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Abgar Renault, um tagoreano da Academia Brasileira de Letras

Dentro da série que estou a dedicar às mais importantes personalidades da Lusofonia, onde a nossa língua internacional tem uma presença destacada, e, por sorte, está presente em mais de doze países, sendo oficial em oito, dedico o presente depoimento, que faz o número 135 da série geral que iniciei com Sócrates, a uma extraordinária personalidade do Brasil, membro da Academia Brasileira de Letras e também da Academia Brasileira de Filologia, que exerceu de professor, tradutor, educador, poeta, ensaísta e mesmo político, e foi um destacado tagoreano. Conhecido como Abgar Renault, tinha nascido em Barbacena-Minas Gerais em 1901, e falecido no Rio de Janeiro em 1995. Com este depoimento, a ele dedicado, completo o número vinte e três da série lusófona.

PEQUENA BIOGRAFIA

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Tomo como base para este depoimento a biografia oficial publicada pela Academia Brasileira de Letras. De nome completo Abgar de Castro Araújo Renault, nasceu em Barbacena, Minas Gerais, a 15 de abril de 1901, e faleceu no Rio de Janeiro o 31 de dezembro de 1995, com 94 anos de idade. Eleito em 10 de agosto de 1968 para a Cadeira nº 12 da Academia, na sucessão de J. C. de Macedo Soares, foi recebido em 23 de maio de 1969, pelo acadêmico Deolindo Couto.

Era filho de Léon Renault, professor de filhos de famílias ilustres em Minas Gerais, o que fez do contato com as letras e a ciência uma rotina para Abgar desde sua infância. O nome de sua mãe era Maria José de Castro Renault. Casado com Dª. Ignês Caldeira Brant Renault, teve dois filhos, Caio Márcio e Luiz Roberto, e três netos, Caio Mário, Abgar e Flávio. Fez seus primeiros estudos com o próprio pai, em sua cidade natal, de onde seguiu para Belo Horizonte e fez o curso secundário no Colégio Arnaldo e estudos superiores também em Belo Horizonte, onde começou a exercer o magistério. Em seguida, no ano de 1920, ingressou na Faculdade de Direito de Minas Gerais onde se tornou bacharel em 1924. Nesse percurso acadêmico estudou também Pedagogia, Língua e Literatura Estrangeira, além de ter começado a construir os conhecimentos que o levariam a participar ativamente do movimento modernista brasileiro.

Renault com Anísio Teixeira e Lourenço Filho.
Renault com Anísio Teixeira e Lourenço Filho.

Foi professor do Ginásio Mineiro de Belo Horizonte, da Universidade Federal de Minas Gerais e, no Rio de Janeiro, do Colégio Pedro II e da Universidade do Distrito Federal. Eleito deputado estadual por Minas Gerais, nomeado Diretor da Secretaria do Interior e Justiça do mesmo Estado; Secretário do Ministério da Educação e Saúde Pública Francisco Campos e seu Assistente na Secretaria da Educação e Cultura do Distrito Federal; Diretor e organizador do Colégio Universitário da Universidade do Brasil; Diretor do Departamento Nacional da Educação, Secretário da Educação do Estado de Minas Gerais em dois governos, quando se notabilizou por incentivar o ensino no meio rural; Ministro da Educação e Cultura; Diretor do Centro Regional de Pesquisas Educacionais João Pinheiro em Belo Horizonte; Ministro do Tribunal de Contas da União; membro da Comissão Internacional do Curriculum Secundário da Unesco (1956 a 1959); consultor da Unesco na Conferência sobre Necessidades Educacionais da África, em Addis Abeba (1961); membro da Comissão Consultiva Internacional sobre Educação de Adultos, também da Unesco (1968-1972); representante do Brasil em numerosas conferências internacionais sobre educação levadas a efeito pela Unesco em Londres, Paris, Santiago do Chile, Teerã, Belgrado e Genebra; eleito várias vezes membro da Comissão de Redação Final dos documentos dessas reuniões; membro da Comissão Consultiva Internacional do The World Book Encyclopædia Dictionary (Thorndike-Barnhart Copyright, Doubleday & Company, USA, 1963); membro do Conselho Federal de Educação e do Conselho Federal de Cultura;e Professor Emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Esteve sempre ligado à educação e, como professor, preocupou-se com a língua portuguesa, de que foi um conhecedor exímio e representante fiel.

Pertenceu à Academia Mineira de Letras, à Academia Municipalista de Letras de Belo Horizonte, à Academia Brasiliense de Letras; ao Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Stanford, Califórnia, EUA, e foi Presidente da Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa de Belo Horizonte. Em todos os postos que ocupou, como no magistério, Abgar Renault desenvolveu intensa e exemplar atividade, registrando em A palavra e a ação (1952) e Missões da Universidade (1955) seus estudos e reflexões. Além disso, foi um grande poeta. Contemporâneo de Carlos Drummond de Andrade, juntou-se ao grupo surrealista moderno e participou do movimento modernista de Minas Gerais. Desde então, sua importância na literatura contemporânea só fez crescer. Apesar de ter a obra associada ao Modernismo, fazia uma poesia original, audaciosa, não formalista e não ligada a nenhuma escola poética. Era dos que não faziam questão de aparecer em público, mas sua qualidade literária se impõe nos livros que publicou. Foi também um notável tradutor de poetas ingleses, norte-americanos, franceses, espanhóis e alemães. Era um grande especialista em Shakespeare. Sua poesia tem sido incluída em numerosas antologias, no Brasil e no exterior.

Abgar Renault com Drummond de Andrade e outros.
Abgar Renault com Drummond de Andrade e outros.

Entre as suas obras destacam: Sonetos antigos (1968); A lápide sob a lua, poesia (1968); Sofotulafai, poesia (1971); A outra face da lua, poesia (1983); Obra poética, reunião das obras anteriores (1990).

Das suas traduções temos que resenhar Poemas ingleses de guerra (1942); as três obras de Robindronath Tagore: A lua crescente (1942), Colheita de frutos (1945) e Pássaros perdidos (1947) e também O boi e o jumento do Presépio (1955), de Jules Supervielle. Essas obras foram reunidas, em grande parte, em Poesia, tradução e versão (1994).

FICHAS DOS DOCUMENTÁRIOS

  1. Abgar Renault: Canto da Literatura. Poesia.

     Duração: 6 minutos. Ano 2017. Homenagem a A. Renault.

     

  1. Abgar Renault: Como quem pede uma esmola.

     Duração: 3 minutos. Ano 2019.

     

  1. Abgar Renault: Sonetos.

     Duração: 3 minutos. Ano 2019.

     

  1. Esquerdo, antigo e triste. Discurso poético de 1950.

     Duração: 4 minutos. Ano 2017.

     

  1. Uma noite marcha sobre mim. Poema.

     Duração: 2 minutos. Ano 2019.

     

POEMA DE R. TAGORE

 A ESCOLA DAS FLORES

Por Robindronath Tagore

(Poema nº 22 do livro A Lua Crescente)

(Tradução de Abgar Renault)

Quando as nuvens da tempestade
avançam no céu reboando e caem as chuvas
de Junho,
o vento úmido do oriente vem caminhando
por cima da charneca para assoprar as suas
gaitas de fole em meio do bambual.
Então, multidões de flores surgem, de repente,
ninguém sabe de onde, e dançam sobre
a relva numa doida alegria.
Mãe, eu acho que as flores vão para a escola
debaixo da terra. Estudam suas lições a
portas fechadas e, se querem sair para brincar
antes da hora, sua mestra as põe de castigo,
de pé num canto.
Entram em férias, quando chegam as chuvas.
Os ramos entrechocam-se na floresta,
e as folhas sussurram ao vento bravio;
as nuvens do trovão batem palmas com as mãos gigantescas,
e os filhinhos das flores saem precipitadamente,
vestidos de côr de rosa, de amarelo e de branco.
Mãe, sabes que a casa delas é no céu,
onde moram as estrelas?
Não viste como estão ansiosas por chegar lá?
Não sabes porque estão com tanta pressa?
Eu adivinho, sem dúvida,
para quem erguem os braços:
elas têm a sua mãe, assim como eu tenho a minha.

Nota: O livro A Lua Crescente foi traduzido por Abgar Renault em 1942, ano em que é publicada pela Livraria José Olympio do Rio de Janeiro a 1ª edição do mesmo. A 3ª edição é de 1950.

ANTOLOGIA DE POEMAS de A. Renault

Apresento a seguir uma antologia dos seus poemas, escolhendo os mais formosos e significativos.

Entre eles os seguintes Sonetos, do livro Sonetos antigos, publicado em 1968:

III:

    Em vam apuro a minha fortitude,
Senhora, por vencer o meu Amor.
Debalde o vosso olhar, que assi me illude,
Ao meu denega o bem de seu fulgor.

    Que quanto mais de vós se desillude
Meu tino vam, mais eu chego a suppor
Que tal fereza hum dia se demude,
E que peneis tambem da mesma dor.

    Mas he sem cura o mal que anda a pungir-me:
Que, si agora padece este meu ser,
Porque eu vos vejo contra mi tam firme,

    O dano de querer-vos sem vos ter,
Em vos sentindo minha, ha de ferir-me
O mal de ter-vos sem vos merecer.

    VIII:

    Senhora que fazeis meu perdimento,
Dama do meu Destino de pezar,
Bem sei que embalde sofro & me lamento,
Por esse bem que he o mal de vos amar.

    Bem sei que este mofino acabamento,
Vós, que o podeis, não n’o quereis sarar;
E assi, mercê de vós, meu dano augmento,
A minha dor tornando meu sonhar.

    Se preso estou agora, & desprezado,
Pezar de mi, pezar de vós, porém,
Ha de morrer Amor tam mal sonhado,

    Morto da morte que de vós lhe vem:
Que se bem vos não sabe o meu agrado,
Inda menos a mi vosso desdém.

    X:

    Se acaso o olhar nos vossos olhos ponho,
E os surpreendo na minha face ruda,
A minha vida toda em luz se muda,
Porém me sinto sempre mais tristonho.

    Se cuido que he tambem vosso o meu sonho,
Por mais que o meu pensar engane & illuda,
De alma de todo em todo escura & muda,
Tanto de vós mais longe me supponho.

    He que, Senhora, se, qual sois, tam fria,
Assi mudaes o meu Destino féro,
Matando-me de dor, ou de alegria,

    Dizei, Senhora: desde Amor sincero,
Da natureza minha que seria,
Se tanto me quizéres qual de vos quero?

    XV:

    Fortuna má, fazendo-me encontrar-vos,
Cizânias novas lança no meu ser,
E a fortitude que hei de não amar-vos
Heis, Senhora, volvida em bem querer.

    Meu pobre sizo, por eu contemplar-vos,
Inda por mór aggravo, ando a perder
Entre a amara ventura de olvidar-vos
E a desgraça feliz de vos querer.

    Por que eu pague, Senhora, os meus pecados,
Neste de vos amar gravoso error
Bem certo contra mi se erguem os Fados.

    Que hum só mortal não ha, em tanta dor,
Que cure de pagar, por vans cuydados,
Com tanto Amor tamanho desamor.

    XXIV:

    Pera attingir huma felicidade,
Mester fôra, na Vida fugidia,
Tanto o Bem estivesse na Verdade,
Quanto, por nos mentir, mais aporfia.

    Mas he tudo illusão, que Mocidade,
Belleza, Engenho, Amor, Glória, Alegria
Em nada tudo se consume & ha de
Passar asinha como a noite & o dia.

    E se curamos, contra a irosa Sorte,
De na Morte matar daVida o engano,
Salteia a nossa mente malferida

    Negro temor de que ainda a Morte
Mais não seja, por nosso maior dano,
Que outra forma de ser da mesma Vida.

    Desintegração (poema):

    Eu tenho o coração cheio de coisas para dizer…
E a minha voz, se eu acaso falasse,
teria a força de uma revelação!

    Meu espírito palpita ao ritmo desordenado e aflito
de asas prisioneiras que se dilaceraram
na arrancada impossível da libertação e da altura.

    Minhas mãos tremem ainda ao contato
imaterial, sobre-humano e fugitivo
de qualquer coisa além e acima deste mundo…

    Adormeceu para sempre no fundo dos meus olhos
a saudade de paisagens estranhas e longínquas,
que nunca, nunca mais voltarão neste tempo e neste espaço.

    Doem meus olhos. Tremem, ansiosas, as minha mãos.
Meu espírito palpita. Tenho o coração cheio de coisas
para dizer…
Eu estou vivo, Senhor! mas, em verdade, é como se estivesse

morto…

    (Do poemário A outra face da lua, 1983)

TEMAS PARA REFLETIR E REALIZAR

Vemos os documentários citados antes, e depois desenvolvemos um cinema-fórum, para analisar o fundo (mensagem) dos mesmos, assim como os seus conteúdos.

Organizamos nos nossos estabelecimentos de ensino uma amostra-exposição monográfica dedicada a Abgar Renault, um tagoreano brasileiro, académico, tradutor, poeta, educador, docente, ensaísta e até político. Na mesma, ademais de trabalhos variados dos escolares, incluiremos desenhos, fotos, murais, frases, textos, lendas, livros e monografias.

Podemos realizar no nosso estabelecimento de ensino um Livro-fórum, em que participem estudantes e docentes. Da produção literária de Abgar Renault podemos escolher para ler por todos, pelo seu interesse, a sua Obra Poética, em edição de 1990, pela editora Record do Rio de Janeiro.

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