best-sellers

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Não será também este ano, pois já vai quase inteiro andado, que aconteça esse Apocalipse do papel, anunciado há décadas pelos profetas do digital, nem virá tão pronto esse mundo futuro imediato, há quanto pregoado, do livro terminator eletrónico. Mas alguma cousa, alguma, calhou aí.

Talvez fosse apenas o milenarismo (na sua versão 2.0, da do ano 1.000, e saudoso efeito 2000) ecos daqueles primeiros cristãos que se desprendiam do mundo mundano, como se não fosse haver mais nada amanhã. Porque, certo é, que nos últimos anos proliferam os sebos, e na rede as livrarias e depósitos de livros usados estão a ter o seu momento.

Nas cidades pelas que me movimento observo que aparecem novas lojas de livros, diferentes, algumas com café, chás e bolinhos, incorporados com amabilidade, outras que vendem banda desenhada, edição de autor ou de editoras comprometidas, sociais, ecologistas, feministas, anarquistas, esotéricos, mágicos, raros e curiosos; livro a demanda, impressão eletrónica, colado automático e capas plastificadas de desenho, todas com numerosos atos, apresentações, exposições, circulação acelerada e definida presença nas redes sociais.

Alternative bookstore (
Foto tirada da FTC (followthecolours.com.br)

Abrolham também, nos últimos tempos, comércios de livro usado que parecem nómades: um dia abrem cá, outro dia um cartaz indica que estão a várias ruas de distância o noutra cidade. Desaparecem simplesmente uns livreiros do mapa, abrem as mesmas lojas com outras proprietárias e sob novo signo. Há postos ocasionais, de manta no chão ou mesa portável. Comércio nos mercados populares de domingo, rastros, restos de mercadoria, que mais cada vez imitam – crise é crise – aquela Feria de Tristan Narvaja de Montevideu. Aparecem também locais, com mobília recuperada, de segunda mão ou Ikea, dando vida com pouco a velhos locais e antigos comércios.

Espaços onde aparecem bons livros (sós ou entre posters, objetos vários, roupa, mobília e vinil) a preços baratos, vendidos a peso, sem ordem apenas, em desequilibristas montes, golpes ou moreias; etiquetados com 2, 3, 5, 10, 12 euros, romance, internacional, idiomas… conservados regularmente ou mesmo bem, rústicas coloridas de antano gastas pelo tempo, marcas de anteriores proprietários e encadernações artesanais diversas, em qualidade, materiais e técnica.

Não eram estas lojas de livro assim populares na Espanha, não há tanto, mas sim no Reino Unido, França, Bélgica, Holanda, nos países do Prata; pois para existirem exigem de décadas de população alfabetizada, com consumo de livro e bibliotecas particulares. A questão é que – obviamente – agora há abundância de matéria prima, e esta foi obtida mais barata ainda. Isto implica, por fazer um cálculo simples de margem e lucro, que o pessoal, aí nas casas, está a se desfazer de livros, de bibliotecas inteiras.

Tem lógica, para além do passar das gerações mais velhas, a gente in, a informada ou com projeto, diz que não quer mais papel na casa, que não compra mais livro, apenas aqueles por oferta, fetiche, ou compromisso. Compra, aluga, apanha dos serviços eletrónicos das bibliotecas, descarrega arquivos para o e-book, tablet, telefone ou dispositivo fabuloso e qualquer que venha.

Porém, verdadeiramente continua a haver papel e livro-objeto com identidade própria. Talvez mais do que nunca. O mundo da edição, as grandes livrarias e os best-sellers continua numa aceleração atemorizadora. A fase de fagocitação das grandes empresas do livro prossegue, mas a cada dia aparece um projeto editorial, ou um autor dá o salto da auto-edição à edição.

Por cima, nas alturas, a competição entre os grandes dinossauros é feroz, pelos grandes mercados. Por baixo o ecossistema da pequena edição e a edição a demanda, rege-se por regras outras, algumas próprias dos tempos da primeira imprensa, há muito abandonadas, outras desconhecidas por inauditas na novidade, configurando um universo microscópico. Entre ambas a pequena, consolidada, inestável edição académica, elitista, artística, intelectual, que não é regida por leis do mercado quanto de fama, subvenção, propaganda, instituição, academicismo, picaresca e imortalidade.

O mundo do livro a escala dos estados ocidentais tem as suas dinámicas próprias, mitos, lugares comuns, tradições. Mas no fundo compartilha hoje algo dessa ideia do livro espetáculo que tão bem romanceia David Foenkinos naquela história de autores, bibliotecas de livros rejeitados, editores, propaganda, crítica e best-seller (Le mystère Henri Pick) com Bretanha ao fundo. Ou de livro-conceito, na formulação meta-irónica de Houellebecq (O Mapa e o Território), que é capaz de assumir-se no mercado arredor do livro best-seller, a arte-show que os seus personagens representam como o próprio e metaliterário autor num mercado fugaz, efémero, despiedado e mediático que por vezes vende apenas por escândalo, títulos e notas de imprensa.

Não podemos negar que os autores, as livrarias, as bibliotecas estão na moda, existindo mesmo coleções, séries dedicadas a ensaios, correspondências, diários, romances sobre livros, biblópatas, livreiros, livrarias e géneros aí consolidando-se e mesmo com direito a filme. Do clássico 84, Charing Cross Road, de H. Hanf à revisitada The Bookshop, de Penélope Fitzgerald. A ironia, a auto-paródia sobre o mundo do comércio do livro e da edição e os autores destes tempos parece ter enraizado nessa mistura de romance negro ou de detetives que já se apontava no delicioso Au bon Roman de Laurence Cossé.

Por entanto, na Galiza, agitam-se também as águas e as páginas. Mesmo que minoritariamente, começa a aparecer um comércio que oferece livro português e um consumidor que demanda livro português. Um público, que procura best-sellers e livro popular, que comprar por comodidade ou por estarem antes editados em Português, ou porque não vão ser nunca editados em galego. Acontece também com clássicos universais, inexistentes em galego, com livros descatalogados ou de difícil aceso no mercado do livro em castelhano mas que podem ser adquiridos, porque nele circulam, ou porque querem ser lidos nessa língua nossa que não é nossa, em português; e também livros infantis, materiais educativos, DVD, livro-brinquedo. O mundo científico, profissional do manual também não é já mais alheio à possibilidade.

Livro de Portugal, não de Brasil, que dentro do mercado da UE, o Euro e com as facilidades do comércio eletrónico, está a distância de um click, e apenas condicionado pelas preferências, cultura, habilidades e pelo hábito, competência leitora, do público galego.

Nesse sentido são interessantes alguma das declarações, que a livreira Ermitas Valencia, da livreira Suevia na Crunha fazia há uns dias ao Alberto Paz Félix no PGL.

“Sobre todo cada vez mais há gente que foi estudante da Escola de Idiomas e que quando quer ler um “best-seller” ou um livro atual recém saído, vem por aqui para comprá-lo em português, porque sabe que em galego não vai sair nunca e não o quer ler em espanhol.”

“Não há quase apresentações de livros ou visitas de autores portugueses ou da lusofonia. É uma pena, porque estamos a perder um montão de oportunidades, muitas vezes esses autores visitam outras cidades, e aqui passam de largo. Para o público geral, além de que podam visitar uma faculdade, não estão acessíveis. O Concelho da Corunha e outras instituições gastam dinheiro em trazer autores de Madrid, e não sei porque não se gasta em trazê-los de Lisboa. Em todo caso de falar de trazer autores do estrangeiro, há mais proximidade linguística que com os que estão em Madrid.”

“A visão que tenho é pequena, não tenho na cabeça quanto livro português se pode vender ao ano em Galiza, mas eu acho que se houver demanda, os livreiros teriam estes livros nos andeis. […] E isto pode ser segunda a especialização ou como se queira focar cada livraria projeta-se mais ou dá-se-lhe maior visibilidade a uns livros que a outros, mas a dia de hoje acho que a demanda tampouco é muito grande, e então a maioria da gente não o considera rendível. A gente das livrarias, senão todo o mundo teria uma secção de português.”

“Em Galiza, um montão de venda a move o ensino, e ai o português, se realmente nos tomarmos em sério que as meninas e os meninos galegos soubessem, como podem fazê-lo com certa facilidade, achegar-se ao português, e assim também melhorar o seu galego, e para isso é fundamental ter materiais, ter textos, ter livros. Nós aqui, por exemplo, algo que a muita gente lhes surpreende, temos livro infantil em português. Há muitos pais e mães que querem adquiri-los. Mesmo às vezes livros que estão muito demandados e que estão esgotados em galego, temo-los em português, e a gente leva-os igual. Há gente que está muito sensibilizada com o tema do idioma e que não lhe importa ter-lhe aos seus filhos livros em português.”

Através do apartheid. Indícios. Pequenos, mas constantes. A ideia e o futuro do best-seller português na Galiza, talvez merecesse um romance detetivesco, de aventuras ou de ficção científica.

 

* Artigo republicado do Blogue A Viagem dos Argonautas

 

Máis de Ernesto V. Souza