril na Galiza, em Vigo

A Mesa tramitou mais de um milhar de expedientes em 2023

Areias de Portonovo, uma jornada atlântica da Galiza ao Brasil

A USC comemora os 50 anos da revolução de 25 de Abril que deu início à democracia contemporânea em Portugal

Sónia Engroba: ‘Não somos conscientes nem conhecedores do poder da nossa própria língua’

Novidades Através: 50 anos de Abril na Galiza

Lançamento do livro 50 anos de Abril na Galiza, em Vigo

A Mesa tramitou mais de um milhar de expedientes em 2023

Areias de Portonovo, uma jornada atlântica da Galiza ao Brasil

A USC comemora os 50 anos da revolução de 25 de Abril que deu início à democracia contemporânea em Portugal